3MAIO1971
MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA
IV ZONA AÉREA
DIVISÃO DE INFORMAÇÃO
DOCUMENTOS APREENDIDOS EM APARELHO DO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO TIRADENTES – MRT
DIFUSÃO II EXÉRCITO – U AÉREA
DIFUSÃO ANTERIOR – EMAER – GABAER-DIS/COMZAE 1,2,3,5 E 6 – CH/CISA/COMFAB/COMCOS-CISA-DR
REFERENCIA ENCAMINHAMENTO Nº 181 CISA RJ DE 29ABRIL71
ENCAMINHAMENTO 177/DSEGA
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O Golpe de Estado dado em 31 de março de 1964 teve como objetivo maior a destruição da organização da classe operária. A ideia difundida pelos golpistas que os setores reformistas do governo democrático de João Goulart queriam implantar uma República anarco-sindicalista
indica que os trabalhadores conscientes e organizados eram o alvo a ser abatido com o assalto ao poder efetuado pela direita brasileira. De fato, as primeiras ações da ditadura implantada foi assaltar os sindicatos e impor diretorias obedientes ao poder imposto e a burguesia. Com isso garantiam que os trabalhadores fossem esmagados e marginalizados do processo político, pois esse era o objeto maior do próprio golpe.
O partido hegemônico da esquerda brasileira, o PCB, não tinha há uma década o objetivo de tomada do poder e atrelou seus destinos ao projeto
reformista da centro-esquerda. Como consequência, não teve a preocupação em preparar a defesa contra um golpe de Estado, nem de criar
condições para a resistência a ditadura que se aproximava. A classe operária perde sua vocação revolucionária.
A resistência ao golpe é feita pelos setores nacionalistas, notadamente as camadas militares perseguidas pela ditadura, e a classe operária procura sua organização longe do PCB. Essa organização só consegue ser operativa cerca de dois anos após o assalto ao poder da direita e seus agentes fardados.
Enquanto isso, os setores indignados da pequena burguesia conseguem se agrupar em torno dos protestos estudantis, com muito mais facilidade de organização e de mobilização.
Devido a essa conjugação de fatores, a concepção acerca de um suposto papel secundário da classe operária na luta de resistência à Ditadura Civil- Militar se cristalizou de maneira bastante homogênea no campo da memória sobre o período.
Além do projeto de resistência armada ter sido derrotado, e seus integrantes serem os vencidos no processo de luta que se deu, houve a
construção de uma segunda categoria de vencidos, dentro da já existente:
os operários. A esses, dada sua dificuldade de organização, coube o silêncio e o ostracismo. A história contada pelos setores de classe média imputa aos operários uma responsabilidade indireta pelo fracasso da resistência, pois supostamente não teriam aderido, enquanto conjunto da classe operária, a resistência contra a Ditadura.
Entretanto uma análise mais cuidadosa do processo de luta, armada ou , contra a Ditadura Civil-Militar, entre os anos de1964 a1976,
revela-nos uma realidade histórica diferente.
A classe operária teve no Brasil, ao longo dos anos 60, diferentes estratégias de resistência, com significado próprio e independente da
vontade de setores médios e estudantis.
Um amplo leque ideológico cortava o movimento por todos os lados, desde católicos ligados a comunidades eclesiais de base; “pelegos”
(operários vinculados e/ou a serviço das políticas que o governo traçava
para a classe operária) até comunistas e socialistas, ligados, até 1964,
principalmente ao Partido Comunista Brasileiro. Este complexo e rico
contexto histórico exprimia as contradições da classe operária. Entretanto
um importante passo adiante foi dado nestas relações sociais marcadas por
clientelismo e negociação.
Apesar de a resistência operária ter se valido de suas estratégias
históricas como greves, paralisações e piquetes, o Ato Institucional Nº5,
outorgado pela Ditadura em 13 de dezembro de 1968, em resposta as
grandes manifestações populares daquele ano, notadamente as greves de
Osasco (São Paulo) e Contagem (Minas Gerais) colocou a classe operária
novamente em refluxo.
Neste momento, um dos maiores embates da luta de classes no Brasil,
um salto de qualidade foi dado pelos operários que optaram por se inserir
em definitivo na estratégia de luta armada pela derrubada da Ditadura, e,
em um exemplo claro de “classe-para-si”, a implantação do Socialismo em
seu lugar.
Diversas organizações da esquerda armada tiveram entre seus quadros
militantes de origem operária, apenas algumas organizações não
conseguiram se aproximar ou dialogar com estes trabalhadores, tornando-
se organizações fundamentalmente estudantis ou pequeno-burguesas.
