A presença do Movimento Tenentista em Foz do Iguaçu e suas conseqüências
Na década de 1920, Foz era oficialmente um município gigante com três distritos: Iguassu, Porto Artaza (Porto Mendes) e Guaíra.
Entre 1920 e 1924, o município em toda sua extensão tinha um pouco mais que 2000 habitantes. A estimativa é de que na sede a quantidade de habitantes oscilava entre 800 a 1200 pessoas.
Essa era a Foz do Iguaçu e região, quando os tenentistas chegaram aqui. Território coberto por mata virgem, extensos ervais, baixa densidade demográfica e distante do núcleo urbano mais próximo- Guarapuava.
a e morte sobre os trabalhadores. O extenso território de Foz do Iguaçu, que se entendia até Guaíra, era dominado por empresas concessionárias da exploração de erva-mate e madeira de lei. Nos obrajes, predominava o trabalho escravo e os trabalhadores, suas mulheres e filhos, eram tratados com violência. Os mensus, uma derivação do espanhol mensualista, eram a mão-de-obra quase absoluta, empregada nos trabalhos de extração de madeira e erva-mate. Constituída basicamente por paraguaios, sua arregimentação era feita pela força e eles deviam obediência irrestrita aos obrajeros e seus capatazes, verdadeiros monarcas, com poder de vid
Enquanto as autoridades constituídas atuavam sempre em defesa dos donos dos obrajes, a violência, corriqueira nos acampamentos, não era contestada pelos mensus. Fracos e descalços, eles passavam meses embrenhados no mato. Fugir era impossível. Quem se aventurava ia pra cadeia ou acabava boiando nas águas do rio Paraná.
Os atos de violência mais contundentes ocorriam na hora do acerto de contas. Os mensus estavam sempre devendo para o patrão. Esse endividamento constante e progressivo aumentava o grau de dependência, que já começava na contratação do peão, quando ele recebia um adiantamento, chamado de antecipo. O dinheiro era dado a peonada antes do embarque para os futuros locais de trabalho. As embarcações atrasavam de propósito até cinco dias e durante esse tempo os peões gastavam todo o antecipo com mulheres e bebidas, e quando chegavam no obraje estavam devendo para o patrão. O desgraçado do trabalhador nunca mais conseguia pagar o que havia recebido.
Arthur Martins de Franco, em suas Recordações de viagem ao Alto Paraná, conta que o Tenente Pimenta de Araújo, comandante da força pública, para melhor castigar os peões, mandara colocar dentro de um dos quartos da casa, que servia de cadeia, uma caixa grande onde cabia uma pessoa de cócoras ou mal sentada e dentro dela mandava prender quem desejava castigar.
A arbitrariedade e a corrupção não se restringiam unicamente à força policial. Segundo ainda Martins de Franco, muitas autoridades civis e militares agiam de maneira, no mínimo incorreta, fazendo vistas grossas ao que acontecia nos obrajes, enquanto as companhias que exploravam a madeira e a erva mate da região, tinham suas concessões garantidas até 1930.
Um dos maiores concessionários era Júlio Allica, cujo império se estendeu por quase todo o oeste paranaense. Foi ele o responsável pelo maior dos massacres de mensus de que se tem conhecimento. Cansados de serem explorados e dos maus tratos um grupo de trabalhadores dos obrajes de dom Júlio decidiu fugir. Alguns se embrenharam no mato em direção a Campo Mourão e escaparam da patrulha do carrasco Santa Cruz, cunhado de Júlio Tomaz Allica; outros seguiram para Pitanga e não tiveram a mesma sorte. Foram massacrados pelos homens leais ao cunhado do obrajero. O lugar das mortes ficou conhecido como “Las Cruces”.
Essa era a realidade do território, permeado por grandes domínios rurais, injustiças, super exploração do trabalho, escravidão por dívida e com autoridades corruptas, cúmplices das empresas concessionárias.
Em seu recuo, ao chegarem a Foz do Iguaçu em setembro de 1924, as tropas tenentistas se depararam com uma cidade sem governo . o prefeito Jorge Schimmelpgeng e demais autoridades constituídas haviam cruzado o Rio Iguaçu e foram buscar abrigo no vizinho lugarejo argentino.
Apesar da fuga do prefeito e outros representantes governistas, a cidade de Foz do Iguaçu seguiu seu ritmo normal.
Seus pouco menos de 1000 habitantes continuaram se dedicando à agricultura e ao comércio. Na época, a movimentação de pessoas e mercadorias concentrava-se na área do porto, onde os vapores ancoravam e onde as empresas concessionárias tinham seus depósitos. Foz do Iguaçu era uma espécie de entreposto onde aportavam os vapores vindos de Posadas e/ou a caminho dos portos Paraná acima. O terceiro sargento Manoel Corsino Dias Paredes, em seu relato sobre a missão recebida de fazer um levantamento da margem esquerda do Rio Paraná, aponta quase uma dezena de portos, construídos para o escoamento da erva-mate e da madeira.
Os portos do Rio Paraná, subindo o caudal, até Guaíra, eram propriedades das empresas madeireiras e ervateiras. Os concessionários possuíam seus vapores, nos quais desciam o rio até Posadas e Corrientes, onde mantinham suas mansões e suas sedes comerciais. Além de ser dono de vários portos, entre eles o Porto Artazar, assim nomeado com o sobrenome de sua mãe, Júlio Allica era o proprietário dos vapores Espanha e Villa Franca.
