Geral

AS CANCOES DE CHICO BUARQUE NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR

COLÉGIO OFÉLIA FONSECA

 AS CANÇÕES DE CHICO BUARQUE NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA

São Paulo

2012

Ana Luíza Palumbo Gerodetti

As  CANÇÕES DE CHICO BUARQUE NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA

 Trabalho realizado e apresentado sob a orientação da Professora Cristiane Bastos Ferreira

Dedicatória

Aos que me ajudaram a colocar cada palavra em seu devido lugar. Aos que me ouviram, opinaram, entenderam e sentiram este trabalho. À minha madrinha, tia Flávia, que esteve comigo passo a passo; esteve comigo por incontáveis e longas (e deliciosas) tardes, abriu-me um leque da MPB a partir deste TCC e deu vida ao projeto. À minha orientadora, Cris, que, mesmo não me conhecendo tanto, compreendeu exatamente o que eu queria fazer e me ajudou a entender mais esse complexo e gostoso universo de Chico (e hoje me entende bastante). Ao meu avô, João, que se empolgou tanto quanto eu e que, mais uma vez, acrescentou sua alma de escritor, dando um toque artístico aos textos. À minha mãe, Marcela, que me deu uma ideia que fez tudo isso acontecer.

A todos eles um agradecimento em comum por fazerem cada pedaço sorrindo, por se entregarem de corpo e alma e entrarem, junto comigo, na década de 60 e no universo de Buarque, até chegarmos onde estamos.

Um agradecimento muito especial ao Pepe, Simon e Luiz Carlos, com suas histórias cativantes e que muito acrescentaram a este TCC.

E, por fim, mas não menos importante, um agradecimento ao Chico por ser o Chico que tanto me influencia, ensina e me inspira. Por ser o Chico compositor de canções que não nos poupam lágrimas e sorrisos, que nos entendem sem precisarmos falar, que nos fazem acreditar e sonhar.

A esses meus caros amigos, que tanto me ajudaram na construção desse trabalho, poucas rodas vivas e muitos amanhãs. Um beijo, com açúcar e com afeto.

 SUMÁRIO

      Resumo …………………………………………………………………………………………….. 6

  1. Introdução (Capítulo I)

1.1.  A música na Ditadura Militar e nos tempos de hoje ………………………….. 7

1.2.  A importância de conservar a história ……………………………………………… 9

  1. Desenvolvimento (Capítulo II)

2.1.  Panorama Histórico da Ditadura Militar no Brasil ……………………………. 10

2.2.  Biografia de Chico Buarque de Hollanda ………………………………………… 12

2.3.  Análises das canções …………………………………………………………………….. 23

  1. Conclusão (Capítulo III)

3.1.  Muito além da Ditadura Militar brasileira………………………………………… 36

  1. Anexos …………………………………………………………………………………………. 38
  2. Referências Bibliográficas …………………………………………………………….. 43

 

 A ditadura encheu bastante meu saco… Mas eu também enchi bastante o saco deles. Não foi pouca coisa não.” (Chico Buarque)

 

Resumo

Em 1964, um golpe militar dividiu o Brasil. Houve confronto entre pessoas de esquerda e militares e inúmeras tentativas de calar o povo. Censura, repressão, tortura, lutas, movimentos (sendo eles artísticos, estudantis, esquerdistas, trabalhistas, etc), partidos opositores, guerrilha; a população foi às ruas pedindo eleições diretas, o direito de falar e o fim da ditadura. Foi algo muito marcante para a história do país, pois, mesmo tendo acontecido há alguns anos, ela ainda está muito viva em nós. Um dos meios de protesto mais significativos da época foi a arte. Eram tempos difíceis, porque tudo estava sendo proibido e, para uma canção conseguir driblar a censura, era preciso muita genialidade. Chico Buarque se destaca pelo fato de ter essa “genialidade”. Apesar de ter participado de alguns movimentos e passeatas na rua, foi por meio da música que buscou o seu veio revolucionário. Este TCC é sobre como as músicas de Chico influenciaram uma geração e continuam influenciando tantas outras, até mesmo as atuais. Ele não ficou preso à ditadura militar, pelo contrário, Buarque se reinventa sempre, evidenciando seu ideário através de suas canções.

 Capítulo I

1.1. A música na Ditadura Militar e nos tempos de hoje

Em meio a muitos movimentos artísticos, a música destacou-se e alguns nomes que são conhecidos até hoje foram muito importantes para a luta contra a ditadura militar na década de 60: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Geraldo Vandré, Djavan, Milton Nascimento, Elis Regina, Nara Leão, entre outros. Geraldo Vandré, por exemplo, teve uma música de sua autoria usada como “hino” da luta contra a ditadura, “Pra não dizer que não falei das flores”, porém, por ter sido muito perseguido e torturado, deixou de compor canções de protesto, o que o ofusca um pouco. Então, Chico Buarque passa a ser o cantor com o maior número de canções censuradas. Alguns de seus sucessos serão analisados neste trabalho, (Cálice, Apesar de Você, Roda-Viva e Angélica). A escolha dessas quatro não foi difícil, uma vez que foram hinos da época e o autor interliga letra e melodia de tal forma que não só a letra, mas toda a canção torna-se uma forma de protesto. Angélica tem um ritmo desacelerado, triste e pesado, o que leva o ouvinte a sentir a dor das mães que perderam seus filhos na luta. Apesar de Você para muitos, é a música que possui a crítica mais direta à ditadura, e, mesmo assim, passou pela censura, pois parece apenas uma canção de término de relacionamento. Cálice foi censurada antes mesmo de ser lançada, porém, isso não impediu que ela fosse um tremendo sucesso e fosse estudada até os dias atuais por sua letra que faz analogia à Bíblia. E, por fim, mas não menos importante, Roda-Viva também tinha uma ambiguidade muito bem pensada, afinal, leva os ouvintes a pensar que fala sobre o cotidiano de uma pessoa comum, quando, na verdade, fala sobre o cotidiano sob os olhos da ditadura.

Chico era um homem muito visado e perseguido, até teve de inventar um pseudônimo, entretanto, deu o seu jeitinho de lançar suas músicas, mesmo que a censura houvesse retardado esses lançamentos. O compositor ainda faz muito sucesso. No início de 2012, realizou 22 shows em diferentes datas e cidades brasileiras (e todos eles tiveram seus ingressos esgotados). São músicas atuais e músicas da época da Ditadura Militar, que fizeram parte do cotidiano da geração passada e desta também, mesmo que esta não tenha passado pelos tempos difíceis que elas descrevem.

Recentemente, foi lançada uma coletânea de sucessos dele: “O Trovador”, “O Político”, “O Amante”, “O Malandro” e “O Cronista”, na qual há músicas de vários estilos. Com certeza, qualquer pessoa poderia se identificar com algumas (se não várias) dessas canções. Talvez seja por isso que exista tanto de Chico Buarque, uma das vozes contrárias à Ditadura, na geração atual, pois ele consegue penetrar nos pensamentos mais profundos das pessoas, mesmo que elas não tenham vivido na época de suas composições e no cenário que as inspirou.

 A importância de conservar a História

Não é só Chico Buarque que está presente no imaginário da sociedade atual; este ano, a “Comissão da Verdade” começou a atuar. Ela investigará a violação dos direitos humanos durante o período de 1946 a 1988. Algumas das palavras da atual presidente Dilma Roussef a respeito dessa investigação foram: “A desinformação não ajuda a apaziguar a sombra e a mentira. Algumas pessoas não são capazes de promover a concórdia. O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade, sobretudo os que perderam parentes e amigos”. E continuou: “Se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca pode existir uma história sem voz”[1].

É importante conservarmos nossa memória histórica, mesmo que a repressão ditatorial já tenha sido resolvida parcialmente, pois é a História que faz o futuro: devemos aprender com erros do passado para que eles não se repitam. A maioria das pessoas pensa que o passado acabou e deve ser enterrado, porém, nossa memória deve ser conservada, pois não há um presente sem passado, muito menos um futuro com maior visibilidade. A Ditadura Militar no Brasil foi um marco histórico que deixou muitas cicatrizes, desaparecidos e dor, todavia, também deixou um legado de músicas e artistas que lutavam, através da arte, por um país mais livre e justo. Neste trabalho será possível observar todo esse legado e reviver um pouco deste período tão lembrado até hoje.

