Mortos e Desaparecidos

ANTÔNIO THEODORO DE CASTRO (1945–1974)

Material cedido por Vanderley Caixe, revista O Berro

 ANTÔNIO THEODORO DE CASTRO (1945–1974)  

Filiação: Benedita Pinto de Castro e Raimundo de Castro Sobrinho

Data e local de nascimento: 12/04/1945, Itapipoca (CE)

Organização política ou atividade: PCdoB

Data do desaparecimento: 27/02/74

Cearense de Itapipoca, cursou até o 4º ano de Farmácia na Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza, e era diretor da Casa do Estudante Universitário. Foi obrigado a se transferir para o Rio de Janeiro devido às perseguições políticas advindas de sua participação no Movimento Estudantil. Matriculou-se na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da UFRJ, onde continuou a participar das atividades estudantis em 1969 e 1970, militando também no PCdoB. Com o recrudescimento das perseguições políticas, Antônio foi deslocado em 1971 para o Araguaia, indo residir na região do rio Gameleira. Pertencia ao Destacamento B, sendo conhecido por Raul, Teo e Ceará.

Segundo o Relatório Arroyo, Antônio já havia sido ferido no dia 30/09/72, quando desapareceram João Carlos Haas Sobrinho, Ciro Flávio

de Oliveira e Manoel Nurchis. No relatório do Ministério da Marinha consta: “Fev./74 – Foi morto durante ataque de terroristas à equipe que

o conduzia. Nov./74 – Relacionado entre os que estiveram ligados à tentativa de implantação da guerrilha rural, levada a efeito pelo CC do

PCdoB, em Xambioá. Morto em 27/02/74”.

Há informações de que seus restos mortais podem estar enterrados na Bacaba, no quilômetro 68 da Transamazônica, onde funcionou uma

base militar com centro de torturas. Segundo moradores do local, havia um cemitério clandestino no fundo dessa base, próximo à mata.

Com base no Dossiê produzido por militares que atuaram no combate à guerrilha, o jornalista Hugo Studart registra também a informação

de que Antônio Teodoro teria morrido entre o Natal e 31 de dezembro de 1973, executado depois de preso. A discrepância de quase dois

meses entre possíveis datas de sua morte pode significar que tenha permanecido vivo durante todo esse período.

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+ Informações.

ANTÔNIO TEODORO DE CASTRO

Militante do PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC do B).

Nasceu em 12 de abril de 1945 em Itapipoca/CE, filho de Raimundo de Castro Sobrinho e Benedita Pinto de Castro.

Desaparecido na Guerrilha do Araguaia desde 1973.

Cursava o 4° ano de Farmácia na UFCe, e era diretor da Casa do Estudante Universitário. Transferiu-se para o Rio de Janeiro devido às perseguições políticas que vinha sofrendo na Universidade. A seguir, matriculou-se na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da UFRJ, participando do movimento estudantil nos anos 1969/70.

Como se intensificassem as perseguições, Antônio acabou mudando-se para o interior, indo residir na região do Gameleira e integrando-se ao Destacamento B da Guerrilha.

Desapareceu no dia 25 de dezembro de 1973, após intenso tiroteio no acampamento onde estava com diversos companheiros.

O Relatório do Ministério da Marinha diz que “foi morto durante ataque de terroristas à equipe que o conduzia no dia 27 de fevereiro de 1974”. Isto nos dá a certeza que, tendo sido preso provavelmente no dia 25 de dezembro de 1973, acabou sendo assassinado, dois meses depois, sob tortura.

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+ Informações.

do livro Habeas Corpus)

ANTÔNIO THEODORO DE CASTRO (1945-1974)

Cearense de Itapipoca, cursou até o 4º ano de farmácia na Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza, e era diretor da Casa do Estudante Universitário. Foi obrigado a se transferir para o Rio de Janeiro devido às perseguições políticas decorrentes de sua participação no movimento estudantil.

Matriculou-se na Faculdade de Farmácia e Bioquímica da UFRJ, onde continuou a participar das atividades estudantis em 1969 e 1970, militando no PCdoB. Com o recrudescimento das perseguições políticas, Antônio foi deslocado em 1971 para o Araguaia, indo residir na região do rio Gameleira.

