Nasceu em 9 de agosto de 1949, no Rio de Janeiro (RJ), filho de João Baptista Xavier Pereira e Zilda Xavier Pereira. Morto em 20 de janeiro de 1972. Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Participou do movimento estudantil secundarista e foi diretor do Grêmio do Colégio Pedro II, no Rio, em 1968, com Luiz Afonso de Almeida, Aldo de Sá Brito e Marcos Nonato da Fonseca – estes dois últimos também assassinados pela ditadura instaurada em 1964.
Conheceu desde cedo a perseguição e a repressão que atingiu sua família com o golpe de Estado de 1964 e ingressou, ainda muito jovem, no PCB. Era irmão de Iuri Xavier Pereira, assassinado pela repressão política em 14 de junho de 1972.
No PCB, alinhou-se com aqueles que defendiam a luta armada contra a ditadura, unindo-se ao grupo liderado por Carlos Marighella, e ingressou na ALN.
Participou de curso de guerrilha em Cuba e a foto de seu rosto apareceu em diversos cartazes distribuídos pelo país, com o título “Terroristas Procurados”. Tornou-se chefe de um Grupo Tático Armado da ALN, empreendendo intensa atividade política. Passou a viver na clandestinidade e respondeu à revelia a alguns processos na Justiça Militar.
A versão oficial de sua morte divulgada pela imprensa foi, conforme O Estado de S. Paulo, de 22 de março de 1972, a seguinte:
O volks de placa CK 4848 corre pela Avenida República do Líbano. Em um cruzamento, o motorista não respeita o sinal vermelho e quase atropela uma senhora que leva uma criança no colo. Pouco depois, o cabo Silas Bispo Feche, da PM, que participa de uma patrulha, manda o carro parar. Quando o volks pára, saem do carro o motorista e seu acompanhante atirando contra o cabo e seus companheiros; os policiais também atiram. Depois de alguns minutos três pessoas estão mortas, uma outra ferida. Os mortos são o cabo da Polícia Militar e os ocupantes do volks, terroristas Alex de Paula Xavier Pereira e Gelson Reicher.
A nota informou os nomes falsos usados por Alex e Gelson junto aos verdadeiros e, graças a essa informação, os familiares de Alex puderam encontrar seus restos mortais, em 1979, enterrado como indigente com o nome de João Maria de Freitas, no Cemitério D. Bosco, em Perus, na cidade de São Paulo. Ao mesmo tempo em que assumiram a morte dos dois militantes e suas verdadeiras identidades por nota oficial, seus corpos foram enterrados com os nomes falsos.
Os restos mortais de Alex foram trasladados para o Rio de Janeiro, em 18 de outubro de 1980, após a ação de retificação dos registros de óbito, junto com os de seu irmão, Iuri.
Até a abertura dos arquivos do DOPS/SP, em 1992, o único questionamento que os familiares faziam à versão oficial era quanto ao fato de que, mesmo conhecendo a identidade de Alex, os órgãos de segurança enterraram-no com nome falso, para impedir o acesso ao seu corpo. Mas fotos dos corpos de Alex e Gelson foram encontradas nos arquivos do DOPS/SP e indicavam prováveis escoriações e hematomas. A Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, mesmo sem poder contar com boas condições técnicas, reproduziu as fotos, que foram enviadas ao médico legista Nelson Massini, para a realização de um parecer.
Nos arquivos do DOPS/SP descobriu-se também o depoimento de um militante da ALN que, preso, indicara os possíveis locais de encontro com Alex. Esse fato derrubava a idéia de que o ocorrido foi um encontro casual, indicando que o volks teria sido seguido desde o bairro de Moema até a avenida República do Líbano, local próximo ao quartel do II Exército, onde teria acontecido o tiroteio, ou onde, provavelmente, se montou o “teatro” para forjar um tiroteio.
