MINISTERIO DA AERONÁUTICA
4 ZONA AÉREA
QUARTEL GENERAL
DIVISÃO DE SEGURANÇA
MÁRIO DE SOUZA PRATA – DOCUMENTOS APREENDIDOS
ORIGEM SNI/AC
DIFUSÃO II EX/SNI/DEOPS/DPF/PMESP/CIOp/6DV E UNIDADE AÉREA
DIFUSÃO ANTERIOR EXAER/CONCOR/DIS/COZAE 1,2,3,5 E6-CIE/CENIMAR/DEI/MJ-CI/DPF-AGÊNCIAS SNI
INFORMAÇÃO N 396 CISA RJ
24JUNHO1971
Militante do MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO 8 DE OUTUBRO (MR-8).
Estudante de Engenharia na UFRJ, natural do Rio de Janeiro
Tinha 26 anos de idade, no Rio de Janeiro, quando foi preso, juntamente com Marilene Vilas Boas Pinto, à Rua Niquelândia, n° 23, bairro de Campo Grande (RJ)
O corpo de Mário entrou no IML/RJ em 03 de abril de 1971, pela Guia n° 70, da 35ª D.P., “como desconhecido, morto em tiroteio com as forças de segurança, às 20:45 horas do dia 02 de abril de 1971.”
Sua identificação foi feita em 06 de abril pelo Instituto Pereira Faustino da Secretaria de Segurança Pública e, assim mesmo, em sua certidão de óbito consta como desconhecido. Foi firmado pelo Dr. José Guilherme Figueiredo, tendo como declarante José Severino Teixeira.
Foi enterrado como indigente, em 23 de abril de 1971, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na cova n° 20.608, quadra 16. Entretanto, desde sua entrada no IML/RJ, já se sabia de quem se tratava, pois ao lado do n° de sua Guia como desconhecido está a marca “sub”. Não se tem a data de quando seus restos mortais foram para o ossário geral, mas presume-se que estejam na vala clandestina, junto com cerca de 2.000 outras ossadas de indigentes.
Militância Política e fatos:
Mário de Souza Prata foi militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro – MR-8.
Filho de Mário Rodrigues e Maria de Lourdes Prata, nasceu em 26 de setembro de 1945, em Cantagalo, Rio de Janeiro.
Estudante de engenharia na UFRJ, Mário iniciou sua militância política no movimento estudantil, ingressando na clandestinidade e na luta armada. Teve sua prisão preventiva decretada pela Justiça Militar já em 1969. Era intensamente procurado por suas atividades como guerrilheiro, acusado de matar um PM que o conduzia, preso, em 1970, logrando fugir.
O nome de Mário Prata consta no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos, informando sua morte em 02 de abril de 1971, baleado à Rua Niquelândia, 23, bairro de Campo Grande, ocasião em que ficou ferida Marilene Vilas Boas Pinto, assassinada sob torturas. Até aquele momento, imaginava a Comissão de Familiares que Mário Prata havia sido morto no local. No entanto, como em inúmeros outros casos examinados, o exame dos poucos documentos obtidos demostrou contradições que nos indicam ter sido a morte em tiroteio mais uma farsa dos órgãos de repressão.
A versão oficial contida na informação n.º 624/71-G do Ministério do Exército, 2ª seção, datada de 23/04/71, e constante às fls. 17, diz:
“(…) No dia 2 de abril p.p, uma equipe da Bda. Aet. estava em Campo Grande/GB, empenhada no processamento de um informe que dava como suspeito um casal residente à Rua Niquelândia nº 23.
Verificando tratar-se realmente de um ‘aparelho’ a equipe preparou-se para prender seus ocupantes. (…) Cerca de 23.00 hs o casal chegou, não num volkswagen mas num taxi, o que surpreendeu a equipe, levando-a a mudar o dispositivo para abordagem da viatura. Seus ocupantes, percebendo a manobra, atiraram contra a equipe. (…) No tiroteio foi morto o terrorista foragido Mario de Souza Prata (Dissidência do PCB na GB) e ferida gravemente, vindo a falecer posteriormente Marilene Pinto Carneiro Mendonça (Marilene Villas Boas Pinto quando solteira) (…).”
No relatório das circunstâncias da morte encaminhado pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos ficam evidentes as contradições que cercaram o exame do caso.
Mário e Marilene, intensamente procurados pelos órgãos de segurança em função de seu combate à ditadura, teriam sido vítimas de emboscada montada no endereço referido, fato somente divulgado para a imprensa em junho – dois meses depois do ocorrido.
O quê realmente aconteceu até hoje não se sabe. A nota oficial informa a morte de um major e de Mário e os ferimentos em Marilene, falecida posteriormente. A certidão de óbito, lavrada como “um homem”, informa que a morte se deu no dia 02 de abril, às 20.45, mas Mário foi encaminhado ao IML somente às 07.40 do dia seguinte, conforme documento obtido por Nilmário Miranda. Ou ainda às 11 horas, conforme informa o CIE. Identificado pelo Instituto Pereira Faustino ainda no dia 03 de abril, foi enterrado 20 dias depois sem identificação (fls. 27). O DOPS e a nota oficial atestam que a morte se deu no dia 03 de abril.
Onde teria ficado durante esse período?
A perícia foi feita no dia 03 de abril, mas o enterro somente é realizado no dia 23 de abril e, apesar de reconhecido no próprio dia 03, como atesta ofício da SSP/RJ à Auditoria Militar (fls. 90), o enterro é feito como de um desconhecido.