Pertencia ao Destacamento B, sendo conhecido por Raul, Teo e Ceará.

Segundo o Relatório Arroyo, Antônio já havia sido ferido no dia 30 de setembro de 72, quando desapareceram João Carlos Haas Sobrinho, Ciro Flávio de Oliveira e Manoel Nurchis. No relatório do Ministério da Marinha consta: “Fev./74 – Foi morto durante ataque de terroristas à equipe que o conduzia.

Nov./74 – Relacionado entre os que estiveram ligados à tentativa de implantação da guerrilha rural, levada a efeito pelo CC do PCdoB, em Xambioá. Morto em 27/02/74”. Esta data é confirmada no livro Bacaba, de José Vargas Jiménez.

Há informações de que seus restos mortais podem estar enterrados na Bacaba, no quilômetro 68 da Transamazônica, onde funcionou uma base militar com centro de torturas. Segundo moradores do local, havia um cemitério clandestino no fundo dessa base, próximo à mata.

Com base no dossiê produzido por militares, o jornalista Hugo Studart registra que Antônio Theodoro teria sido executado entre o Natal e 31 de dezembro de 1973, depois de ser preso.

Conforme o advogado Paulo Fonteles Filho e Sezostrys Alves Costa (da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia), Raul foi preso na estrada OP3 e levado pra a base militar localizada na Fazenda Consolação. Foi assassinado na Fazenda Estrela do Araguaia, próxima ao garimpo da matrinxã, para onde havia sido levado por helicóptero.

Antônio (Raul) teve uma filha com uma moça da região, Regina, também morta por apoiar os guerrilheiros. Em 2009, um guia falou dessa criança à advogada Mercês Castro, irmã de Antônio, quando esta fazia buscas pelo corpo do irmão no Araguaia. A menina havia sido sequestrada por militares e criada em Belém por um casal que cuidava de um orfanato. A criança foi identificada como Lia Cecilia da Silva Martins. Forte semelhança genética foi apontada entre Lia e os seis irmãos de Antônio. Na análise de marcadores de DNA, em 21 foram encontrados 18 coincidentes. “A semelhança entre nós é muito grande”, diz Lia, que é funcionária de uma maternidade. A advogada Mercês anunciou que vai

pedir à Justiça a troca do sobrenome de Lia, para que ela passe a fazer parte da família, segundo a Folha de S. Paulo de 22 de maio de 2010

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+ Detalhes.

Publicado por Luiz Berto em REPORTAGEM

O relato do oficial que comandou a caça aos guerrilheiros do Araguaia mostra que ainda há muito a descobrir sobre o episódio. Veja obteve detalhes sobre a execução de três deles

 

 – O oficial aposentado Sebastião Curió admitiu ter combatido os guerrilheiros, mas não disse que participou da morte de alguns deles

As sangrentas lembranças da guerrilha do Araguaia, o controvertido combate entre militantes do PCdoB e oficiais do Exército nas selvas do Pará, no auge da ditadura, insistem em atormentar a memória do país. Transcorridos 35 anos, muito se conhece e pouco se admite sobre esse triste episódio. Sabe-se agora que o Exército perseguiu e executou os guerrilheiros, mesmo quando eles já não ofereciam mais nenhum perigo aos militares.

As Forças Armadas, porém, negam oficialmente até hoje a existência dessa campanha de extermínio, ignorando o direito dos familiares dos guerrilheiros de saber a verdade sobre o que se passou naqueles tempos sombrios. Na semana passada, o oficial aposentado do Exército Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o major Curió, um dos militares responsáveis pela caça na selva, admitiu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que as Forças Armadas executaram ao menos 41 guerrilheiros.

É a primeira vez que um oficial do Exército confirma a matança. O depoimento de Curió joga luz nas circunstâncias em que se deram as execuções e as torturas dos militantes, mas ainda não esclarece por completo a história de cada um dos assassinatos.

VEJA entrevistou um militar que integrou a equipe de Curió – e participou da execução de ao menos três guerrilheiros. Esse experiente militar, que pertencia ao quadro de inteligência das Forças Armadas e tinha treinamento em combate na selva, aceitou contar em detalhes o que fez, contanto que seu nome permanecesse no anonimato. Até hoje, nem mesmo sua família sabe que ele participou da caça aos guerrilheiros.

