Ele morava no bairro operário Cidade Nova, periferia de Foz do Iguaçu.
Eu conheci Estanislau Kokojiski em agosto de 2006, quando ele me procurou para ajudá-lo em seu pedido de reparação na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Seu requerimento havia sido indeferido dois meses antes.
Quando Estanislau foi falar comigo ele estava mal, muito mal. As palavras lhe saíam com muita dificuldade Não conseguia falar, tinha um tremor contínuo nas mãos, andava encurvado e com as pernas bambas. Nem parecia aquele homem de mãos firmes no volante conduzindo os ônibus da Viação Transbalam. Estanislau dependia de uma mísera aposentadoria e morava no Bairro Boa Vista, região da Cidade Nova, periferia de Foz do Iguaçu.
Ouvindo com paciência e após três entrevistas, eu consegui entender o caso.
Quando irrompeu o golpe civil-militar de 1964, Estanislau Kokojiski morava em Cascavel, Paraná, e era presidente do Sindicato dos Produtores Autônomos da Lavoura.
Ao me contar o que havia acontecido 42 anos atrás a tremedeira aumentava e seus olhos celestes perdiam o brilho. Lacrimejavam com a lembrança daqueles anos de sofrimento.
Num daqueles primeiros dias de abril de1964, a polícia invadiu sua casa, revirou tudo que havia dentro, alegando procurar propaganda comunista e ameaçando ele e seus familiares de morte.
Estanislau foi levado para a delegacia enquanto os policiais encostaram um revolver na cabeça de sua esposa, exigindo que ela mostrasse onde estavam as propagandas comunistas. Dona Rosalina desmaiou na presença de suas três filhas menores. Uma delas correu para a casa de um vizinho, acometida de grave crise nervosa, vindo mais tarde a perder a memória por completo.
Enquanto isso na Delegacia de Polícia de Cascavel, Estanislau era torturado no pau-de-arara, levando golpes de telefone (tapas nos ouvidos) e afogamento em um tanque d’água. Ficou um ano e trinta dias preso em Cascavel e mais um ano e três meses preso em Curitiba, nos presídios do Ahú e Curitiba. Preso, sem processo, sem advogado e sem contato com a família.
No presídio do Ahú foi obrigado a trabalhar numa construção. Chegou a resistir, mas depois de levar socos e pontapés, subiu num andaime mal feito que não resistiu o seu peso e desmontou. Estanislau caiu, quebrando o pé direito. Durante três meses andou de muletas.
Em julho de 1966, ao voltar para casa, encontrou sua esposa de cama. Devido aos sofrimentos ela sofreu um derrame. Vendeu o sítio para pagar as despesas médicas, mas não adiantou. Dona Rosalina morreu naquele mesmo mês de julho.
Essa história eu fui montando na medida que conversava com Estanislau Kokojiski. Sabia que alguma coisa havia passado com ele quando os militares derrubaram o governo do presidente João Goulart e impuseram a ditadura ao povo brasileiro. Sabia. Apenas sabia, sem detalhes. Foram muitas as prisões naquele abril de 1964. Aqui no Paraná, prenderam trabalhistas, comunistas, sindicalistas e todos que eram denunciados como membros do “grupos dos onze”.
Estanislau foi uma das vítimas das muitas razzias ocorridas naquela ocasião. O drama do motorista de ônibus aposentado me comoveu e atiçou minha curiosidade e ânsia de brigar por justiça.
O requerimento de Estanislau Kokojiski havia sido indeferido na Comissão de Anistia por ele não ter provado motivação política para sua prisão.
Fui então atrás das benditas provas e no início de 2007 eu tinha em mãos os documentos da Delegacia de Ordem Política e Social – DOPS, do Paraná, onde constava o nome de Estanislau num listão de presos sob acusação de serem comunistas. E mais, um outro documento mencionando que Estanislau Kokojiski “foi preso em cumprimento de mandado judicial por atividades subversivas”.
Fiz cópia dos documentos e fui até o bairro Cidade Nova levar a boa nova para o meu amigo. Mostrei os papéis, ele olhou pra mim sem demonstrar emoção e sem pronunciar nenhuma palavra. Estanislau estava muito mal, sua vida andava por um fio.
Preparei o requerimento e enviei para Brasília em agosto de 2007 e para acelerar a tramitação juntei um atestado médico.
No dia 10 de abril de 2008, recebi a notícia de que o requerimento foi deferido. Estanislau Kokojiski havia sido anistiado e o Estado Brasileiro pedido desculpas a ele e sua família pelas perseguições e sofrimento ocorridas durante a ditadura civil-militar.
Corri para leva a boa notícia, para dizer ao bom amigo que sua luta não foi em vão. Que ele estava certo quando assumiu a presidência do Sindicato dos Produtores Autônomos de Cascavel, que valeu a pena ter lutado por justiça, que o Estado Brasileiro havia reconhecido que ele é um homem bom e justo.
Não deu. Quando cheguei na casa humilde do bairro operário, o homem bom e justo estava sendo velado.