O dossiê em questão reúne um amplo conjunto de registros oficiais e testemunhais referentes às mortes de José Carlos Novaes da Mata-Machado e Gildo Macedo Lacerda, ocorridas em Recife, em outubro de 1973. Entre os documentos compilados estão os requerimentos encaminhados por Edgar de Godói da Mata-Machado, pai de José Carlos, dirigidos a autoridades civis e militares naquele mesmo ano, exigindo a abertura de um inquérito para apurar as responsabilidades. Também constam no material o inquérito policial original, laudos necroscópicos e uma série de depoimentos e petições posteriores, como as declarações da viúva, Maria Madalena Prata Soares, e de ex-presos políticos, apresentadas em 1996 à Comissão Especial da Lei nº 9.140, instaurada para reconhecer e indenizar vítimas da repressão da Ditadura Militar. O principal objetivo do dossiê é confrontar e desmontar a versão oficial dos órgãos de segurança, que atribuíam as mortes a um suposto “tiroteio”, demonstrando, com base em provas e testemunhos, que ambos foram vítimas de tortura e execução sumária sob custódia do Estado.
As mortes de Mata-Machado, então com 27 anos, e Lacerda, com 24, ocorreram no período mais intenso da repressão política da Ditadura Militar brasileira (1964-1985), marcado pela chamada “guerra suja” contra grupos de oposição, entre eles a Ação Popular Marxista-Leninista (APML).
Segundo a versão divulgada pelos órgãos de segurança, ambos teriam sido mortos em um “tiroteio” provocado por um companheiro de codinome “Antônio”, durante um encontro supostamente arranjado entre militantes clandestinos. Essa narrativa, como mostra o dossiê, fazia parte de uma estratégia recorrente de encobrimento, usada para forjar confrontos ou traições internas e assim ocultar assassinatos praticados pelos agentes da repressão. Os documentos comprovam que José Carlos foi preso em São Paulo, em 19 de outubro de 1973, enquanto sua esposa e filho foram detidos em Belo Horizonte, em 22 de outubro; a família só soube de sua morte por meio da nota oficial divulgada dias depois.
A contestação da versão de “tiroteio” é sustentada por provas materiais e testemunhos diretos. Em 1973, o pai de José Carlos, Edgar de Godói da Mata-Machado, solicitou a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM), apontando falhas e negligência das autoridades envolvidas. Anos depois, ex-presos políticos confirmaram que José Carlos esteve sob custódia do DOI-CODI de Recife, onde foi submetido a tortura antes de morrer. O dossiê também destaca que a simulação de confrontos era um procedimento comum dos órgãos repressivos, usado para disfarçar prisões ilegais e ocultar as verdadeiras circunstâncias das mortes. Esses registros não apenas resgatam a memória das vítimas, mas revelam o caráter arbitrário e violento de um regime que se sustentou pela supressão de direitos, pela censura e pelo medo. A Ditadura Militar brasileira deixou marcas profundas na sociedade, e casos como o de Mata-Machado e Lacerda lembram que a negação da liberdade e da justiça em nome da segurança do Estado constitui uma das formas mais graves de violência política.
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