 

Ele chegou ao Pará para participar da Operação Marajoara, a última etapa de combate à guerrilha. “A ordem era não deixar ninguém sair de lá vivo”, rememora o militar. “Era uma missão, e cumprimos o que foi determinado.” Recorrendo a uma identidade falsa, o militar virou funcionário público em Marabá, cidade próxima à região do combate, e se infiltrou junto à população civil para obter informações sobre a guerrilha. Tempos depois, ele passou a trabalhar na “Casa Azul”, um prédio do governo localizado nos arredores de Marabá, onde o Exército mantinha presos e torturava os guerrilheiros capturados.


A CAÇA – Maria Eliana de Castro e a foto do irmão, Antônio Teodoro, o Raul: executado na selva

A ordem, lembra o militar, era extrair o máximo de informações dos presos e, quase sempre, por meio de torturas. Depois, assassiná-los. Tudo feito clandestinamente. O militar entrevistado foi um dos algozes do cearense Antônio Teodoro de Castro, estudante universitário de 28 anos conhecido como “Raul”.

Ele conta que presenciou o interrogatório do estudante: “Ele tinha fome, vestia farrapos e estava amarelo, parecia ter malária. Nem precisamos bater para que ele falasse e dissesse tudo o que sabia”. Mesmo desarmado, famélico e doente, mesmo depois de contar tudo o que os oficiais queriam, Raul não foi poupado. Logo chegou a ordem: eles deveriam levá-lo para fazer um “reconhecimento”.

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+ Detalhes.

Paulo Fonteles Filho: Relatos de um homem morto

outubro 31, 2011

Raimundo Clarindo do Nascimento, o “Cacaúba”, trabalhava no início da década de 1970 nos imensos castanhais paraenses quando toda a região do Bico-do-Papagaio fora invadida por tropas federais naquele distante ano de 1972 para debelar a mais importante luta pelo restabelecimento das liberdades públicas no período ditatorial: a Guerrilha do Araguaia.

Por Paulo Fonteles Filho*
Recrutado pelo “Doutor Antônio”, comandante da base militar de São Raimundo e um violentíssimo agente da repressão, foi atuar como rastejador na base militar de São Raimundo. Tal base ficava nas cercanias da reserva dos índios suruís em São Geraldo do Araguaia(Pa).

Segundo seu depoimento para o então Grupo de Trabalho Tocantins (GTT), coordenado pelo Ministério da Defesa em março de 2011, o “Doutor Antônio” era “uma pessoa mal encarada, alto, forte e de cabelos crespos” e que até janeiro de 1985 permanecera na área conflagrada “procurando algum guerrilheiro sobrevivente”. Sabe-se que até 1992/1993 gente da região fora presa apenas por chamar-se “Dina” e militar em movimentos sociais.

Raimundo “Cacaúba”, também conhecido por Raimundo “Baixinho”, relatou que em sua última missão de rastejador teria passado 12 dias ininterruptos na mata, na região do “Jacaré Grande”, rio que desce da Serra das Andorinhas/Martírios e vai encontrar depois de muitos desvios sinuosos o caudaloso rio dos Karajás. Estava ali, guiando uma tropa, para localizar os últimos guerrilheiros vivos.

Provavelmente deve ter se referido ao ano de 1974, quando às forças repressivas promoveram uma verdadeira caçada na região e o rigor das últimas pesquisas revela-nos que 41 guerrilheiros foram mortos, assassinados, sob a custódia das forças armadas. É que depois de 1973 a ordem direta do gabinete de Garrastazu Médici, presidente de então, era torturar até a náusea e matar a sangue-frio todos os insurgentes presos nas matas. E o ano de 1974 fora pródigo neste sentido, inclusive com o provável fuzilamento de cerca de 50 camponeses e castanheiros que trabalhavam na região.

Os casos mais graves, colhidos até agora, revelam que São João do Araguaia (Pa) e Xinguara (Pa) foram palcos de tais execuções sumárias. Cremos, porém, que pode haver mais casos da sandice sanguinária dos generais da época e só o avanço das pesquisas poderão nos dar a medida exata da atuação do “satanás de botas”, segundo ensina a analogia corrente entre os camponeses referindo-se à atuação dos militares daqueles tempos.

