Em meados de 1971, enquanto a maioria dos presos políticos trocados pelo embaixador da Suiça no Brasil e banidos para o Chile, tratavam das feridas no corpo e na alma, refaziam suas vidas, estudando e trabalhando, os órgãos de informações da ditadura emitiam informes dando conta que os banidos estavam em treinamento no Chile, que estavam voltando para “desencadear ações ” e outras coisas por estilo. Por trás desses informes havia a “sentença de morte” contra os presos políticos libertados por ação revolucionária e provavelmente um pedido de fortalecimento material do aparelho repressivo.
“A intolerância do regime instaurado pelo golpe civil-militar de 1964 promoveu o exílio de inúmeros brasileiros nas décadas de 1960 e 1970, afastando e eliminando as diferentes gerações que lutavam por diversos projetos: reformas de base, revolução social, redemocratização. Embora distintos, a ditadura trataria a todos com intolerância, retratada pelo conhecido lema: Brasil, ame-o ou deixe-o.
Embora carregado da conotação de castigo e punição, o exílio não deixou de ser um incômodo para a ditadura. A condenação à mortedos presos trocados por diplomatas estrangeiros o expressava. Numa alusão à figura jurídica inventada pelos ditadores – o banimento – ficariam conhecidos como banidos. A tentativa de estigmatizá-los com palavra maldita daria lugar ao reconhecimento da prisão política. Livres no exterior, o estigma foi apropriado por esses homens e mulheres como evidência da existência de uma ditadura no Brasil. No exílio, poderiam encarnar a liberdade, a resistência, a contestação, a negação da negação.
O exílio dos anos 1960 e 1970 foi uma experiência vivida por duas gerações, a de 1964 e a de 1968. Para os exilados de 1964, o golpe foi o marco; para os exilados de 1968, o golpe que depôs o presidente S. Allende, em 1973, no Chile, é a principal referência. Esteve longe de ser uma experiência homogênea. As vivências foram as mais variadas, a começar pelo tipo de exilado: os atingidos pelo banimento; quem decidiu partir, não raramente com documentação legal por rejeitar a atmosfera na qual vivia; quem,diretamente, não era alvo da polícia política, mas se exilou ao acompanhar o cônjuge ou os pais; os diretamente perseguidos, envolvidos, uns mais outros menos no confronto com o regime; quem foi morar no exterior por outras razões que não políticas e através do contato com exilados, integrou-se às campanhas de denúncia da ditadura e já não podia voltar com tanta facilidade. Diferentes situações. Neste universo tão diverso todos são exilados.
Os exilados brasileiros jamais chegaram a expressar um fenômeno de massas como por exemplo no Chile, mas é impossível quantificá-los, sobretudo partindo de um conceito ampliado. A maior parte dos atingidos era da classe média, escolarizada e intelectualizada, embora evidentemente também tenha havido trabalhadores rurais, operários e pessoas com baixo nível de instrução. As origens e referências sociais foram importantes na vivência da experiência. O país de destino também se tornou elemento fundamental para a heterogeneidade das experiências dos exilados. A quantidade de países onde se esteve também. Continuar ou não ligado à militância política, embora redefinida, igualmente é um elemento a considerar. Além disto, o exílio é dinâmico, sempre em movimento, influenciado pelas circunstâncias, pelos acontecimentos e processos históricos. Por fim, embora da maior importância, os exilados viveram a experiência segundo suas características e personalidades.
Se o exílio expressou a derrota e a exclusão, significou também a ampliação de horizontes que impulsionou descoberta de países, continentes, sistemas e regimes políticos, culturas, povos, pessoas. Nele os exilados entraram em contato com outras trajetórias históricas e com outras referências. Formaram-se profissionalmente, experimentaram trabalhos qualificados e não-qualificados. Conviveram com o legado do Maio de 1968, o feminismo, a liberação sexual, as drogas, o questionamento dos códigos morais, as lutas das chamadas minorias, a crítica à social-democracia e ao socialismo realmente existente.
Neste processo marcado pela ambivalência de vivências e sentimentos, os exilados, em sua maioria, conservaram a dificuldade de compreender as complexas relações da sociedade com a ditadura e nesse sentido continuaram isolados. Predominou a interpretação segundo a qual o povo era simplesmente vítima do regime que o oprimia e o enganava. Seus valores não se identificavam com os da ditadura militar. O povo – ou a sociedade – como que por definição, opunha-se à repressão e aos valores e referências do regime que os expulsara. Os exilados mantiveram ainda, em sua maioria, a dificuldade de perceber o projeto modernizador-conservador em curso. Ao chegarem traziam uma visão do país e da sociedade um tanto desfocada, o que agravava o impacto da chegada.
Para além das continuidades, rupturas, ambivalências, o exílio foi essencialmente a metamorfose. A princípio pensado como curto, foi longo. A volta revolucionária na clandestinidade para enfrentar a ditadura virou uma volta consentida, no contexto da aprovação de uma lei formulada pela ditadura já no crepúsculo, mas que ainda conseguiu fazer valer a sua anistia sobre a desejada pelos exilados. Organizações e partidos políticos – reformistas e revolucionários – transformaram-se ou mesmo se dissolveram. A militância ganhou outro significado. A relação com o cotidiano foi reavaliada. Os valores mudaram. De culturas políticas diversas, mas marcadas pelo autoritarismo, transitou-se para a valorização, na verdade muito desigual, da democracia. O Brasil passou a ser visto de fora. As estreitas fronteiras nacionais ampliaram-se. Os exilados que no início tão orgulhosamente ostentavam esta condição, passaram a aceitar a de refugiado. A diversidade e a intensidade das experiências levaram a transformações. Assim, o exílio tornou-se essencial na redefinição das gerações 1964 e 1968. Os conceitos tradicionais de revolução e de reforma foram repensados e outra questão veio para o centro do palco: a democracia.
Entre o passado e o futuro, os exilados reavaliaram os projetos vencidos, abandonaram alguns de seus aspectos centrais, agregaram outros, reconstruíram caminhos e concepções de mundo, redefinindo-se a si mesmos entre o que deixavam para trás e o que viam diante de si, as tradições do passado, as novidades do presente e as contradições. Um país a ser redemocratizado”
Autoria: Daniel Aarão Reis e Denise Rollemberg.
Documento Revelado
(Documentos Fundo Aeronáutica Arq Nacional)
Origem: Ministério da Aeronáutica
Guarnaer AF/NUCCMFATM
2 Seção
19 JULHO1971
Título: Brasileiros cursando escola de guerrilhas no Chile e desencadeamento no Brasil, de ações de sabotagem.
Agência de Informações da AFA
Encaminhamento 142/COMAE-3
05JUL 71
INFO 089/GUARNAER AF/NUCCMEAFTM
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OLá Palmar! Enviei a vc um email relativo ao caso de Odair Jose Brunocilla. Estou fazendo uma pesquisa n site do Arquivo d Estado e encontrei uma pasta com fotos de banidos, muitos deles sei que foram para Chile. Sua ficha cm fotos também estava lá, vc já viu estapasta?
Oi Luciano
qdo vc puder faz uma cópia pra mim
Sim, farei e envio a vc.
Valeu Luciano