Capítulo II

2.1. Panorama Histórico da Ditadura Militar no Brasil

Em 1961, Jânio Quadros renunciou à presidência devido à crise[2] em seu governo, deixando o poder nas mãos de seu vice, João Goulart. Este não era muito bem quisto pela elite, classe média, Igreja Católica, militares e grandes empresários, pois havia alguns traços socialistas em sua plataforma de governo que propiciavam a abertura a organizações sociais. Assim, estudantes, trabalhadores e populares foram ganhando espaço. Esse movimento político chegou a preocupar até os EUA, que temiam um golpe comunista, bem como as classes conservadoras brasileiras, que acabaram apoiando um golpe militar que o tirou do poder, no dia 19 de Março de 1964.  Jango, saiu do país e refugiou-se no Uruguai a fim de evitar uma guerra civil e é nessa hora que os militares tomam o poder.

Entre 1964 e 1967, o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco assume a presidência da república. Em seu governo, iniciam-se as eleições indiretas e a dissolução de partidos políticos, restando apenas o MDB (partido opositor controlado) e a ARENA (partido dos militares) e cria-se a nova Constituição Brasileira, que fortalecia o poder dos militares no país.

O segundo governo militar foi chefiado pelo general Arthur Costa e Silva, eleito indiretamente (1967-1969). Este foi o início de um período tenso, pois havia muitas manifestações, protestos e marchas contra a ditadura militar. Surge a guerrilha urbana, os assaltos a bancos e sequestros de embaixadores com o objetivo de financiar a guerrilha. É criado o AI-5[3].

O terceiro governo foi o mais curto (31/8/1969-30/10/1969). Estando Costa e Silva muito doente, uma junta militar constituída por três ministros, um do Exército, outro da Aeronáutica e outro da Marinha, decretam a lei que punia subversivos guerrilheiros com pena de morte e exílio. Nessa época, Carlos Marighella[4] é morto em São Paulo.

O quarto governo inicia-se quando o general Emílio Garrastazu Medici toma o poder (1969-1974). A época ficou conhecida como “anos de chumbo”, pois a ditadura militar resistiu com força e, consequentemente, a censura foi intensificada. Livros, peças de teatro, músicas ou qualquer outra forma de manifestação artística que fosse considerada subversiva era censurada. Políticos, professores, artistas e escritores são perseguidos, investigados, presos, torturados, exilados e até assassinados.

O quinto governo (1974-1979)  é liderado pelo general Ernesto Geisel, que assume o poder no fim do chamado “milagre econômico” e depara-se com uma população insatisfeita com a crise do país, afinal, o Brasil estava com uma grande dívida externa e taxas de juros altíssimas. É anunciada a abertura política de maneira lenta, porém, segura. A oposição política ganha a prefeitura na maioria das grandes cidades. Geisel acaba com o AI-5, restaura o habeas-corpus e começa o caminho em direção à democracia.

O sexto governo (1979-1985)  é presidido pelo General João Baptista Figueiredo. O país começa a seguir em frente com a volta da democracia. O exílio acaba com a Lei da Anistia, que pregava “anistia ampla, geral e irrestrita” a todos os exilados, que podem voltar ao Brasil. Ainda há repressão, porém, clandestina, por parte de militares chamados “linha dura”. Outros partidos políticos são liberados para voltar a atuar na política. A oposição começa a ganhar terreno, bem como os sindicatos. Em 1984 há o movimento das “Diretas Já”, do qual famosos, artistas, políticos e populares participam, reivindicando eleição direta para os candidatos à presidência, o que não acontece. Entretanto, em 1985, o colégio eleitoral elege Tancredo Neves para assumir a presidência do país, o qual morre em decorrência da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica, processo infeccioso que o levou a ter o chamado ‘pulmão de choque’, antes de tomar posse. O vice-presidente José Sarney assume o poder e chega ao fim a ditadura militar no Brasil.

 

 

2.2. Biografia de Chico Buarque de Hollanda

Chico Buarque é considerado, por muitos, o maior compositor brasileiro de todos os tempos. Suas músicas se encaixam em conceitos políticos, sentimentais, cotidianos, sociais, entre outros temas. Talvez esse seja um dos motivos pelo qual o músico encanta gerações desde quando se lançou no mundo da música até os dias atuais. A genialidade de Buarque também é um aspecto que nos chama a atenção. Podemos notá-la em canções comoConstrução, em que cada uma das três estrofes utiliza os mesmos versos dispostos em diversas ordens, criando-se, assim, três histórias diferentes. Além disso, ela é inteiramente construída com rimas esdrúxulas[5], o que também é muito difícil de ser feito, levando em consideração que as proparoxítonas são raras em língua portuguesa. Outros exemplos ainda serão analisados ou interpretados neste trabalho, músicas que foram hinos da época ditatorial brasileira. A canção Roda-Viva possui referência política, entretanto, é escrita de forma a levar os leitores (ou ouvintes) a acreditarem que ela fala apenas do cotidiano. Apesar de Você sempre foi uma canção polêmica, pois claramente se refere ao General Médici. Chico nunca confirmou as suspeitas, todavia, a clareza da letra, quando melhor interpretada, leva quem lê a crer piamente que pode se referir ao militar. Já a canção Cálice faz um contraste entre a bíblia e a situação vivida na época. E, por fim, mas não menos importante, o trabalho conta com a canção Angélica, escrita para a estilista Zuzu Angel, mostrando que ele sabia como mesclar sentimento e política.

Chico Buarque não entrou no meio político por acaso, sua história revela que ele teve muita influência desde cedo, pois seu pai fora um importante sociólogo e recebia frequentemente visitas de pessoas importantes (intelectuais e artistas) na casa da família. Antes de chegarmos às músicas, portanto, conheçamos um pouco da biografia deste músico tão admirado por muitas gerações:

Nasce no dia 19 de junho, 1944, no Largo do Machado, Rio de Janeiro, Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque. Filho do famoso sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e de Maria Amélia Cesário Alvim. Aos dois anos de idade, Chico muda-se para São Paulo, junto com a sua família, pois seu pai foi nomeado diretor do Museu do Ipiranga. Demonstra interesse pela música desde cedo, até porque conviveu com músicos durante toda sua infância. Porém, sua estadia em São Paulo não durou muito tempo, uma vez que seu pai é convidado para lecionar na Universidade de Roma e a família muda-se para lá. Uma curiosidade que vale a pena lembrar, é o bilhete que Chico deixara para sua avó, com apenas nove anos de idade:

“Vovó, você está muito velha e quando eu voltar eu não vou ver você mais, mas eu vou ser cantor de rádio e você poderá ligar o rádio do Céu, se sentir saudades”. Nesse período em que vive na Europa, escreve suas primeiras “marchinhas de carnaval” e aprende a falar três diferentes línguas: o inglês, português e italiano. A casa dos Buarque de Hollanda, em Roma, é frequentada por algumas pessoas influentes na cultura brasileira, entre elas Vinicius de Moraes.

 

Em 1954, Sérgio Buarque volta ao Brasil, levando consigo a família. Nessa época, Chico já começa a compor suas músicas, sendo elas algumas “operetas”, interpretadas por suas irmãs.

 

Aos 14 anos, ingressa em um movimento religioso chamado Ultramontanos, da organização conservadora TFP (Tradição Família e Propriedade). Foi se envolvendo cada vez mais com o grupo, até chegar ao ponto que seu pai, Sérgio, manda-o por seis meses para um internato em Cataguases, interior de Minas Gerais. Ao voltar a São Paulo, Chico entra em um grupo de caridade, “Organização Auxílio Fraterno”, que faz doações de cobertores e alimentos para moradores de rua. Ele chega a mencionar que, se não fosse por essa experiência, talvez ficasse um pouco “alienado.” Nesse período, já demonstra interesse por música, preferindo tanto sambas tradicionais de Noel Rosa, Ataulfo Alves, quanto canções estrangeiras, como Elvis Presley e Jacques Brel. Quando conhece o disco Chega de Saudade, de João Gilberto (que mais tarde se casaria com sua irmã Miúcha), muda totalmente sua relação com a música. Chico não parava de ouvir o disco e seu sonho da época, como ele mesmo dizia, era “cantar com João Gilberto, fazer música com Tom Jobim e letra como Vinicius de Moraes.”