Mas “Cacaúba”, depois do silêncio de quase quarenta anos, informara que “no local conhecido por ‘centrinho’, ao lado do Rio Sororozinho, conheceu ‘Zé Carlos’ (André Grabois), ‘Ivo’ (José Lima Piauhy Dourado) e ‘Joca’ (Líbero Giancarlo Castiglia), este ferido no braço”. Teria, também, conhecido “a ‘Valquíria’(Walkíria Afonso Costa), moradora do São Raimundo que apareceu em sua casa acompanhada de ‘Joca’ depois do tiroteio com o ‘Juca’(João Carlos Haas)”. Curiosa mesmo foi à informação de que “os meninos do mato se comunicavam com os moradores Antonio Monteiro (…), Luís Roque e Antonio Luís através de uma vara seca e uma vara verde”.

Afirmara que “a ’Valkíria’, muito magra, foi presa na casa do ‘Zezinho’ e Maria ‘Fogoió’ e foi morta pelo Capitão Magno”. Tal “Capitão Magno” é muito citado pelas torturas perpetradas contra os camponeses e que teria sido um dos agentes que atuou, anos depois, na prisão dos padres franceses do Araguaia, Aristide Camio e Francisco Gouriou, no início dos anos de 1980. A acusação era de que os religiosos promoviam a subversão, intentavam novas guerrilhas e por isso foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional (LSN).

Na região da “Abobóra” viu “ o ‘Joca’ amarrado com embira (fibra extraída de algumas árvores e que serve para fabricação de cordas), todo ‘obrado’ e muito machucado ”. Teria presenciado o traslado do combatente, depois de assassinado, para a Base de Xambioá (To) para um local conhecido como “cemitério da base” e lá fora sepultado.

Quando o “Amaury” (Paulo Roberto Pereira Marques) fora preso “com o pé baleado e o ‘Doutor Antunes’, da base de São Raimundo, provocava-o perguntando se queria comer um Mutum. O ‘Ivo’ foi preso e vestia calça azul tropical e que o ‘Doutor Alberto’ dizia que viu o ‘Nunes’ (Divino Ferreira de Souza) morrer. O guia Olímpio, da fazenda ‘Carrapicho’, matou o ‘Peri’(Pedro Alexandrino de Oliveira) que estava com outros que conseguiram fugir. O ‘João Goiano’ (Vandick Reidner Pereira Coqueiro) foi encontrar-se com o ‘Simão’(Cilon da Cunha Brum) e quando se aproximou percebeu algo diferente e correu, porém foi alvejado pelos militares emboscados. Seu corpo foi mantido em um lastro de madeira e depois retirado por um helicóptero, isso aconteceu na ‘grota da lima’. Vi o ‘Simão’ puxando água do poço por uma bomba na base de Xambioá (To)”, relatou à missão governamental.

Recordara, ainda, que houve um encontro de militares e ouviu pelo rádio a notícia da prisão de “Raul” (Antônio Teodoro de Castro). Estava subindo a Serra do Cajueiro, próximo ao Rio Sororozinho.

Além dos militares já citados teria trabalhado, também, com os “doutores Ivan, Maia, Molina e João” e que esse Molina “não falava igual a nós”. Sabe-se que militares portugueses, apeados do poder pela Revolução dos Cravos, teriam assessorado militares brasileiros repassando-lhes as experiências dos combates contra os movimentos independentistas da África, como Angola e Moçambique. É bem provável que a CIA, fétida agência de inteligência estadunidense, também teria “ensinado” nossos generais, como Hugo de Abreu e Antônio Bandeira, como debelar a insurreição das matas do Pará.

Raimundo “Cacaúba” foi assassinado em fins de junho de 2011. Três dias antes do estranho crime, o Major Curió esteve na Serra Pelada, local do assassinato, em reunião com aqueles que ainda lhes são fiéis.

Sabemos que o ex-guia teria dito, horas antes do ocorrido, que sua cabeça estava a prêmio.

*Paulo Fonteles Filho é pesquisador da Guerrilha do Araguaia

Reconhecimento, no código elaborado pelo Exército, era a senha para matar. Curió e seus homens, entre eles o militar entrevistado por VEJA, embarcaram Raul e outro guerrilheiro, o estudante gaúcho Cilon da Cunha Brun, de 28 anos, conhecido como “Simão”, num helicóptero da Força Aérea.

