Uma promessa do governo do Paraná, não cumprida, foi a responsável por gerar um grave conflito de terras no interior do estado, no final da década de 40 e início de 50. O episódio ficou conhecido como a guerrilha de Porecatu. De um lado posseiros de terra e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e, do outro, fazendeiros, as polícias do governo do Paraná e de São Paulo. Intermediando o conflito: o governo estadual. O assunto não consta em livros didáticos de escolas, mas Porecatu virou tabu e até hoje não se sabe, com certeza, qual o saldo da guerrilha nos cemitérios.
A história começa com uma política estadual de ocupação territorial do Oeste do Paraná, região formada, então, essencialmente por florestas. O interventor Manoel Ribas se inspirou numa política norte-americana do ex-presidente Abraham Lincoln, o Homestead Act, que incentivava a ocupação territorial norte-americana. A regra era que as famílias que cumprissem com o trato de desenvolver o oeste americano, receberiam, após seis anos, o título de propriedade de terra.
Arquivo pessoal/ Cláudio Ribeiro
Vista da cidade de Porecatu, no Oeste do estado, na década de 40: palco de conflito agrário
Outras disputas
As terras da região de Porecatu já foram alvo de outras disputas. Confira:
– Na disputa entre espanhóis e portugueses, durante o Tratado de Tordesilhas. Os espanhóis chegaram a fundar 13 missões jesuíticas na região de Porecatu, mas depois os bandeirantes derrotaram os espanhóis que estavam no local e escravizaram cerca de 100 mil índios. No final, o território passou ao domínio português.
– Com a Proclamação da República, a União transferiu aos estados as terras devolutas (áreas públicas). A província do Paraná registrou a posse da região mas, quase na mesma época, surgiu o primeiro requerimento de posse de uma família que se dizia moradora há mais de 40 anos. Sem contestação, o estado aceitou conceder o título de propriedade a família.
– Mas, com a Proclamação, apesar de uma família se declarar proprietária do local, começaram a surgir uma série de titulações fraudulentas. Houve confusões, mas nenhuma que resultasse em confronto armado como o caso da guerrilha de Porecatu.
Fonte: jornalista Marcelo Oikawa.
Curiosidades
Três aspectos marcaram a guerrilha de Porecatu:
1 O conflito ficou conhecido na região como Quebra Milho. Isto porque os camponeses se comparavam a uma espiga de milho, que é retirada do pé e, depois, os grãos são arrancados da espiga. Usando uma metáfora, os camponeses diziam que eram a espiga e os quebradores de milho eram os policiais, que queriam retirá-los da terra onde viviam.
2 A palavra camponês teria surgido durante a Guerrilha de Porecatu.
3 Em Dourados (Mato Grosso do Sul) houve um modelo de ocupação de terras a oeste parecido com a política do interventor Manoel Ribas. A diferença é que lá funcionou, pois as famílias receberam o título da propriedade.
Capitão Carlos, o delator
Um dos dirigentes do Partido Comunista Brasileiro (PCB) convocado para ajudar os camponeses na luta pela terra foi o ex- comandante militar Celso Cabral de Mello, conhecido como Capitão Carlos. Ele acabou preso no dia do Cerco de Porecatu e, na prisão, resolveu contar aos policiais tudo sobre a organização dos camponeses. “Acredito que um dos principais motivos de o conflito ter acabado é porque houve a delação”, afirma o historiador Leandro Cesar Leocádio, estudante de pós-graduação da Universidade de Londrina. Depois de entregar os camponeses, Mello conseguiu fugir. O paradeiro dele nunca foi descoberto. Há rumores, porém, de que ele tenha sido executado por membros do PCB.
Ribas aplicou as mesmas regras ao povo do Paraná, já que as terras a Oeste pertenciam ao estado e estavam improdutivas. Sabendo da notícia, diversas famílias paranaenses e outras de São Paulo e Minas Gerais marcharam para o Oeste rumo a uma nova vida. O problema é que Ribas saiu do poder, e no lugar dele entrou Moisés Lupion, que decidiou não dar continuidade à política.
As famílias que acreditaram em Ribas, haviam derrubado floresta, construído chiqueiros, feito plantações, mas nunca viram o prometido título da propriedade. No início eram cerca de 300 pessoas, mas por volta de 1950 já chegavam a 3 mil. Para complicar ainda mais, o novo governador Lupion decidiu doar e vender as terras para conhecidos fazendeiros de São Paulo. “Os posseiros entraram com diversos pedidos de posse de terra e nunca receberam uma resposta do governo”, explica o jornalista Marcelo Oikawa, que acaba de lançar o livro Porecatu: a guerrilha que os comunistas esqueceram.
A política de Ribas morreu e os ânimos se acirraram. Um dos primeiros cafeicultores a comprar terras onde estavam os posseiros foi Ricardo Lunardelli. Ele adquiriu uma grande gleba, fez o loteamento e vendeu a terceiros com um contrato em que constava a entrega das terras “livre de intrusos.” “O problema é que estes proprietários descobriram que os lotes estavam ocupados e começaram a perseguir esta gente, usando até a polícia”, explica Oikawa. A situação fica tão grave que, em 1944, as famílias fundam as primeiras duas associações de lavradores do Brasil. Os posseiros se armam e a guerrilha de Porecatu começa, durando cerca de sete anos.
Guerrilha tinha envolvimento do PCB
Durante a guerrilha de Porecatu, as famílias de posseiros, enquanto resistiam às novas ocupações dos fazendeiros, contatavam o governo e advogados para tentar conseguir o título de propriedade. Sem sucesso, resolveram apelar ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), que decidiu ajudar.
O próprio PCB indicou dirigentes, com experiência em guerrilhas, para ensinar os camponeses a lutar e se defender. O partido, na época, porém, havia caído na ilegalidade. “O partido tentou voltar ao poder por via eleitoral e não conseguiu. Não havia outro meio, senão a revolução armada”, opina o jornalista Marcelo Oikawa, que pesquisou o tema. Para ele, a Guerrilha de Porecatu seria uma experiência do PCB para tentar uma luta armada brasileira.
Quando o governador Moisés Lupion saiu do poder e no lugar dele entrou Bento Munhoz, em 1951, Porecatu estava no auge do conflito. Munhoz tentou uma negociação pacífica com os posseiros. Uma das alternativas propostas era o reassentamento. “Os posseiros estavam cansados e querendo ir embora, por isso muitos tenderam a aceitar a negociação. O problema é que o PCB, naquela altura, não queria acordo e proibiu as famílias de concordar”, explica Oikawa.
Diante do impasse, o governo decidiu organizar o Cerco de Porecatu, mobilizando a polícia do Paraná, de São Paulo e até a força aérea e o batalhão de fronteira de Foz do Iguaçu. Na madrugada do dia 17 de julho de 1951, os policiais invadiram a região controlada pelos resistentes e também a casa de alguns dirigentes do PCB em Londrina. As fronteiras de Porecatu foram cercadas. Um dos dirigentes, que acabou preso, delatou como era a organização dos camponeses.
A polícia foi atrás dos posseiros, mas eles já haviam feito uma rota de fuga sentido Maringá – até então desconhecida. Os posseiros conseguiram fugir e nunca foram capturados. “Eles foram julgados à revelia e não cumpriram a pena que variava de sete a 14 anos”, diz Oikawa.
Trechos do DVD Memória Camponesa Paraná
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