No dia 27 de agosto de 1980, explodia uma carta-bomba endereçada à avenida Marechal Câmara, 210, 6° andar, centro da cidade do Rio de Janeiro. Ali funcionava o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o destinatário da sinistra correspondência era seu então presidente, Eduardo Seabra Fagundes, que no dia da explosão estava viajando. A chefe da Secretaria da OAB, dona Lyda Monteiro da Silva, ao voltar do almoço e abrir a carta, foi a vítima. A explosão fez tremer o andar do edifício, além de arrebentar com a mesa de dona Lyda, que veio a falecer no caminho para o Hospital Souza Aguiar. O que restou da mesa está exposto hoje no Museu Histórico da OAB, que pertence ao Centro Cultural Evandro Lins e Silva da entidade e está situado no Setor de Autarquias Sul, em Brasília.
No dia da explosão quem estava no exercício da presidência da OAB era o futuro presidente do STF e do TSE, José Paulo Sepúlveda Pertence. A explosão ocorreu 13h40 do dia 27 de agosto. A funcionária Lyda Monteiro da Silva, então com 59 anos de vida e 44 de serviços prestados à OAB, foi fatalmente vitimada. Cerca de seis mil pessoas participaram do enterro da funcionária Lyda Monteiro, realizado em tom de protesto, a despeito da posição da família, que não desejava o cortejo transformado numa manifestação política. Partindo da sede da OAB em direção ao cemitério São João Batista, em Botafogo, a caminhada de 8 km foi marcada por faixas de protestos e acompanhada pelo 5.º Batalhão de Polícia Militar se estendendo por cerca de três horas e meia.
Sua morte brutal e trágica marcou profundamente a Ordem dos Advogados do Brasil desde o primeiro instante. O Conselho Federal empenhou-se em ver o caso apurado, mas não teve êxito. Vários apelos foram realizados na primeira sessão, logo após o atentado, quando a exaltação era predominante e no ano de 1994, quando a OAB tentou em vão desarquivar o caso. Até hoje o nome Lyda Monteiro da Silva aparece como um estigma de impunidade ressaltando a inoperância e a desatenção do governo com relação aos setores contrários à abertura do regime.
A secretária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Lyda Monteiro foi assassinada em 27 de agosto de 1980, por agentes do Centro de Informação do Exército (CIE), ao abrir uma carta-bomba, revelou hoje (11) a Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio), vinculada ao governo do estado. A correspondência era endereçada ao então presidente da entidade, Eduardo Seabra Fagundes, mas foi aberta por Lyda, secretária dele. Na época, a OAB denunciava desaparecimentos e torturas de perseguidos e presos políticos.
Com base em depoimentos de testemunhas, fotos e retratos falados, a comissão identificou a participação do sargento Magno Cantarino Motta, codinome Guarany, que entregou a bomba pessoalmente na sede da OAB; o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que confeccionou o artefato e o coronel Freddie Perdigão Pereira, que coordenou a ação. Guarany é o único vivo entre eles.
A elucidação do caso foi possível após a identificação de uma testemunha ocular que trabalhava na OAB quando ocorreu o atentado. No entanto, para preservar a fonte, a comissão não vai divulgar nomes. “Pelo nosso compromisso com a testemunha e com a família, a única coisa que podemos dizer é que ela é testemunha ocular. Ela estava presente no 4º andar quando o Magno Cantarino, o Guarany, foi lá levar a carta-bomba”, disse Wadih Damous, deputado federal que presidia a Comissão Estadual da Verdade, durante as investigações.
O filho da secretária Lyda, Luiz Felippe Monteiro, disse que o desfecho do caso é um alento, 35 anos depois de ações do Estado terem impedido uma investigação justa sobre a morte da mãe dele.
“A verdade está devidamente contada e a história reestabelecida. Tirei o maior peso que jamais imaginei que conseguisse carregar”, desabafou. ” Vi meus filhos mais velhos estudarem o atentado da OAB no ensino médio, porém, não havia desfecho nos livros escolares. Agora, os pequenos terão a história completa, com todos os elementos devidamente registrados”, completou ele, que tem filhos de 5 e 8 anos.
Apesar do reconhecimento pelo Estado Brasileiro de que a morte de Lyda ocorreu em função da perseguição do regime militar a ativistas políticos, Luiz Felipe Monteiro não abre mão de um pedido de desculpas do ministro da Defesa e dos comandantes das Forças Armadas. “Esse pedido não é só para mim, mas para toda nação por esse odioso atentado”, concluiu.
Os agentes militares que participaram da ação contra a OAB são os mesmos envolvidos no fracassado atentado à bomba, ocorrido em 1° de maio do ano seguinte, no estacionamento do Riocentro, durante um show com mais 10 mil pessoas em comemoração ao Dia do Trabalho. No episódio, o sargento Rosário morreu quando a bomba que seria lançada sobre a multidão explodiu em seu colo, no carro onde estava. À época, o governo atribuiu a explosão a militantes de esquerda, versão esclarecida anos mais tarde.
“A OAB tinha um papel importante na defesa dos direitos humanos e restauração das liberdades democráticas”, disse Rosa Cardoso, presidente da CEV-Rio, ao ler o relatório com revelações sobre o caso. “Para intimidar a entidade, o grupo que agia sob o comando do CIE, iniciou uma série de atentados que tiveram como alvos parlamentares de oposição, bancas de jornais, jornais e entidades”.
Ao longo de dois anos, em 2014 e 2015, a Comissão procurou insistentemente o sargento Guarany, que ainda mora no Rio, mas ele se recusa a dar depoimentos sobre o período.