A análise das fotos e do laudo necroscópico assinado por Isaac Abramovitc e Abeylard Queiroz Orsini comprovou que a versão oficial não se sustenta. O novo laudo, elaborado pelo legista Nelson Massini, em 6 de março de 1996, atesta que Alex fora morto sob torturas. Nas suas conclusões, Massini afirmou:
Podemos concluir, com absoluta convicção, que o Sr. Alex de Paula Xavier Pereira esteve dominado por seus agressores que produziram lesões vitais e não mortais anteriores àquelas fatais, e assim submetido a um caso de tortura.
Os corpos de Gelson e Alex chegaram ao necrotério do IML vestidos apenas com cuecas. Como, quando, onde e por que foram despidos? E por que a morte dos dois só foi publicada 48 horas após o ocorrido? Estando oficialmente identificados, como mostram vários documentos, por que foram enterrados com nomes falsos?
Iara Xavier Pereira, em audiência realizada pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo em 24 de fevereiro de 2013 declarou que: “Nós temos declarante da certidão de óbito Francisco Brandino dos Santos Filho, que vai e declara que aquele é João Maria de Freitas e Emiliano Sessa, ocorrendo na falsidade ideológica. Ele é um servidor público, um funcionário público, policial militar. Para complicar ainda um pouco mais e mostrar como era a máquina, Dr. José Carlos [Dias] e Dr. Adriano [Diogo], passados alguns meses, o juiz auditor Nelson da Silva Guimarães Machado, que está vivo, foi convocado e não vai comparecer, reside no Rio; ele encaminha um ofício para o delegado do DOPS, Dr. Alcides, solicitando que sejam encaminhadas certidões de óbito de Alex e de Gelson para que seja extinta a punibilidade. Esse delegado, eu não sei qual é o termo jurídico, comete mais, no meu entender, um crime. “Encaminho ao senhor”, excelentíssimo juiz, “a certidão de óbito de João Maria de Freitas e de Emiliano Sessa”, que eram as identidades falsas de Alex de Paula e de Gelson Reicher com a qual eles portavam e aí foram sepultados. E o juiz, pasme, ainda que seja um juiz auditor, recebe essas certidões e extingue a punibilidade com base num documento falso, pra mim é falso; e sequer determina que sejam retificados os óbitos, ao menos isso; “olha, vocês cometeram um equívoco, agora retifica”. Não. E assim e mais outros casos, como de Flávio Molina, Frederico Mayr e tantos outros, este mesmo juiz e o outro, porque eram dois; José Paulo Paiva, que já faleceu, recebem as certidões extinguem e não determinam nada. Então nós vemos que a operação que eles tinham era do DOI, operação, busca, captura, morte; passava pela conveniência no IML; passava, pra mim, pela conveniência do cartório, do 20º Cartório aqui do Jardim América, onde mais de 90% dos atestados de óbito, sejam falsos, sejam os verdadeiros, foram lavrados; passavam pela conveniência dos médicos legistas, adulterando os laudos de necropsia, aos declarantes de óbito, e chegavam na justiça, na máquina perfeita e montada para esconder os crimes”.
Iara Xavier Pereira relata ainda que: “Gelson [Reicher] levou pelo menos 10 tiros, isso relatado pelo próprio Isaac Abramovitc; Alex, sete. Os agentes envolvidos na morte de Alex, que nós conseguimos algumas pistas com os documentos… Para todos os nomes que eu vou citar aqui existe um documento. O comandante do DOI-CODI então, em janeiro de 1972, Carlos Alberto Brilhante Ustra, o tenente Leão, ferido durante a captura onde é morto o cabo Silas Bispo Fech; Pedro Ivo Moézia de Lima, capitão à disposição do DOI-CODI do Exército, chefe da seção administrativa; Dulcídio Wanderley Boschilia, primeiro sargento, à disposição do DOI-CODI do Segundo Exército; Renato D’Andréa, delegado da polícia em janeiro de 1972, adido ao DOI-CODI. A turma de busca e apreensão B3C1, integrante do DOI-CODI, que é quem faz as apreensões… Eu gostaria aqui, Dr. José Carlos e Dr. Adriano, que seja intimado pra saber as turmas, os nomes. Não constam os nomes. Jair Romeu, que era do IML de São Paulo; Antônio Valentim, médico legista, Isaac Abramovitc, médico legista, Abeylard de Queiroz Orsini, médico legista. São os três médicos envolvidos no laudo falso. Arnaldo Siqueira, diretor do IML; Nelson da Silva Machado Guimarães, juiz auditor da Segunda Auditoria. Dr. José Paulo Paiva, juiz auditor da Primeira Auditoria, que receberam as certidões emitidas com nomes falsos foram coniventes com a ocultação de cadáver, já que não determinaram a retificação dos atestados de óbito. Alcides Cintra Bueno, delegado titular, que encaminhou as certidões falsas ao juiz e Francisco Brandino dos Santos Filho, declarante das certidões falsas de Alex e Gelson”.
