No dia 15 de agosto de 1969, a Ação Libertadora Nacional (ALN), organização que teve entre seus dirigentes o guerrilheiro Carlos Marighella, realizou uma audaciosa operação na cidade de São Paulo.
Diferente de outras ações ousadas da época como o assalto ao trem pagador ou o sequestro do embaixador dos EUA, o objetivo dessa não era obter dinheiro e nem a libertação de presos políticos, mas a transmissão de um manifesto pelas ondas do rádio, o meio de comunicação com maior alcance no país.
“Atenção, muita atenção! Senhoras e senhores: tomamos esta emissora para transmitir a todo o povo uma mensagem de Carlos Marighella”. Com essa abertura, os ouvintes da Rádio Nacional paulista, afiliada da Rede Globo, foram alertados sobre o conteúdo que seria transmitido a seguir, por volta das 08h30 daquela sexta-feira, cujo sinal alcançaria o raio de 600 km nesse horário, conforme registrou o jornalista Mário Magalhães no livro “Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo”.
A voz que ecoava nas ondas do rádio não carregava o sotaque baiano de Marighella, apesar de o texto ser de sua autoria. Quem emprestou voz ao manifesto foi o estudante paulista da Escola Politécnica da USP, Gilberto Luciano Belloque, que bolou a estratégia junto ao companheiro José Carlos Lessa Sabbag e apresentou aos dirigentes da ALN, Marighella e Joaquim Câmara Ferreira. “Eles gostaram da ideia, que era muito simples do ponto de vista operacional”, lembra Belloque.
O texto preparado por Marighella começava falando sobre ações recentes que estavam sendo atribuídas a ele e sua organização, como o incêndio provocado nas instalações das TVs Globo, Record e Bandeirantes na capital paulista.
“Brasileiros, queremos esclarecer a opinião pública que os últimos atentados contra as emissoras de TV são contra os revolucionários. Deixamos bem claro que nossos atos de sabotagem e terrorismo são voltados contra a ditadura militar e o imperialismo americano”, dizia a mensagem com o Hino da Independência ao fundo.
Na sequência, a mensagem listava as prioridades da organização contidas no manifesto Ao Povo Brasileiro: derrubar a ditadura militar e anular todos os seus atos desde 1964, formar um governo do povo, expulsar do país os norte-americanos, expropriar firmas, bens e propriedades deles e dos que com eles colaboram, expropriar os latifundiários, acabar com o latifúndio, trannsformar e melhorar as condições de vida dos operários, dos camponeses e das classes médias, entre outros. Ao todo, foram 138 linhas transcritas pelo serviço secreto do Exército, anota Mário Magalhães em seu livro.
A gravação do manifesto foi providenciada em um estúdio para produção de jingles de um amigo de Sabbag, na capital paulista. Para a sessão de gravação do texto, estiveram presentes apenas Belloque, Sabbag e o dono do estúdio.
Ouça trecho da entrevista com Gilberto Belloque:
Para realizar a ação, que contou com a participação de cerca de 12 pessoas distribuídas em um fusca e um Aero Wyllis, os guerrilheiros não ocuparam o estúdio da rádio, localizado na região central da capital paulista, mas os transmissores que ficavam a 27km dali, em Piraporinha, hoje divisa entre o município de Diadema e São Bernardo do Campo. Metade entrou no prédio onde ficavam os transmissores e metade ficou do lado de fora,esperando. A ideia partiu do próprio Belloque, que já havia trabalhado em rádio no município de Monte Aprazível.
Repercussão
A mensagem transmitida pela Ação Libertadora Nacional não ficou restrita aos ouvintes da rádio graças à atuação de Joaquim Câmara Ferreira, que entrou em contato com Hermínio Sacchetta, seu antigo companheiro de PCB (Partido Comunista Brasileiro). Apesar das divergências políticas e caminhos diferentes trilhados por ambos após a saída do partidão, Sacchetta prontamente se colocou à disposição para colaborar na ação. Como diretor de redação do Diário da Noite, já com o manifesto que seria transmitido em mãos, o militante pediu à repórter que acompanhava o noticiário das rádios para ficar atenta à Rádio Nacional. Mostrou surpresa ao ser avisado da mensagem inusitada transmitida na frequência da emissora e publicou na íntegra o texto de Marighella, como lembra Belloque.
Por Leandro Melito – Portal EBC
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