O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR – surgiu em 1968, a partir da insustentabilidade da tese que defendia mudanças na linha política adotada pelo Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro. Apesar das dificuldades existentes na época para participar do VI Congresso do PCB e mudar a orientação do CC, um grupo de militantes insistia em ir até as últimas instâncias da luta interna. Antes, já tinham rompido, as dissidências (DIRJ,DIGB) e o agrupamento liderado por Carlos Marighella
Em 1968, os dirigentes que contestavam a tese de aliança com a burguesia e o imobilismo frente a ditadura saíram do velho partido e fundaram o PCBR. Entre eles, os fundadores destacam-se: Mário Alves (assassinado sob torturas, em janeiro de 1970, no Quartel do Exército, na rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro), Miguel Batista, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e Nicolau Tolentino Abrantes. A proposta geral dos dissidentes consistia em repudiar alianças com setores da burguesia brasileira e estabelecer um governo popular revolucionário. Para tanto, o PCBR considerava estratégica a luta armada. Em janeiro de1970 arepressão atingiu fortemente o partido. Segundo levantamento feito pelo Brasil, Nunca Mais, houve 31 processos referentes ao PCBR, somando 400 indiciamentos nos inquéritos. A partir daí, o PCBR se desarticula.
Encontro com Apolônio
Umberto Trigueiros de Lima
Conheci Apolônio de Carvalho, aliás, o Camarada Lima, no começo de 1964, uns dois meses antes do Golpe Militar. Fui apresentado por Aluízio Palmar (André) que compunha a direção da Seção Juvenil Estadual do Partido Comunista no antigo Estado do Rio. Tinha apenas dezesseis anos e tive a honra e o orgulho, que carrego comigo por toda a minha vida, de ter sido recrutado por ambos para o Partido Comunista.
Não sabia, na época, de quem se tratava, na verdade, aquele Senhor, o Camarada Lima.
Somente anos mais tarde, fui conhecer a sua extraordinária biografia. Mas, já nos primeiros tempos em que travamos conhecimento, fiquei cativado pela sua capacidade de convencimento, pelo seu conhecimento cultural e político, pela sua dedicação ao Partido, aliados a um enorme interesse pelos problemas daqueles garotos, uma grande ternura, muita paciência e uma enorme disciplina. Eu era, então, um rapazinho de dezesseis anos, cheio de sonhos e certezas, mas, ao mesmo tempo, com graves problemas de depressão. Lima percebeu isso e teve a sensibilidade, apesar de todas as suas responsabilidades e riscos (já em plena ditadura), de se preocupar comigo e me ajudar a superar esses problemas.
Ele era assim: um quadro extremamente disciplinado e fiel ao Partido, mas muito aberto ao relacionamento humano; extremamente sensível aos problemas de todos os companheiros, dos simpatizantes e das pessoas, em geral, que por alguma razão faziam parte das suas relações. Além do mais, era dotado de um fantástico senso de humor. A gente brincava com o Lima, dizendo que ele cumpria tarefa do Partido, fazendo política de relações públicas, o que chamávamos, na ocasião, de ampliação, pois ele se interessava pelo cachorro do dono da casa em que fazíamos uma reunião, perguntava pela sogra, conversava com a empregada, dava palpite na cozinha, etc.
Certa vez, era noitinha, estávamos Lima, Aluízio Palmar e eu, em Niterói, fazendo um ponto (encontro) em frente ao Instituto Mazine Bueno, da Faculdade de Medicina. Eles queriam me batizar com um nome de guerra e mandaram-me escolher. Eu estava de costas para o busto do patrono do tal instituto e o Aluízio de frente para o monumento.
Ele aproveitou a oportunidade e tascou: “seu nome vai ser Mazine”. Lima completou, no ato, que se tratava do nome de um grande revolucionário. Saí dali todo orgulhoso e só tempos depois vim saber da verdade. Quando fui cobrar do Lima, ele já tinha para me apresentar a biografia completa de Mazine, um grande líder e ativista dos carbonários italianos. Só pra não deixar passar, poucos anos mais tarde, o busto do tal Mazine Bueno foi expropriado e derretido para fazer finanças para a organização (o antigo MR-8 de Niterói).
Nunca vou-me esquecer de uma frase sua para me inculcar ânimo, otimismo, autoconfiança, certa vez em que cobríamos um ponto e eu andava muito deprimido e triste.
– Rapaz, você é um jovem cheio de energia e sonhos e agora tem uma responsabilidade muito maior com a vida, com a história, você é o Partido, o Partido anda com os seus pés, você fala pelo Partido.
Saí dali com o moral lá em cima, disposto a tudo, a qualquer desafio. Ele estava sempre aberto para debater qualquer coisa, fossem posições políticas, um romance, o capítulo de um livro, temas filosóficos, culturais, pessoais.
Na época da luta interna do Partido, às vésperas do VI Congresso, Apolônio estava no Comitê Estadual do Estado do Rio e integrava um das alas da oposição de esquerda, a chamada Corrente, junto com Mário Alves, Gorender e outros dirigentes. Eles achavam que ainda havia espaço para brigar dentro do Partido. Por outro lado, a juventude do Partido em Niterói estava ligada ao grupo chamado Dissidência, preparava-se para romper e, logo depois, iniciar o caminho da luta armada. Recordo-me das discussões muito duras que tivemos com Lima. Ele ainda defendia a permanência no Partido e ficou muito triste e chocado com a nossa saída. Lembro-me dele, quando aconselhava:
– Sair do Partido? Não façam isso! O Partido é a nossa vida, não há perspectiva fora do Partido….
Pouco tempo depois, a própria Corrente saía do Partido, de forma mais organizada que nós e criava o PCBR. Mais tarde, vieram a clandestinidade, a prisão, o exílio e passei um longo tempo sem ver Apolônio. Fomos rever-nos, novamente, em Paris. Ele foi encontrar-me junto com o René Louis, seu filho, que tinha sido banido junto comigo para o Chile, em Saint Denis, na casa do Átila – o inesquecível companheiro Valneri Antunes, morto em um trágico acidente de carro no Rio Grande do Sul, em 1986, quando era vereador
em Porto Alegre e candidato a deputado estadual. Foi maravilhoso aquele encontro, na França. Alguns dias depois, convidou-me junto com minha companheira para um passeio no Sena e, em seguida, para um Calvados, em um “boteco” bem francês.
Em 1979, nos encontramos no Congresso Internacional pela Anistia no Brasil, em Roma.
Consegui tirar uma foto dele quando conversava com Diógenes de Arruda Câmara e José Maria Crispim, um registro histórico que guardo comigo.
No Brasil, estive com Apolônio algumas vezes apenas, não tantas como gostaria. Mas ele faz parte do melhor dos meus sonhos, da minha vida. Ele faz parte da história da luta do povo brasileiro por sua verdadeira independência e pelo socialismo. Ele é um herói dessa luta.
(Documentos Fundo Aeronáutica Arq Nacional)
Umberto Trigueiros de Lima é jornalista
DOCUMENTO REVELADO
ORIGEM: SERVIÇO NACIONAL DE INFORMAÇÕES – SNI
ENCAMINHAMENTO: 009/16/AGOSTO/SNI/83
DATA: 25JAN83
DIFUSÃO; SS/06/AGO/ANI
ASSUNTO: ELEMENTOS PERTENCENTES AO PCBR
64, uns dois meses antes do Golpe Militar. Fui apresentado por Aluízio Palmar (André) que compunha a direção da Seção Juvenil Estadual