 

Sempre foi um apaixonado por futebol. No Rio, era fluminense, em São Paulo, era santista. Além do futebol, tem paixão por literatura, porém, não foi um apaixonado pela literatura brasileira desde o começo, pois só lia clássicos da literatura alemã, francesa e russa, até o dia em que foi criticado, por um amigo, por não ler livros brasileiros. Desde então, passa a expandir cada vez mais seus conhecimentos em literatura brasileira.

 

Aos 17 anos, publicou suas primeiras crônicas no jornal que ele chamava de “Verbâmidas” no Colégio Santa Cruz, desejando algum dia, vê-las em revistas semanais. Porém, sua primeira aparição na mídia, não foi por crônicas ou na seção cultural, foi em um jornal chamado Última Hora, nas páginas policiais, em sua ida à delegacia, pois estava com um amigo “puxando” um carro (rachas noturnos) para passear pela madrugada paulista, algo comum na época. Teve como punição a proibição de sair de casa, desacompanhado, à noite, até completar 18 anos.

 

Passados dois anos desde o incidente com o carro, Chico ingressa na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Abandona o curso três anos mais tarde, pois desde cedo sabia que queria ser um músico, além também ser motivado pelo clima de repressão que toma conta das universidades após o golpe militar de 1964.

 

Nesse mesmo ano, ele apresenta-se pela primeira vez, no Colégio Santa Cruz e considera isso até hoje o seu marco zero. Também nesse ano surgem novos talentos na Música Popular Brasileira, iniciando a era dos grandes festivais, como o espetáculo apresentado por Elis Regina, noTeatro Paramount, conhecido como O Fino da Bossa, onde nomes como Alaíde Costa, Zimbo Trio, Oscar Castro Neves, Jorge Bem, Nara Leão, Sérgio Mendes e Os Cariocas estavam no palco. No auditório do Colégio Rio Branco, é realizado o show Primeira Audição, para novos talentos, incluindo Chico Buarque que apresentou sua canção Marcha para um dia de sol.

No ano seguinte, é lançado seu primeiro compacto com Pedro Pedreiro e Sonho de um Carnaval, sua primeira música inscrita no festival da TV Excelsior, mas a canção não se classifica, mesmo sendo gravada por Geraldo Vandré. Quem leva o primeiro prêmio da noite é Arrastão, interpretada por Elis Regina, escrita por Edu Lobo e Vinícius de Moraes. Chico, então, aparece em uma novela da TV Tupi (Prisioneiro do Sonho) e é apresentado como um dos “craques da bossa nova”. Faz músicas para o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, conhece Gilberto Gil e Caetano Veloso, que se encantara ao ouvir Olê, olá cantada pelo próprio Chico, num show estudantil. Além desses cantores, ele também conhece João do Vale, autor da música Carcará, e Taiguara. Depois do sucesso do ano anterior, A TV Record lança o programa O Fino da Bossa e o Primeira Audição, que vira um espaço permanente para novos talentos. Participa do espetáculo O Momento é a Bossa, promovida por Walter Silva, o Picapau, no Cine Ouro Verde, de Campinas.

Em 1966, A Banda divide o primeiro lugar do II Festival de Música Popular Brasileira, da Record, com Disparada de Geraldo Vandré e Théo de Barros. A composição de Chico é um sucesso. Foram vendidas mais de cem mil cópias em uma semana. A música foi traduzida para muitos idiomas diferentes e saudada com uma crônica de Carlos Drummond de Andrade. No mesmo ano, muda-se para o Rio de Janeiro e lança o seu primeiro disco LP, chamado Chico Buarque de Hollanda. Sua música Tamandaré marca seu primeiro conflito com a censura por conter frases ofensivas ao patrono da Marinha. Grava um depoimento para o Museu de Imagem e do Som, algo que só artistas consagrados de gerações anteriores conseguiam. Apresentados por Hugo Carvana, Chico conhece Marieta Severo Lins.

 

Não deixa de manter relações com São Paulo, mesmo morando no Rio, pois passa a gravar o programa musical Pra ver a banda passar, ao lado de Nara Leão, em 1967. Além de apresentar um programa diário na Rádio Jovem Pan, participar do programa Esta noite se improvisa junto com Caetano Veloso. Atua no filme Garota de Ipanema, ao lado de Vinícius de Moraes, Nara Leão, Tom Jobim e Ronnie Von. Sua música Carolina fica em terceiro lugar no II – Festival Internacional de Canção, da Rede Globo. Além disso, Roda Viva fica em terceiro lugar no III – Festival da MPB, produzido pela TV Record, que contava com grandes nomes como Caetano Veloso, cantando sua canção Alegria, alegria; Gil, com Domingo no parque. Marília Medalha e Edu Lobo apresentaram a grande campeã da noite, Ponteio. O festival também recebeu nomes como Nara Leão, Elis Regina, Roberto Carlos, MPB4, Os Mutantes, entre outros. Um pouco depois, ocorre a passeata “contra a guitarra elétrica”, que contou com a presença de Elis Regina, Gilberto Gil, Jair Rodrigues, MPB4, entre outros artistas em sua linha de frente, porém Chico não participa e, alguns anos depois, Gil afirma, no filme Uma noite em 67, que só estava lá para acompanhar Elis, não por ideologia. Chico escreve a peça Roda Viva e grava seu segundo LP, chamado Chico Buarque de Hollanda volume 2.

 

No ano de 1968, participa da “Passeata dos cem mil”, ao lado de estudantes, artistas e intelectuais em um protesto contra a ditadura militar. Vence o IV Festival de MPB da Record, com a canção Benvinda.

 

Um comando do CCC (Comando de Caça aos Comunistas) invade o teatro Galpão, em São Paulo, e agride os atores de produtores da peça Roda Viva.

No Festival Internacional da Canção, Sabiá, composta por Chico Buarque e Tom Jobim, é vencedora, sob vaias do público, deixando em segundo lugar a música Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré.

 

No dia 13 de dezembro de 1968, é decretado o Ato Institucional nº 5 (AI-5). Sendo assim, Chico é detido em sua casa e levado ao Ministério do Exército para prestar depoimentos sobre sua peça Roda Viva e sua participação na passeata dos cem mil.

No ano seguinte, o compositor deixa o Brasil, em janeiro, para se apresentar na Indústria Fonográfica, em Cannes, França. Como a situação estava ficando cada vez mais difícil no Brasil, Chico e Marieta partem para a Itália para um “autoexílio”, afinal, muitos companheiros estavam sendo exilados ou sofrendo consequências piores devido à ditadura. A escolha do país teve duas principais razões: ele já havia morado lá por dois anos, quando criança, assim, sabia o idioma fluentemente. O segundo motivo foi o fato de A Banda estar fazendo muito sucesso devido à gravação feita pela cantora Mina no exterior. Ao chegar à Itália, Chico é tido como novidade, porém, quando se torna um residente, os convites para shows vão diminuindo, até que ele precisa trabalhar em outras áreas, fazendo “bicos” para se sustentar. Sua filha, Silvia Buarque, nasce neste período. A situação financeira foi ficando cada vez mais difícil, ele lança dois LPs que não fizeram sucesso, entretanto, assinou um contrato com a gravadora Philips, que lhe pagou adiantado, possibilitando sua estadia na Itália. Em troca, o músico lançou um disco no Brasil. O disco foi chamado de Chico Buarque de Hollanda nº 4 (o Chico Buarque nº 3 é lançado em 1968, e conta com o sucesso Roda-Viva) e é considerado o mais irregular de seus discos, pois foi feito no exílio, em meio a dificuldades financeiras, pressão da gravadora, responsabilidade familiar, incertezas sobre sua própria obra e carreira.

No segundo semestre de 1969, o presidente Costa e Silva é vítima de uma isquemia cerebral e uma junta militar assume o poder. Em setembro, o general Emílio Garrastazu Médici é eleito o terceiro presidente do regime militar. Além disso, o Ato Institucional nº 14 (05/09/1969) estabelece a pena de morte, “em nome da garantia da ordem e da tranquilidade da comunidade brasileira.”

Em meio a essa fase difícil, Chico, irreversível, decidiu voltar ao Brasil. No dia 20 de março de 1970, Chico Buarque, Marieta Severo e Silvia voltam ao país. A chegada foi bem “barulhenta”, como sugeriu Vinicius de Moraes. A família é recebida no Aeroporto do Galeão, por amigos, fãs, a Torcida Jovem Flu, banda, etc.