Curió ordenou aos pilotos, os quais não tinham conhecimento da operação, que os transportassem até as terras da fazenda de um colaborador em Marabá. Para não permitir testemunhas, relembra o militar, Curió determinou que outra equipe da Força Aérea os buscassem num ponto diferente da mata, horas mais tarde. Após uma longa caminhada, o grupo parou para descansar. Todos se sentaram.

Instantes depois, Curió disse aos colegas: “É agora!”. Levantou-se num átimo, mirou seu fuzil Parafal na cabeça de Raul e disparou. O corpo do estudante caiu imediatamente sem vida. Os outros oficiais levantaram-se e descarregaram as armas nos dois. “Parecia pelotão de fuzilamento”, lembra o militar. Eles tentaram cavar uma vala para enterrar os guerrilheiros, sem sucesso.

Resolveram cobrir o local com galhos de árvore – e seguiram caminho. Alguns dias depois, o fazendeiro esteve com os militares e reclamou dos cadáveres. “Os corpos começaram a feder. Os animais já haviam comido quase tudo. Tive de enterrar os restos”, contou. O fazendeiro tinha o apelido de “Zezão”.

Aconteceram ainda outras atrocidades. O fotógrafo baiano José Lima Piauhy Dourado, o “Ivo”, tinha 27 anos quando foi capturado pelos militares. Ele fora ferido na clavícula, depois de conseguir atingir um oficial. Não houve clemência. Transportado para a Casa Azul, Ivo passou por uma longa sessão de torturas. Apanhou e conheceu os horrores do pau de arara, método pelo qual se pendurava e amarrava o torturado de cabeça para baixo.

Conta o militar: “O cara só gemia”. Gemia, mas, segundo a testemunha, não entregou ninguém. O depoimento do militar é perturbador: “Ele estava agonizando, pendurado no pau de arara. Alguém se aproximou e derramou um copo-d’água em sua boca. Ele morreu afogado, estrebuchando”.

O Exército também pagava pela cabeça dos guerrilheiros – e não era metaforicamente. “Tinha de trazer a cabeça mesmo, para provar que havia matado”, lembra o militar.

Cada cabeça rendia 5 000 cruzeiros ao matador. Em valores corrigidos, cerca de 11 000 reais. “Vi pelo menos umas três”, conta. 

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+ Detalhes.

“Houve mais camponeses mortos no Araguaia do que se fala”

 Após uma viagem de 40 minutos de carro desde o centro de Marabá, parte dela feita em estrada de terra, chega-se a uma rua onde a lama impede a passagem do jipe. A única maneira de atravessar é a pé. São 20 minutos de caminhada na lama até chegar à casa do camponês Abel Honorato de Jesus, o Abelinho. O homem franzino é um dos posseiros da região onde foi implantada a guerrilha do Araguaia (1972-1975) e que foram obrigados a trabalhar como mateiros do Exército, ajudando na captura dos militantes que se instalaram por lá. Grande conhecedor da área e de parte dos guerrilheiros – Abelinho chegou a trabalhar no garimpo com Osvaldo Orlando da Costa, o Osvaldão, o mais famoso guerrilheiro do Araguaia –, o lavrador trabalhou com o Exército até 1983.

Recentemente, Abelinho tem colaborado com o trabalho da equipe do GTT (Grupo de Trabalho Tocantins) fornecendo informações e sustenta a tese de que o número de camponeses assassinados pelas forças do Estado durante o período da guerrilha é maior do que se tem notícia. “Eu conheço muita gente que morreu de taca [surra]”, conta. O ex-mateiro também afirma ter visto “muitos camponeses apanharem, serem torturados. Lavei sangue demais desse povo. Enrolavam um saco de estopa num rodo e eu empurrava o sangue dessa gente”. Além dos camponeses que aderiram à guerrilha e os que ajudaram os militantes com comida e suprimentos, também muitos mateiros foram assassinados, mesmo tendo colaborado com o Exército, recorda o lavrador.

