A Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Teresa
Urban – foi realizada em Cascavel nos dias 20 e 21 de março de 2014 e reuniu
depoimentos de pessoas que sofreram a violência da Ditatura Militar em eventos
ocorridos no Oeste e no Sudoeste do Paraná. A Audiência constituiu-se como fruto
de um esforço conjunto do Comitê Memória, Verdade e Justiça e da Comissão
Estadual da Verdade do Paraná. A proposta foi vivamente acolhida e apoiada pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, que cedeu a estrutura física necessária
para a realização do evento. O anfiteatro ficou lotado, repleto de um público
atento e interessado em entender esse lado sombrio de nosso passado recente.
Este livro é fruto da Audiência Pública e está dividido em partes que
aparecem de formas desiguais: A Operação Três Passos; O Grupo dos 11; o PCB;
a VPR; o MR8; a Operação Condor; outros casos. A disparidade se deve à escassez
de depoentes. Ouvimos todos aqueles que se dispuseram a falar e puderam fazêlo. Alguns quiseram relatar suas experiências, mas não puderam fazê-lo, como o
Sr. Vergilio Santos Lima e a Sra. Eva Lima, que estiveram presentes no evento,
mas, por motivos de saúde, não falaram publicamente. Muitos outros falariam, se
não tivessem sido vítimas fatais da Ditadura. Outros não falam porque guardam
silêncio, porque as dores que são despertadas pela fala podem não ser suportadas.
A todos eles agradecemos. Alguns dos relatos aqui publicados são de pessoas que,
embora não estivem escaladas para prestar depoimento, estando presentes no
evento, decidiram falar e contar suas experiências. Também a elas agradecemos. A
todos dedicamos este livro.
A realização de uma audiência com tal envergadura contou com o
trabalho de muitas pessoas. Inicialmente, registramos o árduo trabalho realizado
pelo jornalista Aluízio Palmar e pelo historiador Valdir Sessi. Os dois fizeram
as visitas prévias aos depoentes, colhendo deles impressões iniciais e fazendo o
indispensável contato que levou ao convencimento sobre a importância de se
deslocarem de suas casas até Cascavel. São moradores de comunidades de difícil
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acesso, em zonas rurais, até hoje apenas acessíveis aos moradores locais ou a
agentes do Estado. São pessoas que tiveram suas vidas definitivamente alteradas
pelo Estado ditador.
O relato dos depoentes muitas vezes foi interrompido pela emoção, pelo
choro, pelas lágrimas. Alguns deles se deslocaram até Cascavel, e, ainda assim,
não puderam falar, dado o impacto que os acontecimentos por eles vivenciados
ainda tem em suas vidas. São pessoas que nunca tiveram espaço; suas vozes nunca
foram antes ouvidas e registradas. Algumas delas já conseguiram algum avanço
em seus processos de anistia, mas outras ainda não. Em comum está o fato de
que nenhum deles conseguiu ver seus algozes serem ‘incomodados’ pela Justiça
brasileira. A política de memória vigente coloca o problema da memória, da
‘verdade’, mas não avança quando se trata de justiça, de punição aos torturadores.
Alguns destes têm os nomes apresentados aqui, mas eles seguem sua vida civil
incólumes, protegidos por uma parcial interpretação da Lei da Anistia de 1979,
que impede que os torturadores sejam punidos.
É como se todo esse passado fosse uma “página virada”. Assim a mídia
quis nos fazer acreditar. Assim ficamos com a falsa ideia de que a população
brasileira “apoiou a Ditadura”. Os depoimentos publicados neste livro mostram o
contrário. Mostram laços de solidariedade entre camponeses, entre trabalhadores,
entre vizinhos; solidariedade que marca a humanidade, ao contrário do que
nos querem fazer crer os liberais desavisados de plantão. Eles sim, os lobos, os
torturadores, os que batem e matam sem pena, podem defender a Ditadura. E
seguem escondendo os arquivos, e exaltando os crimes de lesa-humanidade.
Os relatos aqui publicados são certamente uma pequena parte do que
aconteceu nas regiões Oeste e Sudoeste do Paraná durante a Ditadura. Esses
depoimentos se somam àqueles tomados na Audiência Pública da Comissão
Nacional da Verdade ocorrida em Foz do Iguaçu, em 2013, e aos da Comissão
Estadual da Verdade do Rio Grande do Sul, ocorrida em Três Passos, em 2014.