Não demorou muito para ele perceber que a situação continuava complicada: gravadoras e produtoras estavam “nas mãos da censura”, pois nada era lançado sem que fosse antes revisado por alguém de confiança dos militares. No futebol, o Brasil vivia a conquista do tricampeonato no México, portanto, rádios tocavam exaustivamente músicas como “Pra frente Brasil” e “Eu te amo, meu Brasil”. Carros estampavam adesivos extremamente nacionalistas como “Brasil! Ame-o ou deixe-o” ou “Brasil! Ame-o ou morra”. Chico, por sua vez, compõe e grava a música Apesar de você (que será, posteriormente, analisada neste trabalho), na qual se refere a um alguém autoritário. Para a surpresa de muitos, passou pela censura. A música vendeu mais de 100 mil cópias em uma semana, entretanto, foram retiradas com violência do mercado depois que um jornal publicou que a música era sobre o general Médici. Chico afirma que se refere a uma mulher mandona, mas não se crê em sua desculpa e a censura passa a persegui-lo ainda mais.

 

Posteriormente, participa do Conselho do Cebrade – Centro Brasil Democrático, ao lado do arquiteto Oscar Niemeyer, de seu próprio pai e do editor Ênio Silveira. Também foi membro da “linha auxiliar” do PCB, pró-Moscou.

 

Em 1971, Chico e outros convidados do VI Festival Internacional da Canção, rompem com a TV Globo e cancelam suas inscrições, como uma forma de protesto contra a censura e uma crítica à tentativa de utilizarem o festival como veículo de propaganda a serviço da ditadura.

Seus projetos não param e, em 1972, Chico atua no filme Quando o carnaval chegar, de Cacá Diegues, ao lado de Maria Bethania e Nara Leão. Pouco tempo depois, compõe músicas para outros dois filmes de Cacá: Joanna Francesa, em 1973, e Bye bye, Brasil, em 1979.

Traduz o musical O homem de La mancha, com Ruy Guerra, que é também, o seu parceiro na criação da peça Calabar, em 1973, que foi proibida pela censura e apenas liberada muito mais tarde. Neste mesmo ano, Chico e Gilberto Gil criam a música Cálice (foco de análise futura neste trabalho), que foi muito censurada, não só pelos militares, como pela gravadora de Chico, que desligou os microfones do palco, impedindo-o de cantar e fazendo desse um dos motivos pra ele se demitir.

Em 1974, Chico cria o pseudônimo Julinho da Adelaide. Como as músicas assinadas por ele já estavam sendo quase todas censuradas, tendo uma proporção de duas músicas vetadas para uma liberada. A técnica de assinar suas canções com um nome diferente deu certo. Consegue lançar algumas músicas como Acorda, amor, Jorge Maravilha e Milagre Brasileiro. Mário Prata entrevista Julinho para o jornal Última Hora. Chico mantém a personagem até 1975, quando o público descobre a verdade por meio de uma reportagem publicada pelo Jornal do Brasil.

Devido à impossibilidade de gravar suas músicas, ele lança um disco com músicas de outros cantores, chamado Sinal Fechado. O álbum conta com apenas uma música de sua autoria, ou melhor, da autoria de Julinho da Adelaide, sua alma gêmea. A música é Acorda, amor.

Por causa da situação, Chico fica um tempo sem compor, focando-se no livro Fazenda Modelo, no qual critica o sistema e as formas de dominação social através da representação de uma comunidade bovina.

Chico e Maria Bethânia fazem uma longa temporada de shows no Canecão, Rio de Janeiro. Escreve a música Tanto Mar (citada ao longo do trabalho, quando comentaremos a Revolução dos Cravos), que é censurada. Ele grava um compacto em Portugal, incluindo a canção. A música possui duas versões, uma que fala sobre a Revolução, no presente, que estava acontecendo no país português, outra que fala sobre esta no passado, afinal, quando sua música foi liberada, já havia terminado a revolução em Portugal.

Em parceria com Paulo Pontes, escreve uma peça de teatro chamada Gota D’água, uma releitura de Medeia, de Eurípedes. A peça se torna sucesso absoluto de crítica e público. Ganha o Prêmio Molière como melhor autor teatral pela peça, porém, em protesto contra a censura, não comparece à cerimônia, pois se questionava se a peça merecia mesmo o prêmio, sendo que outras muito boas haviam sido censuradas.

Compõe O que será, para o filme Dona Flor e Deus Dois Maridos, de Bruno Barreto. Ele a compôs depois de ver uma coleção de fotos de Cuba, feitas por Fernando Morais, e define as músicas como “cubaião”, mistura de Cuba com baião.

Lança o disco Meus Caros Amigos, em 1976.

No ano seguinte, sua canção Maninha é incluída na trilha sonora da novela Espelho Mágica, após seis anos de rompimento com a TV Globo. Compõe Feijoada Completa, para o filme Se Segura, Malandro, de Hugo Carvana. Além disso, escreve e compõe as canções da peça Ópera do Malandro.

Em fevereiro de 1978, vai para Cuba como jurado do Prêmio Literário da Casa de las Américas. Cria uma versão para a música Canción por la unidad, de Pablo Milanés. É apresentado à Sivio Rodriguez, entre outros nomes da “Nueva Trova” cubana (movimento musical com músicas voltadas ao social e ao revolucionário, contestando o conservadorismo e a opressão).

Geisel chegava ao último ano de seu governo, em 1979. O clima ainda era de ditadura, mas começava a brotar uma esperança no coração dos brasileiros. O AI-5 é revogado e os exilados começam a retornar ao Brasil. Três canções de Chico foram liberadas e puderam ser gravadas no seu novo LP desse ano – Apesar de você (1970), Cálice (1973) e Tanto Mar (1975).

O país estava propenso a uma “nova era”, mas não tanto assim. Ao voltar de Cuba, Chico e Marieta foram levados ao DOPS, ficando lá por dez horas. Além do casal, Antonio Callado e Fernando Morais também foram detidos.

Estreia a peça Ópera do Malandro, que mostra as transformações do país no final da Segunda Guerra, apontando o aumento da influência americana nos setores da vida brasileira. Lança o LP Chico Buarque 1798.

Compões diversas músicas para o teatro (Dueto, para O rei de Ramos, de Dias Gomes) e o cinema (Sob medida e Não sonho mais, para República dos assassinos, de Miguel Faria Jr. e, Bye bye, Brasil para Bye bye, Brasil, de Cacá Diegues). Lança o seu primeiro livro infantil: Chapeuzinho Amarelo. Além do livro, lança o álbum Ópera do Malandro e Calabar é liberada pela censura.

 

Após doze anos na Polygram, Chico fecha contrato com a gravadora Ariola, em 1980. Este ano é marcado pela reorganização partidária. Participa do Projeto Kalunga, em Angola, onde ele e mais 64 artistas brasileiros se apresentam por todo o país, comemorando seus cinco anos de libertação. O projeto tinha fins lucrativos para a construção de um hospital. Foi deste festival que surgiu a música Morena de Angola.

Ainda em 1980, faz duas músicas para a peça O Último dos Nukupirus, de Ziraldo e Gugu Olimecha.
Lança o LP Vida, que traz, entre outras, a música Eu te amo, feita especialmente para o filme homônimo de Arnaldo Jabor.

Participa do filme Saltimbancos Trapalhões, estrelado pelos Trapalhões. Lança mais dois discos: Almanaque e Saltimbancos Trapalhões.

Em 1982, morre Sérgio Buarque de Hollanda, seu pai, aos 79 anos de idade.

No ano seguinte, compõe o samba Vai passar, uma referência na campanha pelas “Diretas Já” (campanha que revogava o direito ao voto), da qual Chico participa ativamente, mas, o cantor negou qualquer relação da música com o movimento.

Compõe Mil perdões, para o filme Perdoa-me por me traíres, de Braz Chediak. Para a peça Dr. Getúlio, de Dias Gomes e Ferreira Gullar, compõe a música de mesmo nome. Cria várias canções e o roteiro do filme Para viver um grande amor, de Miguel Faria Jr. Lança o disco O grande circo místico.

 

Após nove anos longe dos palcos, Chico se apresenta no Luna Park, de Buenos Aires. Encontra seu ídolo Pagão, ex-jogador do Santos Futebol Clube, em um encontro-surpresa preparado pelo diretor Roberto de Oliveira e exibido pela TV Bandeirantes.

