O documento intitulado “Provável cisão no meio artístico esquerdista”, datado de 18 de agosto de 1977, é um relatório confidencial produzido pela Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI). Nele, o regime expressa preocupação com uma suposta divisão ideológica entre artistas de esquerda, a partir das posições públicas assumidas por figuras centrais da música e do cinema brasileiros. O foco principal recai sobre artistas ligados ao movimento tropicalista, especialmente Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Glauber Rocha, cuja defesa de uma “arte livre” é apresentada como uma ruptura com os princípios marxistas da arte engajada.
Segundo o relatório, essa mudança de posicionamento foi percebida como um abalo dentro das “hostes artísticas esquerdistas”, gerando críticas de outros artistas e jornalistas que defendiam o engajamento político e ideológico da arte. A partir de entrevistas e artigos na imprensa da época, o documento apresenta declarações de Caetano e Gil que rechaçam a ideia de que o artista deva ser um “repórter de seu tempo”, defendendo a liberdade de criação e o distanciamento de compromissos ideológicos rígidos. Essa postura foi vista como alienante por parte da crítica e por músicos como Aquiles Reis (MPB-4) e jornalistas como Silvio Lancellotti e Sérgio Jaguaribe. O texto mapeia três grupos: os defensores da “arte livre”, os da “arte engajada” e um terceiro grupo moderado, onde se situam Chico Buarque e Jards Macalé.
O relatório não apenas registra esse debate cultural como o interpreta sob a ótica da vigilância política, sugerindo que tal cisão poderia ter implicações relevantes no campo da comunicação e da ideologia. Além de ressaltar o possível “afastamento” de Chico Buarque da esquerda, o SNI recomenda o acompanhamento contínuo do tema pelos órgãos de informação. Dessa forma, o documento revela o interesse estratégico do regime na esfera simbólica da produção artística, tratando divergências estéticas e conceituais como possíveis indícios de enfraquecimento da militância de esquerda — o que evidencia o quanto o campo cultural era politicamente disputado naquele momento de intensas tensões entre repressão, censura e afirmação criativa.
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