O Movimento Revolucionário Tiradentes – MRT– foi um dos casos
onde não só a maioria de seus militantes provinha da classe operária, como
seus líderes também eram operários.
O MRT surgiu em setembro de 1969, em uma reunião em Campos do
Jordão, reunindo dois grupos. O primeiro era composto por integrantes do
GENR, o Grupo Especial Nacional Revolucionário, um “racha” da Ala
Vermelha – Partido Comunista do Brasil, organizados e liderados por
Devanir José de Carvalho; o outro grupo era conhecido como “grupo do
Omar”, na verdade, Plínio Peterson de Oliveira e pessoas que orbitavam ao
seu redor.
O nome da organização foi escolhido em referência ao grupo de mesmo nome fundado por Francisco Julião, das Ligas Camponesas, origem da Ala Vermelha, fundada por militantes ligados, entre outros, ao antigo MRT.
O MRT, seguindo a trajetória do GENR, adotaria uma linha de ação que os
aproximaria da VPR e da ALN, prezando ações armadas em detrimento ao um trabalho de base em longo prazo, por essa razão, a negação do papel do partido marxista-leninista centralizador das ações.
De fato, o MRT empreendeu uma série de ações expropriatórias, as quais fizeram rapidamente aumentar seu “prestígio” com os órgãos de repressão, e, ao mesmo tempo, sua fama com os militantes da esquerda armada da década de 1970. Além de ter feito duas edições de seu jornal próprio, o Voz Guerrilheira.
Uma das características marcantes é que, apesar da forte repressão de 1970, houve por parte do MRT a busca em coordenar ações em conjunto com outras organizações revolucionárias. Apesar da fragmentação latente da esquerda na época, seja pela perseguição policial, ou por embates ideológicos, buscou-se, num dos períodos mais difíceis para isso, a união,
se não física, pelo menos, de forças na luta contra a Ditadura Civil-Militar.
A constituição da chamada Frente, foi pensada e praticada por Devanir
José de Carvalho (Henrique) e Eduardo Leite (Bacuri) em fins de 1969.
Carlos Lamarca, à época na VPR, em um documento chamado Frente – a
grande tarefa, exalta a iniciativa de reunir as organizações de combate a
ditadura, por acreditar que a reunião de forças de diversas organizações
traria melhores resultados para a luta armada. A ALN, agora dirigida por
Joaquim Câmara Ferreira (Toledo), ainda combalida pela morte de seu
maior líder, Carlos Marighella, prestigiou a articulação da Frente como
uma nova estratégia de luta.
A Frente Armada Revolucionária reuniu na ação o MRT, ALN, VPR,
MR-8 E PCBR. A REDE (Resistência Democrática), liderada por Bacuri,
se fundiu com a ALN e trilhou o mesmo caminho. Muito mais do que fazer
ações, as Organizações Revolucionárias da Frente assinavam documentos e panfletos distribuídos nas ações armadas feitas pelas demais organizações.
A primeira ação coordenada pela Frente foi a captura do cônsul japonês
em São Paulo, Nobuo Okuchi. A ação aconteceu antes mesmo da constituição oficial da Frente, numa demonstração clara do grau de solidariedade existente entre as organizações e de como esta ação foi o
“embrião” da Frente. MRT, REDE e VPR se mobilizaram para resgatar o
dirigente da VPR Chizuo Osava, conhecido como “Mario Japa”, capturado
em 7 de março de 1970, que passava por terríveis torturas e precisava ser
salvo.
Na época, a VPR passava por um período difícil, sem condições de realizar uma operação de envergadura. Um de seus dirigentes, Ladislau Dowbor, procurou os líderes do MRT, Devanir José de Carvalho “Henrique”, e da REDE Eduardo Leite “Bacuri”, para solicitar colaboração.
Rapidamente, os três planejaram a ação e dirigiram com com sucesso o
seqüestro do cônsul japonês, em 11 de março de 1970. Apenas quatro dias
depois, no dia 15, cinco militantes foram levados para o México em troca da libertação do diplomata.
A segunda grande ação foi a expropriação do carro-pagador da empresa Brinks, maior resultado depois da expropriação do cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, com milhões de dólares fruto de
corrupção. Em 15 de setembro de 1970, o carro blindado da transportadora de valores Brinks foi interceptado na Rua Estados Unidos por um destacamento de quinze militantes, entre os quais estavam alguns dos melhores homens da linha de Frente. No comando estavam Yoshitane Fujimore, da VPR, Devanir José de Carvalho, do MRT, e José Milton Barbosa, da ALN.