Lança também o disco Chico Buarque 1984.

 

Compõe novas canções para Ópera do malandro, filme de Ruy Guerra, baseado em sua peça. Compõe também as músicas para a peça O corsário do rei, de Augusto Boal, com Edu Lobo.

Em 1986, juntamente com Caetano Veloso, comanda o programa de televisão Chico e Caetano, que durou sete meses na programação da Rede Globo. O programa reunia grandes nomes da MPB e também artistas internacionais.

Compõe Anos dourados, em parceria com Tom Jobim, para ser tema musical da minissérie homônima. A minissérie foi lançada com a canção sem letra, pois Chico demorou a escrevê-la, ou como ele mesmo disse numa entrevista, “a minissérie é que foi precipitada”.

Lança o disco Francisco e volta aos palcos. Em 1988, compõe canções para o balé Dança da meia-lua, com Edu Lobo.

Faz uma ponta interpretando Julinho da Adelaide, sua própria criação, no filme Amor vagabundo, de Hugo Carvana. Também compõe Trapaças para o filme.

Lança o disco Chico Buarque. A editora Companhia das Letras publica o songbook Chico Buarque – Letra e Música.

No começo dos anos 90, Chico publica seu primeiro romance, Estorvo, pela Companhia das Letras. Ganha o Prêmio Jabuti de Literatura. Os direitos do livro são vendidos para sete países: Itália, França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Estados Unidos e Portugal.

Em 1994, faz o show do disco Paratodos, lançado no fim de 93. O disco é recebido com grandes expectativas, afinal, Chico estava há quatro anos sem gravar.

Participa da “Campanha Nacional Contra a Fome e Pela Cidadania”, do sociólogo Herbert de Souza (Betinho).

Lança, em 1995, seu segundo romance, Benjamin. Entretanto, este não é recebido com boas críticas e nem com sucesso de venda.

No ano seguinte, nasce seu neto, Francisco Buarque de Freitas, filho de sua filha Helena Buarque e do músico Carlinhos Brown.

Participa da “Campanha pela Paz no Futebol”.

Chico participa do disco Chico Buarque de Mangueira, em 1997, com regravações de compositores clássicos da Mangueira. O disco conta com uma composição inédita sua, Chão de esmeraldas, em parceira com Hermínio Bello.

Grava um CD para o livro Terra, do fotógrafo Sebastião Salgado, com texto de José Saramago, que é lançado na véspera do massacre de trabalhadores sem-terra em Eldorado dos Carajás, região Norte do Brasil, em 17 de Abril de 97.

Em 1998, a Mangueira é campeã do carnaval carioca. A escola homenageou Chico Buarque no desfile. Escreve artigos para os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo durante a Copa do Mundo e lança o CD As cidades, que é seu primeiro trabalho lançado na internet.

Em 98, a Mangueira é campeã do carnaval carioca. A escola homenageou Chico Buarque no desfile.

Escreve artigos para os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, durante a Copa do Mundo.

Lança o CD As cidades, que é seu primeiro trabalho lançado na internet.

No último ano da década de 90, Chico faz uma turnê chamada As Cidades, em que percorre o Brasil todo e alguns países do exterior, como: Argentina, Uruguai, Portugal, França, Inglaterra e Itália. O show é um sucesso tanto de venda, quanto de críticas. Ele canta músicas do CD homônimo e algumas de suas canções consagradas. A turnê resulta em um novo CD ao vivo, Chico ao vivo.

O ano 2000 começa e Ruy Guerra concorre à Palma de Ouro do 53º Festival Internacional de Cinema de Cannes com o filme Estorvo, baseado no romance homônimo de Chico Buarque. O filme marca mais uma parceria de Chico e Ruy, que já haviam trabalhado juntos na peça Calabar e na adaptação para o cinema de A Ópera do Malandro.

Faz letras para canções de Edu Lobo, utilizadas na peça Cambaio, de Adriana e João Falcão.

Passados três anos, é lançado o filme Benjamin, dirigido por Monique Gardenberd.

Budapeste, seu terceiro romance, é publicado pela Cia. das Letras e é sucesso de vendas.

Também é lançado o documentário Chico ou O País da Delicadeza Perdida, com direção de Walter Salles e Nelson Motta.

Em 2006, lança um CD chamado Carioca, com composições suas e algumas em parceria com nomes como o de Edu Lobo e Ivan Lins. Três anos depois, Chico lança seu quarto romance chamado Leite Derramado, onde tem a história do Brasil dos últimos dois séculos como pano de fundo, em uma saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica.

Após o romance, Chico lança um CD, em 2011, para comemorar seus 67 anos, chamado Chico. O trabalho é um sucesso e ele faz uma turnê, após cinco anos longe dos palcos, no começo de 2012. A série de shows também é um sucesso, o cantor arranca suspiros e aplausos pelo Brasil todo.

Recentemente, Chico está apoiando a campanha do candidato Marcelo Freixo (PSol) para prefeito no Rio de Janeiro, e, por conta disso, fez um show para arrecadar fundos para a campanha, ao lado de Caetano Veloso, no dia onze de setembro de 2012.

 

 

2.3 Análises das canções

Cálice

Composta por Chico Buarque e Gilberto Gil, a música “Cálice” é mediada por metáforas e faz um contraste com a Bíblia. A sonoridade tem grande importância e denuncia a ditadura militar no Brasil, o modo como as pessoas tinham que ficar caladas. O refrão e primeira estrofe “Pai, afasta de mim esse cálice” foram escritos em uma Sexta-feira Santa. A música foi composta para o show Phono 73, realizado em maio de 1973. No dia do show, souberam que a música foi proibida e Chico decidiu cantá-la sem letra. Porém, a gravadora desliga os microfones e ele acaba desistindo. Em 1978, a canção foi liberada e incluída no LP Chico Buarque, do mesmo ano.

Pai! Afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

A palavra “cálice” é escolhida propositalmente por causa de sua sonoridade, que nos lembra, além do significado do substantivo, a forma verbal “cale-se”. Este verso é um pedido ao Pai (Deus), para afastar o silêncio causado pela ditadura. “Cálice” é um objeto que pode ter algo em seu interior e, no caso, o que há dentro desse silêncio ditatorial é o preço da vida de pessoas e o sangue das vítimas das repressões e das torturas. É importante ressaltar que toda a música faz uma analogia entre a Paixão de Cristo e a situação das vítimas da Ditadura.

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor e engolir a labuta?
Mesmo calada a boca resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta

A metáfora remete à dificuldade de “beber dessa bebida amarga”, ou seja, à dificuldade de viver nessa situação, presenciar toda a repressão e não poder fazer nada. O “engolir a labuta”, significa ter que aceitar uma condição de trabalho desumana, como se fosse algo normal. Representa o ideário de esquerda, o desejo de mudança estancado no peito e, por conta da censura, calado na boca. Já o silêncio na cidade seria o silêncio causado pela censura, que, como não se podia falar nada contra o governo, parecia até que não existia opiniões contrárias, pessoas contrárias ao regime militar.

De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

O sentimento de desgosto em ser filho da santa (continuando na temática da religião), que é a “pátria mãe”. Os autores dão a entender, pela rima subentendida, que prefeririam ser filho de uma prostituta (“puta”), representada pelo “da outra”, do que ser filho da “santa” com esse regime político. Buscam uma realidade que fosse “menos morta”, na qual as pessoas não tivessem extintos os seus direitos. Já o último verso, seria uma “denúncia” da mentira do “milagre econômico”, que era uma farsa, uma vez que as pessoas não estavam melhorando de vida, mas era isso era apregoado como verdade e o povo era forçado a acreditar.

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado

Essa estrofe mostra o descontentamento em acordar sem poder expressar-se, principalmente sabendo que ocorriam muitas torturas à noite. O eu-lírico se sente tão preso e atordoado, que chega a cogitar deixar de falar o que pensa por meios pacíficos e partir para a luta armada, pois, assim, poderia ser ouvido de forma mais contundente.

Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada, prá a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Aqui, o eu lírico faz uma denúncia dos métodos utilizados para silenciar alguém por meios de torturas, as quais levavam as pessoas a perderem seus sentidos, mas, mesmo assim, ele permanece atento, esperando as “boas novas” que viriam. Entretanto, não há certeza se essas “boas novas” virão, pois podem ser “más novas”, como o surgimento de mais alguma imposição da Ditadura, metaforizada na imagem do “monstro da lagoa”.

