Documentos desclassificados lançam luz sobre o papel do governo americano no golpe de 1º de Abril de 1964
O embaixador americano solicitou armamentos pré-posicionados para ajudar os golpistas; Confirmação de operações encobertas na retaguarda de demonstrações de rua, forças cívicas e grupos de resistência.
Os documentos do arquivo incluem uma fita áudio desclassificada de Lyndon Johnson a ser informado pelo telefone no seu rancho no Texas de como os militares brasileiros mobilizaram-se contra Goulart. “Pus todas a gente que tivesse alguma imaginação ou esperteza… [o directo da CIA John] McCone… [secretário da Defesa Robert] McNamara” para ter certeza de que o golpe ia para a frente, Johnson é ouvido a instruir o subsecretário de Estado George Ball.
Entre os documentos há telegramas Top Secret enviados pelo embaixador americano Lincoln Gordon, o qual pressionou vigorosamente Washington pelo envolvimento directo no apoio aos conspiradores golpistas conduzidos pelo chefe do Estado Maior do Exército general Humberto Castello Branco. “Se a nossa influência for utilizada a fim de ajudar a impedir um grande desastre aqui — que pode tornar o Brasil a China da década de 1960 — isto é o que tanto eu como todo os meus conselheiros senior acreditamos que o nosso apoio deveria incidir”, escreveu Gordon ao Departamento de Estado, Casa Branca e responsáveis da CIA em 27 de Março de 1964.
Para assegurar o êxito do golpe, Gordon recomendou “que fossem tomadas medidas o mais breve possível para preparar a entrega clandestina de armas de origem não-americana, a serem disponibilizadas aos apoiantes de Castello Branco em São Paulo”. Num telegrama a seguir, desclassificado no mês passado, Gordon sugeriu que estas armas fossem “pré-posicionadas antes do eclodir da violência” a fim de serem usadas por unidades paramilitares e “militares amigos contra militares hostis, se necessário”. Para esconder o papel dos EUA, Gordon recomendava que as armas fossem entregues através de “submarino não identificado e serem desembarcadas à noite em pontos isolados do litoral do estado de São Paulo a sul de Santos”.
Os telegramas de Gordon também confirmam medidas encobertas da CIA “para ajudar a fortalecer forças de resistência” no Brasil. Isto incluiu “apoio encoberto para comícios de rua pró-democracia… e encorajamento [de] sentimento democrático e anti-comunista no Congresso, nas forças armadas, entre grupos de trabalhadores e estudantes amigos, igreja e negócios”. Quatro dias antes do golpe Gordon informou Washington de que “podemos pedir um modesto financiamento suplementar para outros programas de acção encoberta no futuro próximo”. Ele também pediu que os EUA enviassem navios petroleiros com gasolina, gasóleo e lubrificantes (POL na sigla em inglês) para facilitar as operações logísticas dos conspiradores militares golpistas, e para instalar uma força-tarefa naval a fim de intimidar apoiantes de Goulart e ficar em posição de intervir militarmente se o combate se tornasse prolongado.
Embora seja amplamente sabido que a CIA esteve envolvida na acção encoberta contra Goulart que levou ao golpe, seus arquivos operacionais sobre a intervenção no Brasil permanecem classificados — para desgosto dos historiadores. O analista do arquivo Peter Kornbluh pediu à Agência que “levantasse o véu do segredo de um dos mais importantes episódios da intervenção americana na história da América Latina” por meio da completa desclassificação dos registos das operações da CIA no Brasil. Tanto as administrações Clinton como Bush efectuaram significativas desclassificações sobre os regimes militares no Chile e na Argentina, observou ele. “A desclassificação dos registos históricos sobre o golpe de 1964 e os regimes militares que se seguiram promoveria os interesses americanos no fortalecimento da causa da democracia e dos direitos humanos no Brasil e no resto da América Latina”, afirmou Kornbluh.
Em 31 de Março, mostram os documentos, Gordon recebeu um telegrama secreto do secretário de Estado Dean Rusk declarando que a administração decidira mobilizar imediatamente uma força tarefa naval para tomar posição junto à costa brasileira, despachar petroleiros da US Navy “transportando POL” de Aruba, e montar uma ponte aérea de 110 toneladas de munições e outros equipamentos inclusive “CS agent” — um gás especial para controle de multidões. Durante uma reunião de emergência na Casa Branca em 1 de Abril, de acordo com um memorando da CIA sobre a conversação, o secretário da Defesa Robert McNamara disse ao presidente Johnson que a força tarefa já navegava e que um petroleiro da Esso com gasolina de aviação e para motores estaria em breve na vizinhança de Santos. Uma ponte aérea de munições, relatou ele, estava ser preparada em New Jersey e podia ser enviada para o Brasil dentro de 16 horas.
Tal apoio militar americano ao golpe militar demonstrou-se desnecessário. As forças de Castello Branco conseguiram derrubar Goulart muito mais depressa e com muito menos resistência armada dos que os decisores políticos americanos esperavam. Em 2 de Abril, agentes da CIA no Brasil telegrafavam a dizer que “João Goulart, o deposto presidente do Brasil, deixou Porto Alegre cerca das 13 horas locais rumo da Montevideo”.
Os documentos e telegramas referem-se às forças do golpe como “a rebelião democrática”. Após a tomada de poder pelo general Castello Branco, os militares governaram o Brasil até 1985.
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Nesta fita de 5:08 minutos obtida junto à Biblioteca Lyndon Baines Johnson, o presidente Johnson é registado a falar ao telefone do seu rancho no Texas com o subsecretário de Estado George Ball e o secretário assistente para a América Latina, Thomas Mann. Ball informa Johnson acerca da situação dos movimentos militares no Brasil para derrubar o governo de João Goulart que os responsáveis americanos encaram como de esquerda estreitamente associado ao Partido Comunista Brasileiro. Johnson dá a Ball sinal verde para apoiar activamente o golpe se o reforço americano for necessário. “Penso que devemos dar todos os passos que pudermos, estarmos preparados para tudo o que for necessário fazer”, ordena ele. Numa aparente referência a Goulart, Johnson declara “simplesmente não podemos aguentá-lo” (“we just can’t take this one”) . “Eu iria mais além e poria meu pescoço um pouco para fora” (“I’d get right on top of it and stick my neck out a little”) , recomendou a Ball.
O original encontra-se emhttp://www.gwu.edu/~nsarchiv/NSAEBB/NSAEBB118/index.htm#docs
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