Francisco Carlos de Andrade em audiência realizada pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo no dia 24 de fevereiro de 2014 declarou que: “Bom, primeiro o caso do Alex e do Gelson. Eu fui preso em novembro de 1971, final de novembro de 1971, entre interrogatórios de polícia, não sei o quê, tinha uma coisa que… Eles me levaram algumas vezes no prédio do Detran na tentativa de identificar uma pessoa, que agora eu não sei quem é, porque eles achavam que essa pessoa, que era um militante também, mas não consigo me recordar, tinha uma habilitação legal, então deveria ter um prontuário no Detran com a foto dele, algum registro de alguma coisa. Então me levaram algumas vezes nesse prédio do Detran, já era aí, pra ver esses formulários, esses prontuários. Num desses dias, que eu não me lembrava bem, acabei de ler aqui agora também, eles são chamados, alguma comunicação de rádio; pegam-me, põem dentro daquela C14 que eles usavam e passam por aqui, alguma coisa, eu até já andei por aqui com a Iara. Eu não sei se é na Avenida Ibirapuera ou na República do Líbano, alguma coisa. Eu sei que era uma avenida porque essa viatura, esse carro do DOI-CODI chegou, porque eu estava, parou do outro lado. Parou na pista do outro lado, tinha um canteiro central com árvores e na outra pista tinha um Fusca branco, um Volkswagen branco. Quando nós nos aproximamos, a porta do motorista estava aberta, o Gelson estava no banco do motorista caído pra trás com a cabeça levantada e dava pra ver bem que ele tinha tomado um tiro na testa. Você diz que ele levou 10 tiros. Esse era bem fácil de ver. E o Alex estava no banco do carona, meio que caído em cima dele mesmo, mas com uma jaqueta preta que eu conhecia bem. O Alex eu também conhecia muito bem. Aliás eu acho até que me pediram pra identificar e aí eu falei quem era. Mas então a cena em que eles apareceram mortos foi essa aí. Numa dessas avenidas aqui perto, dentro de um Fusca branco. Estavam de roupa, você disse que eles depois aparecem… Estavam normais. Uma coisa é como se tivesse acabado de acontecer, não sei se pode ter sido alguma montagem, alguma coisa, podem ter trazido eles de outro lugar, eu não sei. Mas a cena que eu vi foi essa aí. Estavam os dois mortos dentro desse Fusca branco. E a porta do motorista estava aberta. (…)”.
Francisco Carlos de Andrade afirma ainda que: “Não, não ouvi tiro nenhum. Eu acho que aconteceu alguma coisa e eles chamaram essa viatura que eu estava e aí eles passaram lá. Aliás, eu já andei por aqui com a Iara, a gente já tentou localizar algum local, se tinha algum morador que tivesse ouvido tiroteio, alguma coisa, mas nunca conseguimos nada. (…) O banco? [foi perguntado se o banco do carro estava sujo de sangue]. Ah, não dava para… Foi uma cena muito… Uma coisa meio rápida. O Gelson estava caído assim, com a cabeça pra trás, com um tiro na testa. Ah, tá. Estava caído no banco com a cabeça pra trás com um tiro na testa, devia ter mais, porque a Iara falou que foi executado com 10, e o Alex estava no banco do carona caído, meio que em cima dele mesmo com a cabeça tombada. E mortos. E segundo o comentário ali a coisa tinha acabado de acontecer. Mas existem suspeitas de que aquilo pode ter sido uma coisa encenada e montada. (…). Dava a impressão de que foram trazidos mortos da rua em algum carro e colocaram os corpos ali. A impressão que dava era isso, não é a de que foram mortos ali, não. Foram trazidos mortos e colocados ali. (…) Tinha, tinha. Estava. Eu acho que a porta tinha tiros também. Buracos. [ao ser questionado se o veículo tinha perfuração, se estava com os vidros quebrados]. (…) o vidro da frente estava quebrado. Tinha na porta e não sei se em outros locais, não. Porque eu fiquei muito impre… Eu fiquei mais olhando para os dois do que … Mas deu pra perceber que o vidro da frente estava quebrado e a porta tinha buracos. (…) [Alex estava] No banco do carona, caído sobre ele mesmo. O Gelson estava caído pra trás e o Alex estava caído meio que sobre ele mesmo, pra frente”.
