Até as duas primeiras décadas do século XX algumas regiões do Paraná ainda não haviam se integrado aos centros de decisão política e econômica do Estado. A conquista e ocupação de novas terras no Oeste do Estado começaram a tomar amplas dimensões no início da década de 1940, sob a perspectiva da busca do desenvolvimento e progresso do país, fomentada, sobretudo, no ideal politizado da ‘marcha para o oeste’ no governo de Getúlio Vargas.
No âmbito paranaense, a campanha da ‘marcha para o oeste’ contribuiu, sobretudo, para atingir o que a bibliografia a e documentos da época consideravam ‘sertão’. Ignorando as populações tradicionais que residiam nesses locais, o discurso oficial perpetuou a visão de que esse movimento colaborou na ocupação de uma região ‘vazia’, ‘isolada’, praticamente abandonada, entregue à ação das obrages estrangeiras. Desde a independência política da província do Paraná em 1853, os governos do Estado tornaram-se responsáveis pela distribuição das terras tidas como devolutas e sempre o fizeram, beneficiando as grandes empresas colonizadoras, numa espécie de troca de benefícios. Os caboclos pioneiros, ou pequenos proprietários, ocupantes e interessados na posse de terras sempre foram deixados para segundo plano. As grandes empresas representavam, acima de tudo, o interesse do capital e detinham prioridade para demarcar e revender as terras. dos navios e se fi xavam nas margens fluviais dos rios da região. Fixavam-se nesses locais, formando um povoado, mais conhecido como ‘porto’, por onde eram escoadas a produção da erva-mate e, posteriormente, a da madeira. Por toda essa região de fronteira, multiplicaram-se os denominados ‘portos’, que surgiram com o estabelecimento das obrages e a fixação dos mensus.
Nos projetos de colonização a prioridade foi dada à iniciativa privada. Essas empresas colonizaram uma área superior a dois milhões de hectares
Geralmente as terras doadas ou vendidas às colonizadoras estavam em sua maioria ocupadas por posseiros e essas empresas se encarregaram de expulsá-los A segurança de quem comprava a terra era explícita pelo contrato de compra e venda. No entanto, muitos litígios ocorreram na área, pelo fato de que muitas posses eram devolutas, ou mesmo pela ação de grilagem e má fé das empresas colonizadoras
A partir do início da década de 1950, começou a chegar à área um grande número de colonos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e do Sudoeste paranaense. Com uma pequena quantia em dinheiro, essas pessoas compravam o ‘direito de posse’ dos primeiros posseiros ou de supostos agentes do Instituto Nacional de Imigração e Colonização. Iniciou-se um ciclo acelerado de compra e venda de posses, que muitas vezes se dava por escambo
A disputa pela posse de terras na região e que envolveu a União, empresas colonizadoras e o Estado do Paraná é resultado do impasse pela posse da terra proveniente desde a colonização do Brasil.
No Paraná, o período considerado mais turbulento e que envolveu disputas por terras ocorreu necessariamente durante os governos de Moysés Lupion (1947-1951 e 1956-1961). No que diz respeito à região Oeste do Estado, o momento mais delicado foi durante os anos de 1957 a 1960, quando Lupion emitiu uma série de títulos em relação à mesma área Como consequência, iniciou-se uma disputa judicial acirrada pelas terras que perdurou muitos anos, a ponto de os próprios funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) de Cascavel reclamar do cansaço “de tentar decidir sobre os herdeiros da terra […]. Quando não é posseiro que aparece aqui com uma escritura na mão é a própria pessoa que, dizendo-se herdeiro de um pedaço de terra, vem atrás de nossas ajuda para poder ocupá-la” (JORNAL ESTADO DO PARANÁ, 1978, p. 24). Os inúmeros títulos de terra emitidos por Moysés Lupion, além de duvidosos, muitas vezes estavam nas mãos de pessoas que residiam em outros Estados. Muitos, inclusive, portavam títulos em branco, o que indica como a distribuição desses documentos foi feita à revelia. Diante da forma desordenada de titulação das terras e acobertamento do poder político, podemos compreender o surgimento dos conflitos agrários na região Oeste do Paraná. Considerada a última fronteira agrícola do Paraná, a região Oeste despertava o interesse das companhias colonizadoras, a ponto de várias dessas empresas atuarem nessa área. Em virtude da diversidade de companhias colonizadoras que aí se estabeleceram e, embora os processos de disputa pela terra tenham semelhanças nos diferentes municípios que se formaram nessa região, é importante estarmos atentos para as particularidades desses litígios.
(Com Angelo Priori Luciana Regina Pomari Silvia Maria Amâncio Veronica Karina Ipólito)