De muito gorda a porca já não anda (Cálice!)
De muito usada a faca já não corta

O porco é um animal pesado, pouco ágil. “A porca”, por sua vez, simboliza a ditadura militar, que, de tão corrupta e falha, não ia pra frente. Já a faca muito usada mostra o desgaste do sistema vigente na época, que não era eficaz.

Como é difícil, Pai, abrir a porta (Cálice!)
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo

A porta, biblicamente, representa um novo tempo e o primeiro verso mostra a dificuldade em mudar-se a situação e começar uma nova. A palavra está pronta para ser dita, mas não pode. Também faz uma alusão aos regimes ditatoriais do mundo inteiro, calando seu povo e deixando-os com ideologias presas no peito, proibidas de serem reivindicadas.

De que adianta ter boa vontade?
Mesmo calado o peito resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

O eu-lírico se pergunta se adianta ter uma boa vontade, se o mundo está de cabeça pra baixo. Faz referência à frase da Bíblia: “paz na terra aos homens de boa vontade” e mostra que, mesmo sem poder falar, as pessoas não deixam de pensar.

Talvez o mundo não seja pequeno (Cale-se!)
Nem seja a vida um fato consumado (Cale-se!)

Os autores, agora, referem-se à volta da esperança de uma possível mudança: o fim da repressão.

Quero inventar o meu próprio pecado (Cale-se!)
Quero morrer do meu próprio veneno (Pai! Cale-se!)
Quero perder de vez tua cabeça! (Cale-se!)
Minha cabeça perder teu juízo. (Cale-se!)
Quero cheirar fumaça de óleo diesel (Cale-se!)
Me embriagar até que alguém me esqueça (Cale-se!)

A última parte mostra o desejo do eu-lírico de fazer suas próprias regras, de cuidar da sua vida. Mostra que a repressão não deveria opinar e julgar alguém que não possui as mesmas “crenças” que ela. Para um indivíduo ser dono de suas próprias ideias, ele deve pensar de acordo com sua ética e razão, e não de acordo com dogmas impostos. E, no último verso, os compositores, para denunciar a situação brasileira, expressam-se através da imagem de um dos meios de torturas usados (queimar óleo diesel em uma sala para deixar os torturados embriagados). Por fim, mostram que mesmo com toda essa situação difícil, os subjugados tinham seus truques para “fugir” da ditadura e reagir, como por exemplo, fingir um desmaio durante essa seção de tortura, para não serem molestados.

Musica

A canção “Angélica” foi composta em 1977 e faz referência às mulheres que perderam seus filhos durante o período da ditadura. Chico parte do caso da estilista Zuzu Angel, que perdeu seu filho Stuart (militante de esquerda contra o regime militar) de um modo muito cruel: arrastado por quilômetros com a boca amarrada no escapamento de um carro. O corpo do jovem, assim como o de muitos outros jovens, foi lançado ao mar, e Chico não deixou passar em branco a dor das mães que sabiam da morte de seus filhos, mas não podiam enterrá-los, ver a morte de perto e entendê-la, apenas a sentiam:

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?

Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

Zuzu passou a investigar a morte de seu filho e denunciar o que estava acontecendo. Como o pai de Stuart era estadunidense, ela consegue alguns contatos com senadores do país norte-americano e mantinha Chico informado de todas as suas descobertas. Na manhã do dia 14 de Abril de 1976, a estilista vai até a casa dele e deixa com ele documentos e três camisetas com anjinhos para cada filha dele. Nesse mesmo dia, ela morre em um atentado que os militares fizeram parecer um acidente de carro.

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?

Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar

Durante toda a canção, o eu lírico fala sobre o fantasma dos filhos desaparecidos, tanto em vida, quanto em morte. Sua música remete o ouvinte à dor de perder um filho sem saber que o perdeu, às mães que, mesmo sabendo que não verão mais seus filhos, continuam tendo uma ponta de esperança e convivem com isso até o fim.

Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?

Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?

Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?

Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar

 Apesar de Você

Escrita por Chico Buarque em 1978, Apesar de Você fala sobre o AI-5. Diferente de algumas músicas de Chico, essa tem um tom de otimismo, pois faz uma mostra o tempo todo uma esperança de que o povo consiga vencer a ditadura. Logo no começo, a primeira frase da música é “Amanhã vai ser outro dia”, que começa em um volume mais baixo e vai ficando mais alta a cada repetição, representando a voz do povo ficando cada vez mais alta.

Amanhã vai ser outro dia

Continuando, o compositor refere-se a alguém, que chama de “você”, que seria o General Médici. A música vai mostrando uma mudança nos tempos. No início, relata o que estava acontecendo na época, ou seja, a submissão do povo aos militares, a falta de liberdade de expressão, o medo da repressão.

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?

Ainda há uma referência ao fato dos militares estarem cometendo atos cruéis com a justificativa de “deixar o país em ordem”, julgando o que eles pensavam ser o certo ou errado e,conseqüentemente, acabando com a vida de muitas pessoas.

Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão

Porém, no refrão, Chico já mostra o futuro que o povo queria e estava lutando para tê-lo. Refere-se a um período próximo em que as pessoas fariam uma revolução, tirando os militares do poder e ganhando seus direitos de volta. Relata a esperança de ganhar essa “guerra” entre militantes de esquerda e militares.

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar

Há também um desabafo pessoal, que podemos considerar um desabafo de muitos brasileiros, pois fala sobre a revolta interna de ter que se guardar e sofrer tanto, jurando que cobrará com juros toda essa repressão, afinal, uma hora ou outra a ditadura teria de acabar e o povo não teria mais de se calar.

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro

Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
De “desinventar”
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar

Por fim, como dito anteriormente, a música faz referência ao tão sonhado fim da ditadura, que o eu-lírico cita como se já soubesse que aconteceria.

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria

Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença

E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia

Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente

 

Claramente, Chico Buarque coloca um tom otimista em Apesar de Você, que contagia os que escutam e transmite a esperança sentida por milhares de brasileiros que lutavam contra a Ditadura Militar. A música faz uma crítica constante à repressão, mas mostra que isso não é definitivo, porque o povo há de reverter à situação. Podemos compará-la a uma frase de Che Guevara “Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera inteira.”[6] e é nessa esperança que a música se espelha, em milhões de brasileiros revogando pelos seus direitos e sua voz, esta que os militares já não poderão mais conter “amanhã”.

  Roda-Viva

Chico Buarque compôs Roda-Viva para a peça homônima, em 1967. A letra fala sobre a sensação de impasse perante o período que estava vivendo. Há duas formas de interpretá-la: a roda-viva sendo vista como o cotidiano e suas tarefas diárias, ou a roda-viva fazendo referência à ditadura e opressão.

Começa mostrando o sentimento de impotência, a angústia de ver a vida passando sem poder fazer nada, apenas seguindo o percurso que seria seu, mas está sob controle ditatorial. O mundo estava de cabeça para baixo, na visão esquerdista, e a opressão tentava alienar o povo cada vez mais. As pessoas mantinham o desejo de cuidar do seu próprio destino, mas este era levado pela roda-viva, que, no caso, pode estar demonstrando a ditadura.

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega o destino pra lá

 

O refrão se repete no final de cada estrofe, pois, assim, realça a ideia de repetição, do cotidiano sempre igual. A combinação da palavra “roda”, citada várias vezes, com a melodia, proporciona uma sensação rotatória.  O tempo está passando rápido, e você mantém seu coração batendo para sobreviver, mas, não para viver. Enquanto vai levando uma vida em que você é um protagonista passivo, as coisas vão acontecendo de uma forma natural, como o mundo rodando, a roda-gigante, o moinho e o peão.

Roda mundo, roda-gigante
Roda-moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

 

Há a comparação do menor ao maior, referindo-se a uma única pessoa remando contra uma corrente inteira, sem conseguir mudar alguma coisa – visando a luta do povo contra a opressão da ditadura-. Então a pessoa desiste, voltando ao fluxo e se questionando sobre as mesmas coisas de quando ia contra a corrente.  As roseiras, podendo ser interpretadas como fonte cultivada de nova vida (ou fonte cultivada de novas ideias), são destruídas pela roda viva, antes que floresçam. E essa rosa viva, acaba se tornando mais viva do que nós mesmos.