Essas embarcações que transitavam pelo rio Paraná, não primavam pela segurança e os passageiros eram divididos em primeira e segunda classe. na primeira classe ficavam os comerciantes, industriais e obrajeiros e na segunda classe,os mensús, correntinos e paraguaios com seus familiares.
Durante os sete meses que os revoltosos estiveram acantonados em Foz do Iguaçu, as tropas ficaram nos depósitos das madereiras, situados nas proximidades do Rio Paraná e o QG foi instalado na casa do prefeito Jorge Schimmelpfeng, que se encontrava foragido em Puerto Iguazú. Foram mais de 200 dias de convivência entre praças e oficiais com a população civil. Os registros dos contatos diários estão nas fotografias dos passeios ao Marco das Três Fronteiras, às Cataratas do Iguaçu, e das tertúlias e piqueniques.
Algumas dessas fotografias são de autoria de Harry Schinke, pioneiro de Foz do Iguaçu.
Foram dias de espera de notícias, de contatos com autoridades argentinas, visando o exílio, e da chegada das tropas vindas do Rio Grande Sul. Enquanto alguns praças e oficiais queriam seguir a luta contra a República Velha, representada pelo presidente Arthur Bernardes, a maioria estava decidida a desistir, ainda mais após a derrota em Catanduvas.
Depois de cruzar as inóspitas selvas do oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná e atravessar o Rio Iguaçu, no dia 3 de abril de 1925, Luiz Carlos Prestes reúne-se com Miguel Costa, na intersecção da picada Benjamim com a Estrada Velha de Guarapuava, também conhecida como “Estrada do Telégrafo”.
Prestes tinha 26 anos quando liderou a sublevação do destacamento ferroviário de Santo Ângelo, que foi engrossada com outras guarnições militares.
Na reunião da Picada Benjamim, Miguel Costa, oficial do Regimento de Cavalaria da Força Pública de São Paulo, descreveu para Prestes a situação em que se encontravam as tropas acantonadas em Foz do Iguaçu. Era um quadro de desânimo, com o General Isidoro Dias Lopes, enfermo e a maioria da oficialidade decidida a se exilar na Argentina.
Por outro lado, os gaúchos chegaram na Picada Benjamim aos frangalhos e um destacamento de apenas 800 homens, sendo apenas 150 armados. Mesmo diante desse quadro de pessimismo, transpassado pelo poder de fogo das tropas governistas e deserções entre os revoltosos, Luiz Carlos Prestes, com estrelas nos olhos e vontade de lutar, traçou para Miguel Costa a sua estratégia.
Ao encerrar a conferência, Prestes e Miguel Costa, dirigiram-se para Foz do Iguaçu e no dia 12 de abril de 1925, aconteceu a reunião do Estado Maior tenentista.
No salão amplo de um casarão de madeira, misto de pensão e armazém, Prestes se reuniu com cerca de 40 oficiais da Coluna Paulista.
Diante do general Isidoro e seu Estado Maior, Prestes fez um discurso enérgico e apaixonado, não admitindo a capitulação e nem o exílio voluntário.
Na ocasião, Prestes apresentou três alternativas. A primeira, seguir em direção a Mato Grosso e continuar a luta contra a República Velha; a segunda, resistir no território e a terceira, o exílio.
Escolhida a melhor opção, seguir a luta, Prestes propôs abandonar a guerra de posição e adotar a guerra de movimentos. Unificadas as forças gaucha e paulista dão início a epopéia, conhecida mundialmente como Coluna Prestes.
Durante pelo então extenso território de Foz do Iguaçu, em direção a Porto Mendes, a tropa comandada por Luiz Carlos Prestes atiçou o ânimo da peonada e com ela marcharam os paraguaios, argentinos e brasileiros que viviam nos acampamentos. Os mensus aproveitaram a oportunidade para escapar da escravidão dos obrajes e caminhar junto com os oficiais e soldados da coluna.
Após a passagem das tropas unificadas, a região Oeste do Paraná, teve importantes mudanças em seu perfil sócio econômico. Obrajeros e concessões se enfraqueceram e passaram a ser contestados.
O desespero desses proprietários de grandes domínios pode ser notado nas diversas viagens de Julio Allica e Jorge Schimmelpfeng à Curitiba e Rio de Janeiro, em busca de ajuda para defender suas propriedades ameaçadas pela revolta tenentista e seu ideário liberal.
Pode-se afirmar que a Coluna Prestes, foi libertadora, mesmo não sendo essa sua pretensão, pois enfraqueceu e desmontou os obrajes e suas relações de trabalho, análogas à escravidão; chamou a atenção para a ocupação de território brasileiro e exploração de madeira e erva mate por empresas estrangeiras.
Como conseqüência dos acontecimentos ocorridos entre setembro de 1924 e abril de 1925, os olhos da Nação voltaram-se para a então abandonada Foz do Iguaçu.
Desde a fundação da Colônia militar em 1889, quase nada havia sido feito para ga rantir a soberania nacional na região.
Após a Revolução de 30, e com a presença no governo de Getúlio Vargas de vários oficiais que participaram da Coluna Prestes é dado início a marcha para o Oeste, com investimentos em estrutura, reformulação geográfica e fortalecimento militar da fronteira.
Texto: Aluízio Palmar
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