Eu tinha 22 anos, quando saí da casa de meus pais e fui morar em Niterói. Naquele final de 1964 e início de 1965, a ditadura militar estava fechando o cerco e era hora de buscar um lugar seguro.
Fui então, dividir quarto com Antonio Carlos Pinto, o Carlitos, camarada do PCB, na “Pensão de Dona Anita”, que ficava no bairro do Ingá.
Naqueles dias, não cheguei a ter momentos felizes. Levantava antes das 7 da manhã, ia a pé até a Estação das Barcas , e lá do outro lado, na Praça XV, pegava ônibus pro trabalho, em Santo Cristo, Zona Portuária do Rio de Janeiro.
Na volta, comia um pastel com caldo de cana, ali mesmo na Praça Araribóia ou na Pastelaria Imbuhy, e ia pra faculdade. Quando dava tempo, passava na pensão de dona Anita pra trocar de camisa. Pensão, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais e Praia de Icarai. Era tudo por ali, na Presidente Pedreira, mas poucas vezes eu ia à praia. Aproveitava as horas vagas pra fazer contatos com as bases do Partido nas faculdades e colégios, passar as orientações e entregar panfletos e o jornalzinho Resistência, que eu imprimia no quarto da pensão.
Passava horas trabalhando naquela geringonça, espécie híbrida de mimeógrafo à tinta e tela de silk-scream. A engenhoca tinha uma base de madeira, presa com dobradiças a uma parte móvel, tipo moldura de quadro. Nessa “moldura” era fixada uma tela de nylon bem esticada.
O texto a ser impresso, eu “batia” em uma folha de estêncil na máquina de escrever sem a fita. Quando a tecla batia no stencil, retirava a cera.
O estêncil ficava debaixo da tela de nylon e na parte de cima eu colocava a tinta de mimeógrafo. Manualmente, eu ia passando um rodo forçando a tinta a atravessar a tela de nylon e a parte permeável do estêncil. Em baixo, uma a uma, eu colocava as folhas de papel para receber a impressão.
“Carlitos” ouvia calado aquele toc-toc da máquina de escrever e o “reco-reco” da geringonça que eu usava para imprimir panfletos e o jornalzinho em folhas e mais folhas de papel ofício.
Quando Carlitos chegava da rua, e se deparava com os panfletos dependurados num varal que eu estendia dentro do quarto, dizia apenas, “é preciso cuidar da segurança”.
Aluízio Palmar é jornalista, e fundador do CDHMP de Foz do Iguaçu. Em 1969, foi preso e em 1971, banido do País, após ser trocado juntamente com outros presos políticos, pelo embaixador da Suiça. É autor do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?” e em 2020, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida por entidades de direitos humanos e movimentos sociais. É editor do portal DocumentosRevelados.com.br
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