Na audiência da CEMDP, (criada pela Lei 9.140/95) o caso de Alex (206/96), tendo como relator Paulo Gustavo Gonet Branco, foi deferido em 2 de janeiro de 1997, por 6 votos a favor e 1 contra, o do general Oswaldo Pereira Gomes.
Na CEMDP, o primeiro processo examinado foi o de Alex, sustentando sua família que a versão de morte em tiroteio era incompatível com os documentos encontrados no arquivo secreto do DOPS e no IML de São Paulo. Em seu voto, informou o relator: “Aponta-se que antes do encontro dos agentes públicos com o grupo opositor, os organismos de segurança já tinham informações sobre as características físicas de Alex Pereira e os locais de ponto em que poderia aparecer. Nesse sentido, foi anexado ao processo depoimento de militante da ALN, prestado em organismo militar entre os dias l8 e l9 de janeiro de l972, em que descreve Alex e indica locais de encontro. Em um segundo interrogatório,
ocorrido em fevereiro de l972, o mesmo militante enfatiza a utilidade da sua colaboração para com o órgão de repressão, mencionando, nesse sentido, a revelação do ponto da rua Jandira nº 500, onde compareceram Alex Paula Xavier Pereira (Miguel) e Gelson Reicher (Marcos), que morreram em tiroteio com os agentes das forças de segurança”. Outros documentos confirmaram que o encontro entre militantes e agentes não fora casual, conforme fazia crer o comunicado oficial (conforme o livro Direito à Memória e à Verdade, p. 277).
A prova de que Alex e Gelson teriam sido levados a outro local após o tiroteio foi trazida pelos documentos do IML/SP: Alex e Gelson deram entrada no órgão trajando apenas cuecas. O exame feito pelo legista Nelson Massini nas fotos do corpo de Alex e nos documentos do IML comprovou que a versão oficial não se sustentava. O laudo do IML descrevia apenas os ferimentos produzidos por projétil de arma de fogo, indicando como causa da morte anemia aguda traumática. Nenhuma referência foi feita às equimoses e escoriações visíveis em seu corpo: nos olhos, no nariz, no tórax e nos dois braços. Afirmou o legista que “com a descrição destas lesões podemos afirmar que o Sr. Alex esteve preso por seus agressores, que provocaram lesões não fatais e posteriormente desferiram lesões mortais, sendo as primeiras absolutamente desnecessárias tendo contribuído apenas para aumento do sofrimento antes da morte configurando-se o verdadeiro processo de tortura”. O relator considerou que o parecer técnico era consistente com a tese da requerente de que, ao tiroteio, seguiu-se a detenção de Alex, culminada com a sua morte.
A Comissão da Verdade do Estado de São Paulo fez a 108ª audiência pública sobre o caso no dia 24 de fevereiro de 2014. (ver transcrição em anexo)
Fontes investigadas:
Conclusões da CEMDP (Direito à Memória e à Verdade); Dossiê Ditadura – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil – 1964-1985, IEVE. Contribuição da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo: 108ª audiência pública sobre o caso de Alex de Paula Xavier Pereira, realizada no dia 24/02/2014.
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