Ano de 1971, Ana Beatriz (Bia) tem 17 anos e estuda na 2ª. Série do Colegial. Ela trabalha num escritório de arquitetura e tem seus movimentos seguidos pelos militares. Em uma manhã fria de Curitiba, Bia sai para seu primeiro dia de trabalho num novo emprego em uma estatal. Ao chegar ao departamento de Recursos Humanos da empresa é surpreendida por policiais da DOPS, que a levam detida sob a acusação de ser colaboradora de estudantes subversivos ligados a UNE e ao DCE da Universidade Federal do Paraná.
Depois de a torturarem brutalmente na sede da DOPS e no Quartel General do Exército em Curitiba por três dias, ela é levada com outro jovem para Foz do Iguaçu sob suspeita de terem conexões com uma célula do grupo de guerrilha armada VAR-Palmares, que luta contra a ditadura.
Após resistir a dez dias de torturas sem que os militares comprovassem o envolvimento dela com as acusações, Bia é trazida de volta à Curitiba toda estraçalhada e entregue aos pais por um oficial do exército que, ao devolvê-la à família, simplesmente diz: “Desculpem, foi um engano”.
Ana Beatriz Franco Fortes, era uma adolescente de 17 anos, estudante secundarista de uma escola pública em Curitiba. Ela tem uma irmã um pouco mais velha, Elizabeth Franco Fortes, que está cumprindo pena de 18 meses no presídio do Ahú em Curitiba porque fazia parte do movimento estudantil paranaense.
Como a irmã mais velha está presa e as duas eram muito apegadas, ela vai todo domingo visitar Elizabeth no presídio do Ahú. Os militares e o DOPS de Curitiba continuam na caça de outras lideranças estudantis e desconfiam das constantes visitas de Beatriz ao presidio e decidem monitorar os passos dela. Ao fotografarem a rotina cotidiana da garota, percebem que ela sempre circulava pela Universidade Federal, mesmo ainda não sendo uma universitária e deduzem que ela possa estar servindo de pombo-correio entre as lideranças presas e os estudantes do lado de fora.
Passam então a prestar mais atenção nos movimentos de Beatriz e percebem que na sua rotina, além da escola, visitas semanais ao presídio, ela também faz estágio num escritório de arquitetura. Mas o que chama ainda mais atenção dos militares e do DOPS é que toda semana ela, e sempre nas segundas-feiras, vai numa mesma agência bancaria no centro de Curitiba do então Banco do Estado do Paraná – BANESTADO.
Eles desconfiam que as operações financeiras que Beatriz faz sejam depósitos de dinheiro do movimento estudantil “subversivo” e decidem que era preciso interroga-la para tirar a história a limpo.
De uma hora para outra, surge no colégio em que ela estuda uma equipe dos Recursos Humanos de uma estatal, a SANEPAR – Cia de Água e Saneamento do Paraná, oferecendo oportunidades de estágio para jovens estudantes e o critério de seleção seria pelas boas notas.
E evidentemente, Beatriz foi à escolhida naquele colégio. A família ficou toda empolgada, pois estava ali uma oportunidade de ser futuramente efetivada na empresa e ter a tão sonhada estabilidade garantida desde cedo, pois as regras de funcionalismo público naquele momento eram outras e uma jovem estagiária poderia sim vir a ser efetivada através de concursos internos depois. Mais tarde ficou constatado que tudo não passava de uma armação para ficar mais fácil de interrogarem Beatriz, o que aconteceu logo no primeiro dia de trabalho dela na Estatal.
Quando ela chegou à Estatal, oficiais do DOPS de Curitiba e do Quartel General do Exército já aguardavam por ela para interrogatório ali mesmo. Portanto, o governo do estado do Paraná estava ciente do fato e colaborava com isso. Durante a conversa com Beatriz na Estatal, os militares revistam a mochila escolar dela e encontram escondida no meio de um livro uma carta endereçada a outro estudante, Elias.
Os policiais e militares desconfiam que aquela carta saiu do presidio do Ahú numa das visitas que ela fez por lá, o que confirmaria a suspeita do DOPS que ela estava servindo de pombo-correio, mas ela negava toda e qualquer suspeita.
Beatriz se nega também a dizer quem é o destinatário da carta, ou melhor, afirma categoricamente não saber de quem se trata e é então levada dali direto para a Delegacia do DOPS.
No mesmo dia os policiais do DOPS saem à caça de Elias e prendem o jovem na Reitoria da UFPR e o levam até a delegacia e fazem acareação com os dois. Mas ela continua negando conhece-lo.
Da delegacia do DOPS os dois são transferidos no mesmo dia para o Quartel General do Exército em Curitiba, onde começam a ser torturados. Depois de três dias de torturas ali, o rapaz confessa que faz parte de um grupo de guerrilha armada contra o regime militar que se instalou na região de Foz do Iguaçu, no oeste do estado. Trata-se de uma célula da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares – VAR Palmares.
Sabia-se que uma das atividades da VAR-Palmares eram assaltos a bancos para levantar dinheiro para financiar o movimento de resistência. Qual foi então a dedução lógica que os militares fizeram: “se o rapaz faz parte da VAR-Palmares, Beatriz também deve fazer e o dinheiro que ela sempre deposita no banco, vem daí”. Ou seja, automaticamente deduziram que ela também era integrante da guerrilha.
Ela continuava negando qualquer participação e alegava que o dinheiro era do então chefe dela, o arquiteto dono da empresa onde ela fazia estágio.
Os militares decidem então levar os dois para Foz do Iguaçu para tentar chegar aos demais integrantes da VAR-Palmares na região. Enfiaram os dois num avião da aeronáutica e quando a aeronave chega a Foz do Iguaçu, começa a sobrevoar as Cataratas do Iguaçu de forma circular e os dois jovens são pendurados de ponta cabeça do lado de fora da aeronave, segurados pelas pernas, sob a ameaça de que serão jogados nas cataratas se não confessarem o resto que sabem.
Beatriz é então trazida de volta para Curitiba e entregue para família por um Tenente do Exército Brasileiro, toda estraçalhada, que ao deixa-la na casa dos pais, simplesmente diz: “Desculpem, foi um engano”
Texto de Entrelinhas