A FRENTE sofreu forte impacto com a captura e assassinato de Joaquim Câmara Ferreira (Toledo), dirigente da ALN. O plano de um múltiplo seqüestro para libertar todos os presos políticos e deteriorar ainda mais a imagem da Ditadura no cenário internacional, é suspenso e espera uma nova etapa de organização. Por problemas internos, a VPR se distancia
dos planos da FRENTE e Carlos Lamarca se desloca de São Paulo, onde
estava protegido em aparelho do MRT, para o Rio de Janeiro num comboio de escolta formado por guerrilheiros de sua organização e do MRT.
Sob o comando de Lamarca, a VPR executa o seqüestro do embaixador
suíço Giovanni Bucher por conta própria e liberta setenta presos políticos,
entre eles estão os irmãos de Devanir – Joel, Derly e Daniel José de
Carvalho, presos há um ano. A Frente desestruturou-se na metade de 1971,
quando as principais organizações sofreram pesadas baixas.
O MRT recebeu reforços com a chegada de Joaquim Alencar de Seixas,
operário que vivia no Rio Grande do Sul, que passa a ser comandante do
MRT. Os irmãos de Devanir aderem ao MRT ainda na prisão, do mesmo
modo que Aderval Coqueiro, militante do GENR, que regressaria ao Brasil, após ter sido trocado pelo embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben e ter feito treinamento em Cuba durante o exílio. Dimas Antônio Casemiro,
operário gráfico e ex-militante da VAR-Palmares também reforça o MRT.
A liderança exercida por Devanir José de Carvalho, “Henrique”, foi
fundamental no processo de luta armada, em São Paulo, e na articulação
com as outras organizações. São vários depoimentos de militantes de
organizações como VPR, ALN, POC, REDE, entre outras, que quando se
dirigiam para São Paulo para aderir a uma organização ou recuperar
“pontos” perdidos com as regionais do estado, tinham algum tipo de
contato com Devanir. O fato é que “Henrique” esteve no centro de todas as
articulações da maioria das organizações que compunham a Frente, e
praticamente era a face visível do MRT.
Exatamente por exercer este papel, Devanir tornou-se objeto de caça por
parte da repressão. Em dezembro de 1970, Eduardo Leite “Bacuri”, outro
grande objetivo da repressão, foi assassinado após de meses de torturas
violentas que resultaram em uma orelha decepada, dedos e pernas
quebradas, além de olhos vazados, antes que pudesse ter sido incluído na
lista de presos políticos a ser trocado pelo embaixador suíço.
O início de 1971 foi definitivo para o MRT. Em 6 de fevereiro, Aderval
Coqueiro foi assassinado a tiros pelos agentes do DOI-CODI, no Rio de
Janeiro; uma série de militantes são presos em São Paulo e, em 7 de abril,
Devanir é morto pelo Esquadrão da Morte comandado pelo delegado
Sérgio Paranhos Fleury, em São Paulo.
Em represália à morte de “Henrique”, em 15 de abril de 1971, o
comando Devanir José de Carvalho, formado por integrantes do MRT e da
ALN “justiçou” o empresário Henning Albert Boilesen – presidente do
Grupo ULTRA, arrecadador, financiador da repressão e instrutor de
torturas, freqüentador assíduo da OBAN.
Diante de tal afronta, a repressão foi implacável. Joaquim Alencar de Seixas foi capturado e morto sob cruéis torturas. Dimas Antônio Casemiro foi fuzilado quando chegava em sua casa. Os contatos e trabalhos de massa clandestinos, coordenados por Devanir, Seixas e Dimas se perderam na
história, pois nenhum deles forneceu qualquer informação ao inimigo. A série de prisões após o justiçamento de Boilesen desativou o Movimento
Revolucionário Tiradentes.
Passados quarenta anos, após mistificações e esquecimentos próprios de
um terreno pantanoso conhecido como campo da memória, é nosso dever
reconstituir a trajetória destes operários que deram um passo à frente nas
relações históricas de sua classe, não aceitando negociar, nem recuar
esperando melhores condições ou oportunidades, levando até o fim suas
lutas pela emancipação da classe operária.
Tendo como fim o socialismo e enfrentando o julgo fascista da Ditadura,
mesmo que alguns deles não estejam mais entre nós, vítimas da política de
extermínio do Estado à época, os militantes do MRT marcaram seus nomes
na história, e todos os esforços devem ser feitos para o resgate de suas memórias.
TEXTO DE AUTORIA DO NÚCLEO MEMÓRIA DE SP