Leia mais: “Estamos mais perto da verdade”, diz juíza

Segundo o pesquisador Paulo Fonteles Filho, integrante da ouvidoria do GTT, embora se estime que o número de desaparecidos do Araguaia, entre guerrilheiros e camponeses, gire em torno de 100 pessoas, “eu tenho convicção que naquele processo foram mortas 500 pessoas ou mais”. Segundo ele, há informações novas que estão sendo reveladas por ex-soldados do Exército, que hoje subsidiam o GTT. “Há camponeses que estavam na mata como castanheiros e foram fuzilados por uma tropa, por exemplo. Nosso papel também é falar desses anônimos”, esclarece. De acordo com ele, a violência do Estado contra os moradores da região também foi “brutal”. “Eles foram maltratados, sofreram, foram torturados, perderam suas roças”.

Um dos ex-soldados que está colaborando com o GTT é Manoel Messias Guido Ribeiro, que combateu una base Xambioá. Ele conta que o tio de sua esposa foi morto de “taca” na serra das Andorinhas apenas por ter dado comida aos guerrilheiros. “Vi muitos camponeses presos”. Guido também presenciou a tortura de camponeses na sede local do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens (DNER), a chamada “casa azul”. “Ouvi gritos absurdos, arrastávamos corpos, vivos mas desmaiados. A gente jogava água em cima deles e levava de volta”.

Operação Limpeza

O ex-soldado maranhense afirma ter participado da “Operação Limpeza” de 1975, quando as forças de repressão ainda “caçavam” remanescentes do “terrorismo”, como possíveis colaboradores dos guerrilheiros. “Da segunda limpeza, feita para retirar os ossos, eu não participei, mas a gente ouvia falar: “estão arrancando ossos de gente por aí”. Guido afirma que a região esteve vigiada até 1980. “Ainda está hoje. Não pense que não está”, garante. Guido também diz se sentir inseguro “com o que estamos falando, pois estamos rodeados deles por aí”, acredita.

Em depoimento em vídeo colhido pelo GTT, Valdim Pereira de Souza, ex-funcionário, ex-militar e motorista do major Curió [oficial da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, um dos líderes da repressão à guerrilha do Araguaia], entre 1976 e 1983, relata que em 1976 participou da retirada dos corpos e ossadas dos guerrilheiros e camponeses mortos em muitas localidades da região. Sua missão era levar para a sede do DNER vários sacos amarrados com um cordão. “Os sacos pesavam cerca de 100 quilos e, dentro, soube depois, por meio de um servidor do próprio DNER conhecido por “Pé na Cova”, havia ossos humanos. O cheiro era insuportável. Os homens do Exército que comandavam a operação eram o doutor Luchini (Sebastião Curió) e os sargentos Santa Cruz e Ribamar”, disse. “Não tínhamos o direito de saber o que fazíamos, apenas cumprir a nossa obrigação e as determinações superiores”, completa.

Ameaças

Como resultado das denúncias, Valdim, assim como outros camponeses e moradores da região, foi ameaçado. Em dezembro do ano passado, ele recebeu ligações em seu celular, que diziam: “pare de falar besteira”, “fica calado, não te mete em encrenca”, “tenha cuidado com o que anda falando por aí”. Neste ano, as ameaças aumentaram. Em 2 março, uma caminhonete com película de insulfilm nos vidros rondou sua casa em Macapá, no Amapá. Valdim acredita que é Curió quem está por trás das ameaças: “O Curió é corajoso e me disse certa vez que quem fala muito morre, e dizia que ‘inimigo bom é inimigo morto’”.

Um carro com insulfilm também rondou a casa do representante da Associação dos Camponeses do Araguaia, Sezostrys Alves da Costa, no mesmo dia 2 de março, em São Domingos do Araguaia. Os quatro homens que estavam no veículo procuraram por ele e Paulo Fonteles.

Em 27 de março, Mercês Castro, irmã de Antônio Teodoro Castro, desaparecido político no Araguaia e membro do GTT, sofreu um acidente em Marabá. “As porcas de um pneu do carro foi afrouxado e a roda foi cuspida do carro. Denunciamos isso para a Polícia Federal, enviamos isso para a juíza Solange Salgado”, relata Paulo Fonteles. “Mas não vamos abrir mão do nosso trabalho. Pode vir ameaça, mas não vamos arredar pé daqui”, conclui. Segundo Paulo Fonteles Filho, o primeiro registro de ameaça ocorreu em junho do ano passado, “contra o camponês Beca, morador de São Domingos do Araguaia, que foi torturado pela repressão política e é colaborador do GTT”.