 

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a roseira pra lá

 

A canção faz uma referência ao samba acabado também, talvez por conta da censura, que não permitia que os artistas fizessem músicas livremente. As saias rodadas são típicas do samba, e estas já não rodam mais, ou seja, o samba está acabado, já não pode mais existir com liberdade. Então, junto ao samba, acaba o envolvimento com as outras pessoas, as conversas de “papo-furado” e a participação política. Além de mostrar que até os artistas sofriam com a censura.

 

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou

A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a viola pra lá

 

Na última estrofe, o autor faz um “resumo” sobre toda a música. Demonstra que toda essa vontade de participar do movimento contra a ordem opressora, ser mais ativo na sua própria vida, liberdade de expressão etc, foram apenas desejos passageiros, que a brisa primeira levou.

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou

 

Já os últimos versos soam como um pedido de “trégua” por desistência, como a frase “Pare o mundo que eu descer”.


No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda-viva
E carrega a saudade pra lá

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo III

3.1 Muito além da Ditadura Militar brasileira

Ao contrário do que muitos pensam, as canções de Chico Buarque não revelam apenas sua oposição à Ditadura Militar no Brasil, mas, também, a qualquer ditadura totalitarista em geral. Além de fazer músicas de protesto contra a situação brasileira da época, ele também fez uma para a Revolução dos Cravos em Portugal[7], denominada Tanto Mar. Essa canção possui duas versões, pois foi vetada no governo Médici, mas o compositor a refez, colocando o tempo musical no passado, o que fez a canção ser liberada. Chico usa gírias e costumes portugueses na música, que retrata essa época da revolução.  Outra música que pode ser lembrada é Não Sonho Mais, que retrata a submissão da mulher ao marido quando tenta questioná-lo ou não obedecê-lo. Há, ainda, Construção, que mostra a vida de um trabalhador de construção civil que morre no seu local de trabalho. A situação do trabalhador é difícil, pois ele é oprimido pela ditadura econômica que assombrava o Brasil na época (1971).

Chico sempre se mostrou um homem engajado na política e na arte, fazendo protestos por através de suas músicas e colocando suas ideias no papel. Mesmo com o fim da ditadura, não deixou de participar da política e nem da arte. Apoiou a campanha de Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT) à presidência, e, recentemente, Marcelo Freixo (PSol) à prefeitura do Rio de Janeiro, mostrando que, mesmo nos dias atuais, continua se mantendo ativo em questões políticas. Ele não só expôs sua ideologia no período ditatorial, como continua ativo até hoje lutando por ela. Também continua escrevendo canções, dois livros (Budapeste e Leite Derramado, que lhe renderam o prêmio “Jabuti”, junto com Estorvo, em 1992) e fez uma turnê em 2012 pelo Brasil todo.

Não é só Chico que se mantém ativo atualmente, seu trabalho, que já vem influenciando gerações desde a década de 60, continua vivo em gerações atuais e mesmo que se renovem as gerações, ele se mantém presente. A genialidade de Buarque não é algo comum. O fato de escrever letras diretas e indiretas, que muito driblaram a censura e denunciaram um período marcante pra história brasileira, não oculta o jeito como as coloca em suas músicas. Tratemos das canções deste trabalho: “Roda-Viva”, por exemplo, tem uma repetição da palavra “roda”, dando a sensação de rotina. Foi criada propositalmente para levar as pessoas a pensarem que se trata de rotina normal, do dia-a-dia de pessoas normais que não vinculo com a ditadura, porém, quando analisada, mostra uma forte denuncia ao regime sujo que era o dos militares. Outro exemplo é “Cálice”, que usa uma palavra com a leitura tendo um significado e a pronuncia outro. Cálice, como o nome já diz, ao ser lida, refere-se ao cálice de beber, entretanto, quando se fala “cálice”, a sonoridade remete à palavra “cale-se”. Ao fim da letra, a música vai falando frases de protesto contra a ditadura e, ao fundo, fica uma voz exclamando “cálice!”, como se dissesse para a pessoa que está protestando se calar.  Apesar de Você imita a voz do povo gritando e pedindo por direitos, como se estivesse simulando mesmo a esperança do povo gritando.

Assim, percebe-se a genialidade de um compositor que soube aproveitar letra e melodia, ditadura e democracia, música e poesia. Chico Buarque de Hollanda,  a grandeza de um homem muito a frente de seu tempo, que soube misturar política, com arte, com açúcar e com afeto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Anexos: Discografia de Chico Buarque

Chico Buarque de Hollanda
1966
Morte e Vida Severina
1966
Chico Buarque de Hollanda – vol.2
1967
Chico Buarque de Hollanda – vol.3
1968
Chico Buaque de Hollanda
1968
Compacto
Umas e outras
1969
Compacto
Chico Buarque de Hollanda
1969
Compacto
Chico Buarque na Itália
1969
Apesar de você
1970
Compacto
Per un pugno di samba
1970
Chico Buarque de Hollanda – vol.4
1970
Construção
1971
Quando o carnaval chegar
1972
Caetano e Chico juntos e ao vivo
1972
Chico canta
1973
Sinal fechado
1974
Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo
1975
Meus caros amigos
1976
Cio da Terra
1977
Compacto
Os saltimbancos
1977
Gota d’água
1977
Chico Buarque
1978
Ópera do malandro
1979
Vida
1980
Show 1º de Maio
1980
Compacto
Almanaque
1981
Saltimbancos trapalhões
1981
Chico Buarque en espanhol
1982
Para viver um grande amor
1983
O grande circo místico
1983
Chico Buarque
1984
O Corsário do rei
1985
Ópera do malandro
1985
Malandro
1985
Melhores momentos de Chico & Caetano
1986
Francisco
1987
Dança da meia-lua
1988
Chico Buarque
1989
Chico Buarque ao vivo Paris Le Zenith
1990
Paratodos
1993
Uma palavra
1995
Terra
1997
Álbum de Teatro
1997
Chico Buarque de Mangueira
1997
As cidades
1998
Chico ao Vivo
1999
Chico e as cidades
2001
DVD
Cambaio
2001
Box Chico Buarque – Construção
2002
Chico Buarque – Duetos
2002
Chico ou o país da delicadeza perdida
2003
DVD
Box Francisco
2004
12 CDs + 2 DVDs
Chico no cinema
2005
Box Chico Vol 1
2005
3 DVDs
Box Chico Vol.2
2005
3 DVDs
Box Chico Vol.3
2005
3 DVDs
Box Chico Vol.4
2006
3 DVDs
Carioca
2006
Carioca ao Vivo
2007
Carioca ao Vivo
2007
DVD
Chico Buarque Essencial
2008
Chico
2011

Entrevistas[8]

Paulo Roberto Pepe – jornalista pela Casper Libero e sociólogo formado pela USP. Atualmente, possui uma agência de comunicação e trabalha com planejamento, análise de imagem e reputação corporativa.

Pergunta: Como era viver em um ambiente ditatorial, no qual as pessoas não tinham voz, não podiam falar suas opiniões?