Walter Dantas, Delegado do DOPS, buscando instrumentar o inquérito 21/71, oficia à 13ª Circunscrição de Registro Civil, em 08 de julho do mesmo ano:
“(…) A fim de atender requisição do MM Juiz Auditor da 2ª Auditoria da Aeronáutica, solicito de V.Sas. seja fornecido a esta delegacia uma certidão de óbito n.º 16.613, cujo corpo foi recolhido ao IML com guia 70/71, da 35ª Delegacia Policial e enterrado como indigente no cemitério de Ricardo de Albuquerque. (…) Entretanto, pelo Instituto Pereira Faustino foi identificado o corpo, conforme as cópias anexas (xerox) como sendo de Mário de Souza Prata (…).”
Confrontando a versão oficial, o delegado Osmar Peçanha Nunes, da 35ª DP, ao remeter a papeleta de reconhecimento do cadáver removido daquela DP para o IML com a guia nº 70/71, informa ao Juiz Auditor da Marinha:
“(…) Esclareço a V.Exa. que o cadáver removido para o IML com a guia 70/71 desta DP foi de um homem de cor branca, não identificado, profissão, idade, nacionalidade, estado civil e residência também desconhecidas, sendo encontrado na rua Niquelândia, com as seguintes circunstâncias: ‘segundo o que foi dado apurar a vítima foi ferida a bala por pessoa não identificada e ao ser socorrida faleceu sem declarar sua identidade.’ Dados colhidos pelo Det. J. Viana, que se encontrava aqui de serviço, de 2 para 03.04.71, nas funções de comissário de dia. O cadáver conforme documento anexo tinha as impressões datiloscópicas similares às de Mario de Souza Prata (…).” (fls. 95)
Ou seja, informa o delegado que o corpo foi simplesmente encontrado, ferido por desconhecido, enquanto a nota oficial divulgada 61 dias depois atesta que os órgãos de segurança estavam no local à espera do casal. É da Delegacia de Polícia que sai o corpo. Seria possível não terem informado ao delegado de plantão como o corpo ali chegou? Quem teria levado? Desconhecidos simplesmente largaram o corpo?
Teria sido ali na DP que Mário foi morto?
A certidão de óbito repete a causa-mortis que consta no livro de registros do IML: feridas penetrantes do tórax e abdome e transfixantes do abdome com lesão do pulmão esquerdo, fígado e baço – hemorragia interna, anemia aguda, atestado assinado por José Guilherme Figueiredo. A foto do corpo, encontrada no arquivo do DOPS/RJ mostra somente o rosto, sendo por demais evidentes os hematomas e marcas não identificadas, além de edema na parte frontal do crânio.
O corpo, reconhecido pelo Instituto Pereira Faustino da SSP e apesar de terem os órgãos de repressão o endereço dos familiares (fls. 29 e 31), é enterrado sem identificação (fls. 26 a 28) no cemitério de Ricardo de Albuquerque, sendo que seus restos mortais provavelmente estão dentre os cerca de 2000 localizados em vala clandestina.
As contradições na data: dia 02 ou dia 03 ; as contradições no horário da morte: 20.45 hs como diz o óbito ou 23.00 como diz o Exército; as marcas evidentes de hematomas no rosto; o enterro sem identificação; a divulgação tardia são, para nós, elementos suficientes para desqualificar a versão oficial.
Assim não entendeu a Comissão no julgamento proferido em 1997, talvez sob influência da “certeza” manifestada pelo General Osvaldo Pereira Gomes de que a morte ocorrera no local e de acordo à versão oficial. Reforçando nossa certeza de que os arquivos da repressão eram consultados pelo então representante das Forças Armadas nesta Comissão antes dos julgamentos, dizia o General Osvaldo que certamente Mário Prata fora morto em confronto, pois tinha matado “um dos nossos”.
Temos pelo menos uma certeza, a de que a morte de Mário Prata não está esclarecida, sendo certamente mais um dos “teatros” macabros montados pelos órgãos de segurança da ditadura militar nos quais encenavam “tiroteios”, “atropelamentos” e “suicídios” para encobrir assassinatos sob torturas e execuções sumárias, como foi possível comprovar em 130 casos aprovados e citados no Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos.
Como em grande parte dos casos aprovados, a morte de Mário Prata apresenta vários elementos que recorrentemente foram apontados:
1. contradição nas datas, horários e locais das supostas ocorrências;
2. assinatura de legistas pouco confiáveis;
3. desaparecimento de documentos comprobatórios da morte e das ocorrências;
4. lesões, equimoses e ferimentos visíveis e não descritos nos laudos;
5. enterro sob nome falso ou como desconhecido.
A dificuldade de obter a documentação necessária para provar definitiva e irrefutavelmente as circunstâncias da morte de Mário Prata pelos órgãos de repressão revela a persistência, passados mais de 30 anos, dos interesses em manter na sombra as cruéis formas de ação da ditadura militar.
Mantemos nosso voto de inclusão do nome de Mário Prata dentre os preceitos da Lei 9.140/95 e, tendo em vista o indeferimento e a ampliação dos critérios na Lei 10.875/04, não há mais questionamentos possíveis.
Voto pela inclusão do nome de Mario de Souza Prata dentre as vítimas fatais da ditadura militar, por entender que esta é uma reparação moral indispensável para resgatar tanto a sua memória, quanto a dignidade nacional. Reconhecer a responsabilidade do Estado no seu assassinato é um ato do presente voltado para o futuro, representando o mais vivo repúdio à violência, ilegalidades e torturas praticadas pelo Estado durante a vigência da ditadura militar. Nesta semana em que se comemoram os 25 anos da anistia parcial e restrita da ditadura militar, a nossa homenagem a Mário de Souza Prata, guerrilheiro assassinado na luta pela liberdade.
Suzana Keniger Lisbôa
Relatora
Comissão Especial – Lei 10.875/04
Em 26 de agosto de 2004.