Por Tatiana Merlino, de Marabá (PA) / Pública

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+ Detalhes.

ARAGUAIA

Guerrilheiro do CE pode ter deixado descendente

Publicado em 6 de janeiro de 2010

Lia Cecília mantém contato com Maria Mercês, irmã de Teodoro
ÁLBUM DE FAMÍLIA

Família do guerrilheiro Antônio Teodoro de Castro quer fazer o teste de DNA em Lia Cecília da Silva Martins, 35

O governo brasileiro ainda não conseguiu identificar e entregar às famílias os corpos dos cerca dos 100 mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia (1972-1975), estão incluídos os 69 militantes enviados pelo PC do B, entre eles, sete cearenses e moradores da região que aderiram ao movimento, eis que surge uma nova face do movimento a ser desvendado: a existência de oito pessoas, supostas filhas de guerrilheiros com nativas da região.

Assim, mais um capítulo na considerada história sem fim da Guerrilha do Araguaia pode estar começando, tendo como uma das protagonistas, a jovem Lia Cecília da Silva Martins, 35 anos. Residente em Belém, faz o primeiro ano do curso Gestão de Pessoas, trabalha no departamento pessoal de uma empresa, e há dois meses ficou órfã, cujas evidências levam a crer ser filha do guerrilheiro cearense, Antônio Teodoro de Castro, tinha o apelido de “Raul”, executado em 1974, pelo major Sebastião Curió, um dos principais repressores do movimento.

O fio do novelo desta trama começou a ser desenrolado a partir de uma série de reportagens feita pelo jornal Estado de São Paulo, no segundo semestre do ano passado, sobre os arquivos major, hoje, tenente-coronel Sebastião Curió, um dos poucos militares vivos que participaram da repressão ao movimento. Foi da boca de Zé Catingueiro, guia considerado como o braço direito de Curió, que veio à tona o drama de uma menina branca, que teria sido levada pelos militares e que pode ser a filha do cearense Theo, na época, 25 anos.

A notícia encheu de esperança a irmã do guerrilheiro, Maria Mercês Castro, 49 anos, até agora mantém contato por telefone e internet com a suposta sobrinha. Depois de abraçar a luta para encontrar e enterrar os restos mortais do irmão, resultando em oito idas à região do Araguaia, agora, encampa a de fazer o exame de DNA para o reconhecimento da paternidade da jovem.

Até o momento, ainda não teve uma resposta favorável por parte do governo para a realização do exame. Não se trata de um DNA normal, uma vez que o pai morreu, os avós paternos, restando apenas a família de Teodoro, todos com mais de 40 anos de idade.

A expectativa não é menor por parte da jovem, que desde os dez anos sabe que foi adotada, mas que nutre o desejo de saber quem foram seus pais. “Sou tranquila, tenho base espírita”, responde, justificando ter visão diferente a vida. “Mas fica um vazio, uma sensação de que algo está incompleto”, diz, ao se referir ao passado, embora essa reconstrução possa estar próxima. Conta como tomou conhecimento do fato: “Um amigo viu a reportagem e me ligou por achar parecido com a minha história”. Em julho entrou em contato com a família de Teodoro, seu possível pai. “Lia era o nome da companheiro do Raul”, lembra Maria Mercês de Castro, que torce para que a jovem seja mesmo a filha do seu irmão. “Se for, vou conhecer a minha família”, sonha Lia, completando que caso contrário, vai ganhar novos amigos.

Uma nova versão para sua vida começou a ser delineada em julho, ao saber que pode descobrir quem era o seu pai. O que sempre soube é que teria sido deixada por um delegado, de forma misteriosa, no abrigo Lar de Maria, em São Brás (Belém). Ela chegou em 1974 ao abrigo, no período do Natal, mesmo ano em que numa Quarta-Feira de Cinzas, o possível pai, Antônio Teodoro, foi executado no Araguaia, quando com fome e doente, procurava por comida.