Resposta: Nasci em 1960. Me deparei com a ditadura quando tinha uns 14 anos. Os colégios funcionavam como se fossem quartéis militares, éramos obrigados a fazer filas pra entrar. Não podíamos ir de cabelos compridos em uma época em que havia Beatles e Rolling Stones nomes das bandas em itálico. Não podia usar calças da moda. Aos 14, 15 anos, você começa a perceber que não consegue ter acesso à cultura. Filmes eram proibidos, livros tinham de ser encapados para não verem o que estávamos lendo. Você não tinha acesso à arte e não podia sair do Brasil, para isso, tinha que pagar um valor muito alto. Havia um cerceamento de liberdade que a juventude principalmente, nós, nos opúnhamos ao regime militar quase de uma maneira comportamental. Os filmes dessa época são sempre tristes, o que eu chamaria de “plúmbeos”, todos meio enevoados, cinzentos. Tanto que aos quinze anos, de certa maneira, eu já passava a ter contradições com o regime. Por exemplo, tínhamos um grupo de teatro que teve uma peça proibida. Aos dezesseis eu já militava em um grupo de esquerda contra o regime militar, a favor de derrubar a ditadura, isso em 1976. Já havia passado o período mais duro do Médici e, nos anos seguintes, começávamos a ver uma “desobediência crônica”, tudo era bacana e feliz, porque tudo tinha um caráter desafiador da autoridade. Tudo era feito pra você futricar, instigar, de alguma forma subverter a ordem estabelecida. A rebeldia era uma coisa bacana, tudo que a gente fazia tinha um componente rebelde e uma justificativa bacana: ser contra o regime. Há uma frase de um filósofo alemão que diz “a liberdade é a consciência da necessidade”, ou seja, somos livres quando temos consciência do que precisamos remover da nossa vida. Isso era bacana. A gente tem que “agradecer a ditadura”, porque sabíamos exatamente contra quem lutar e contra quem brigar e isso vai construindo um ideário e conjunto de valores que para nós foi muito importante nesse período. Tudo o que ouvíamos e escrevíamos; as passeatas e greves… Havia um clima de liberdade no ar que a ditadura não podia conter. A gente começou a ser livre sob a ditadura, ou seja, quando nós começamos a derrubá-la, nunca nos sentimos tão livres, tudo era profundamente carregado de uma energia e emoção de liberdade que acho que hoje faz falta. Essa juventude carece exatamente de um conjunto de ideários e de alguma maneira projeto social, político, comportamental para se mobilizar. Naquela época todo mundo era contra a ditadura, e isso era sensacional, porque você criava uma relação de identidade com todo mundo. Então teve o lado ruim, pois todo mundo cresceu com medo e assustado, imaginando a possibilidade de ser preso, torturado e fuzilado, o que não é uma brincadeira, era muito sério. Eu apanhei um pouco em passeata, mas o preço foi bem barato pelo que fizemos. Mas teve muita gente que pagou com a vida e até hoje a Comissão da Verdade não consegue achar os registros. Não da pra achar “ah, que volte a ditadura para que todo mundo saiba com quem lutar”; não é desejável isso pra nenhuma geração, nenhum momento… Era trágico isso. Ainda bem que tínhamos a arte e a música, que, de alguma forma, abria nichos de liberdade.

Simon Simantob – produtor cultural.

Pergunta: Como você vê a participação de Chico Buarque na resistência à ditadura?

Resposta: No meu entender, Chico não teve participação direta na resistência à ditadura, no que se refere à protestos e passeatas. Porém, tinha uma compreensão muito boa do período e do que estava acontecendo e expressou esta compreensão em forma de obras artísticas, como as músicas que vc escolheu para este TCC. “Apesar de Você” é o melhor exemplo: a música chegou a ser censurada na época, mas, na maneira como foi escrita, para ouvidos menos atentos, ela poderia ser muito bem uma música de amor. Esta era a forma como Chico expressava suas críticas e visões em relação ao momento histórico: através de poesias e metáforas.

 

 

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

Livros:

HOMEM, Wagner. História de Canções – Chico Buarque. São Paulo:  Leya, 2009.

KRAUSCHE, Valter. Música Popular Brasileira. Distrito Federal: Brasiliense, 1983.

NAVARRO DE TOLEDO, Caio. O Governo Goulart e o golpe de 64.Distrito Federal: Brasiliense, 1982.

GURAN, Milton. Encontro na Bahia 79. Distrito Federal: Livraria Galilei, 1979.

Sites:

http://www.acervoditadura.rs.gov.br/legislacao_6.htm. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h01.

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h05.

http://cinema.uol.com.br/ultnot/reuters/2012/09/13/impacto-na-cultura-brasileira-e-reavaliado-com-sucesso-no-documentario-tropicalia.jhtm. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h10.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u397254.shtml. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h15.

http://chicobuarque.com.br/construcao/index.html. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h20.

http://musica.uol.com.br/ultnot/2012/03/01/chico-buarque-estreia-turne-de-chico-em-sao-paulo-nesta-quinta.jhtm. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h25.

http://musica.uol.com.br/noticias/afp/2011/07/20/chico-buarque-lanca-novo-disco-apos-cinco-anos-e-aposta-na-internet.htmhttp://cliquemusic.uol.com.br/discos/ver/chico-buarque/carioca-3. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h30.

http://musica.uol.com.br/ultnot/2011/07/14/em-novo-disco-chico-buarque-narra-suas-cronicas-em-cancoes-delicadas-de-generos-diversos-veja-faixa-a-faixa.jhtm. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h30.

http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12744. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h35.

http://www1.folha.uol.com.br/poder/1152092-caetano-e-chico-dividem-o-palco-em-show-para-campanha-politica-no-rio.shtml. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h40.

http://virgula.uol.com.br/ver/noticia/musica/2011/06/17/277812-chico-buarque-completa-67-anos-e-comemora-lancando-novo-album#0. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h40.

http://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/governo-janio-quadros-1961-mandato-polemico-de-sete-meses.htm. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h45.

http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h50.

http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0%2c%2cOI5399336-EI8266%2c00-Musicas+de+Chico+Buarque+ajudam+a+estudar+periodo+da+ditadura.html. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, às 15h55.

http://professorivanluiz.com.br/olhares_sobre_1964.html. Acesso em: 10 de Novembro de 2012, ás 16h.

Filmes:

 O Ano Em Que Meus Pais Sairam de Férias, Dir. Cao Hamburger, Drama, 2006.

 Zuzu Angel, Dir. Sergio Rezende, Drama, 2006.

Lamarca, Dir. Sergio Rezende , Drama, 1994.

O que é isso, companheiro?, Dir. Bruno Barreto, Drama, 1997.

Pra Frente Brasil, Dir. Roberto Farias, Drama, 1982.

 Cabra-Cega, Dir. Toni Venturi, Drama, 2004.

 Hércules 56, Dir. Silvio Da-Rin, Documentário, 2006.

Uma Noite em 67, Dir. Ricardo Calil, Renato Terra, Documentário, 2010.

 

[1] Discurso de Dilma sobre a Comissão da Verdade, em http://www.vermelho.org.br/tvvermelho/noticia.php?id_noticia=183402&id_secao=29, consultado no dia 20/10/2011, às 20h32.

[2] Jânio Quadros manteve seu governo por sete meses. O Brasil passava por uma pequena crise devido a intensa inflação, déficit da balança comercial e crescimento da dívida externa. O presidente adotou uma política econômica austera e uma política externa independente, perdendo sua base de apoio político e social. Além de ter nomeado Afonso Arinos para o ministério das Relações Exteriores, que altera os rumos da política externa brasileira. O país começou a se aproximar dos países socialistas. Portanto, a UDN (partido a que estava vinculado), dos militares e elites conservadoras. Fica sem apoio político e social, assim, renuncia.

[3] O Ato Institucional nº 5, entrou em vigor no dia 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, e durou até dezembro de 1978. Marcou o momento mais duro do regime militar. O AI-5 dava poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou considerados perigosos à nação, além de acabar com o “habeas-corpus”.

[4] Foi um dos principais líderes da luta armada. Fundador do Ação Libertadora Nacional – ALN, um grupo que participava ativamente da luta com armas. Participou de diversas ações para conseguir fundo para a luta.

 

[5] Rimas feitas a partir de palavras proparoxítonas.

[6] Frase retirada do site http://pensador.uol.com.br/poderosos/ acessado no dia 22/09/2012, às 17h45.

[7] Na década de 70, aconteceu em Portugal, a revolução popular conhecida como Revolução dos Cravos, que derrubou a ditadura salazarista. O movimento ficou conhecido por esse nome devido a um soldado simpatizante ao levante colocou um cravo na ponta de sua espingarda e todos os outros fizeram o mesmo, assim, esse gesto virou uma marca de identificação dos revolucionários.

[8] Transcritas de forma a respeitar a coloquialidade da fala

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2 comentários

  1. Stella diz:

    Gostaria que todas as músicas da Chico Buarque da época da ditadura, ( são todos tão complexas!) fossem explicada e a música dele “As Vitrines” também fosse explicada.

    Enviem este e-mail pra ele esclarecer minhas dúvidas e como amanhã ele fará 72 anos “Chico, mestre da inteligência, Feliz Aniversário meu gato!!!

    Você é feito vinho “Quanto mais velho melhor, gostoso, doce e suave.”

    Doces beijos.

  2. Josyane Malta Nascimento diz:

    Aproveito para divulgar o livro “Imaginando o Brasil: o teatro de Chico Buarque e outras páginas”, de Gabriel da Cunha Pereira. Leitura atenta e inteligente sobre o teatro de Chico Buarque, tendo como contexto os difíceis tempos da ditadura militar e as consequências culturais legadas pela ausência da vivência democrática no país. O assunto é oportuno, atual e instigante.

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