Em algum sentido, falam do mesmo tema. Todos esses relatos se somam ao
relatório da Comissão Estadual da Verdade do Paraná – Teresa Urban.
Quanto aos procedimentos envolvidos na transcrição e revisão, observamos
que, embora não se tenham seguido normas de transcrição específicas, foram
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considerados alguns critérios, sempre tendo em mente que, nesta obra, o conteúdo
sobressai em relação à forma. Levando em conta o perfil heterogêneo dos depoentes,
propôs-se um texto que fosse homogêneo em alguns aspectos gramaticais, como
o uso da concordância nominal e verbal e a grafia de algumas palavras (“para” ao
invés de “pra”, por exemplo). Alguns marcadores discursivos, como “né” e “daí”,
foram suprimidos, especialmente quando excessivamente repetidos, como é
comum na comunicação oral. No entanto, outras características próprias da língua
falada foram mantidas, como, por exemplo, a incompletude frasal, as hesitações,
a estrutura sintática, o uso de pronome do caso reto em contextos em que a
norma padrão exige o uso de pronome oblíquo e o uso de certos vocábulos que
explicitam um modo de falar característico de uma região do país. Como exemplo,
não faria sentido corrigirmos a expressão “alemoa” por “alemãs”, já que a primeira
forma demarca uma relação cultural específica com a língua dos depoentes.
Ainda com relação à transcrição, citamos a supressão de pequenos
excertos das fala, sobretudo as saudações iniciais ou referências que perderiam
sentido no texto escrito. Igualmente, alguns erros factuais que não prejudicam a
compreensão do texto foram mantidos. Corrigi-los seria interferir na forma como
a memória traz à tona os acontecimentos. Aos pesquisadores que aprofundarem
as temáticas caberá a tarefa de problematizar as versões dos depoentes.
Em alguns momentos, sempre que necessário, complementamos alguma
informação em nota de rodapé. Buscamos também trazer alguns documentos
e fotografias relativas aos depoimentos. Por mais que tenhamos pesquisado, é
possível que alguns nomes próprios não estejam adequadamente grafados. Mesmo
documentos de jornal ou provenientes da repressão costumam errar e repetir os
erros. Assim, torna-se muito difícil saber qual seria a grafia correta quando não
temos acesso direto ao sujeito citado.
Muita pesquisa ainda está por ser feita; muito ainda por ser descoberto.
Mas nos confortou enormemente ver o auditório do campus de Cascavel da
Unioeste repleto de estudantes, professores, cidadãos que pararam suas atividades,
dedicaram um tempo para ouvir e aprender. No fundo, todos sabiam que a ideia
de apoio à Ditadura foi uma falácia muito bem construída pelos ditadores e pela
mídia brasileira.
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O Oeste e o Sudoeste do Paraná foram lugares de combates e lutas.
A ação da Ditadura nem sempre se deu de forma explícita. Mas havia um
acompanhamento dos acontecimentos da região, vigilância permanente, serviços
de espionagem e delação, mas isso não era conhecido da maioria da população.
É por isso que não podemos aceitar a fala daqueles que dizem que a população
apoiava a Ditadura. A população não tinha clareza do que era feito “em seu
nome” pela Ditadura. É isso o que as falas que vamos reproduzir nos indicam.
Nesse sentido, são importantes os estudos de historiadores locais que conseguem
recuperar partes dessa história. Da mesma forma, são animadores os interesses
de pesquisa que se apresentam em Programas de Pós-Graduação que vêm, aos
poucos, se dedicando a essa temática.
Por fim, cabe ressaltar que a iniciativa de publicação desta obra devese aos cuidados que a Editora da Unioeste teve em gravar os depoimentos;
transcrevê-los, revisar a transcrição e, posteriormente, revisar a obra e fazer a arte
final, dando todo o apoio para que os relatos aqui postos viessem a público. Essa
ação da Edunioeste reitera a importância e papel da universidade na recuperação
da nossa história e da nossa memória. Ressaltamos que os relatos aqui constantes
são de responsabilidade dos respectivos depoentes.
Agradecemos profundamente a colaboração de cada um dos depoentes.
Suas falas justificam nosso trabalho de historiadores. E esta obra tem a missão de
não nos permitir esquecer desses combatentes, que durante tanto tempo tiveram
seus direitos negados, seja o direito à memória, seja o direito à fala ou a uma
historiografia condizente com o que viveram e vivem.
Carla Luciana Silva1
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Coordenadora do Projeto de Pesquisa Ditaduras no Oeste do Paraná (CNPq). Docente do Curso de História