Vítima de um sequestro que nunca ficou esclarecido, a menina Lia, foi deixada no orfanato, sendo adotada pelo casal Eumélia e Sandoval Martins, ambos mortos.

INVESTIGAÇÃO
Família perde esperança de encontrar restos de Teodoro

O sentimento é de frustração para Maria Mercês Castro, irmã do guerrilheiro cearense Antônio Teodoro de Castro, cujo corpo, pensava que estivesse enterrado na Serra do Matrinchã, próximo a uma touceira de açaí,uma limeira e um bambuzal. Na localidade de Brejo Grande, no Pará, perto da Serra do Matrinchã, foram executados vários guerrilheiros, por ocasião do fim do movimento.

“No dia 28 de agosto perdi a esperança de encontrar o corpo do meu irmão”. Esta era a informação repassada pelo guia, Isaías Prudente de Oliveira, conseguida de maneira informal, ou seja, independente das investigações do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT) que, segundo informações do ouvidor, Paulo Fonteles Filho, a pesquisa para identificar e localizar os corpos dos guerrilheiros desaparecidos é ininterrupta.

Após quase cinco meses no local, desembolsados R$ 2,6 milhões, o GTT – formado por integrantes da Polícia Federal, peritos forenses do Ministério da Defesa, governo do Pará, Exército, guias e familiares – só encontrou uma fossa séptica, uma pedra e um depósito de lixo cujos dejetos datam da época.

Convidada pela juíza da Primeira Vara Federal Solange Salgado, participou no dia 9 de dezembro de audiência pública para prestação de contas, em Brasília, com duração de seis horas. Na audiência, o grupo solicitou mais tempo e mais dinheiro para a continuação das buscas. Agora, diante do fracasso dessas últimas escavações, iniciadas no dia 12 de agosto, fica cada vez mais evidente a ocorrência, por volta de 1984 e 1985, da “operação limpeza”.

A própria Justiça pretende montar uma equipe de coleta de informações e análise formada por agentes federais e membros da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) para confirmar de uma vez por todas a realização do processo de apagar os rastros das execuções, dando fim aos corpos.

Conforme Maria Mercês Castro, “essa limpeza comprovadamente ocorreu por volta de 1984, 1985 para a retirada dos restos mortais dos guerrilheiros que foram levados para a Serra das Andorinhas.

IRACEMA SALES
REPÓRTER

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FICHA

Antônio Teodoro de Castro
Ficha Pessoal
Dados Pessoais
Nome: Antônio Teodoro de Castro
Cidade:

(onde nasceu)
Itapipoca
Estado:

(onde nasceu)
CE
País:

(onde nasceu)
Brasil
Data:

(de nascimento)
12/4/1945
Atividade: Estudante universitário
Universidade Universidade Federal do Ceará UFC

Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

Dados da Militância
Organização:

(na qual militava)
Partido Comunista do Brasil PC do B
Brasil
Nome falso:

(Codinome)
Raul, Ceará, Teo
Morto ou Desaparecido:
Morto
25/12/1973
PA Brasil
região do Araguaia, Gameleira
Segundo companheiros.
Clandestinidade

Morto
27/2/1974
PA Brasil
região do Araguaia
Segundo Relatório do Ministério da Marinha.
Clandestinidade

Dados da repressão
Biografia
Documentos
Legislação
Decreto n. 31.804 da cidade de São Paulo, conferindo nomes de mortos e desaparecidos políticos no período da ditadura militar a ruas de Cidade Dutra. Diário Oficial do Município, São Paulo, v. 37, n. 120, 27 jun. 1992, p. 7.

Legislação
Lei 9.140/95. Diário Oficial, Brasília, n. 232, 5 dez. 1995. Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, entre 02/09/61 a 15/08/79, e que por este motivo tenham sido detidas por agentes públicos, achando-se, desde então, desaparecidas, sem que delas haja notícias. No Anexo I desta Lei foram publicados os nomes das pessoas que se enquadram na descrição acima. Ao todo são 136 nomes.

Legislação
Lei 9.497/97. Diário Oficial do Município, Campinas, 20 nov. 1997. Atribui nomes de mortos e desaparecidos políticos no período da ditadura militar a ruas dos bairros Vila Esperança, Residencial Cosmo e Residencial Cosmo I.

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