Ruy Mauro Marini é um dos intelectuais mais importantes da América Latina da segunda metade do século XX.
Nascido em Barbacena em 1932, formou-se em Administração de Empresas pela Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), no Rio de Janeiro, em 1957, onde recebeu a influência direta de Alberto Guerreiro Ramos em sua formação intelectual. Uma bolsa de estudos para a França permitiu-lhe completar essa formação e, no retomo ao Brasil, tomar contato com um grupo que formaria pouco tempo depois a Política Operária (POLOP), organização socialista crítica do marxismo soviético e da linha do Partido Comunista Brasileiro. Paralelamente, Ruy Mauro Mariní desenvolveu atividades jornalísticas em O Metropolitano, suplemento dominical da União Metropolitana de Estudantes (UME) e na agência cubana de notícias Prensa Latina. Participa da criação da Universidade de Brasília, em 1962, sob a direção de Darcy Ribeiro, iniciando assim a sua atividade acadêmica.
No clima do “desenvolvimentismo” cepalino, dos “cinqüenta anos em cinco de JK e da política de luta antiimperialista e antifeudal, em aliança com a burguesia nacional, do PCB, Ruy Mauro desenvolve uma visão crítica dessas visões, retomando o pensamento de Marx, de Lenin, de Rosa Luxemburgo, além da concepção crítica formulada por André Gunder Frank, que abriu caminho para a teoria marxista da dependência, de que Ruy Mauro se tornará um dos principais expoentes.
O golpe de 1964 o leva primeiro à clandestinidade, em seguida, à prisão e torturas no Cenimar e, posteriormente, ao exílio no Chile e no México, fazendo parte, junto com professores da Universidade de Brasília, do primeiro grupo condenado pela ditadura militar a 15 anos de prisão. Ainda no Brasil, Ruy Mauro elabora a interpretação mais influente nas novas gerações de militantes sobre as razões do golpe de 1964 e sua inserção no processo de acumulação capitalista no pais, que circulou amplamente em várias versões, de forma clandestina: Dialética do desenvolvimento capitalista no Brasil.
No exterior, Ruy Mauro publicou, entre outras obras, Subdesenvolvimento e revolução, em 1969, Dialética da dependência, em 1973, O reformismo e a contra-revolução e Estudos sobre o Chile, em 1976. A Dialética da dependência contém o fulcro de sua concepção sobre o capitalismo periférico, ao criticar as limitações – já evidentes nos anos 60 – da concepção cepalina e formular uma teoria que articula o processo de inserção das formações sociais periféricas no sistema capitalista mundial com as modalidades de acumulação e de exploração da força de trabalho. Competindo em inferioridade de condições, não apenas pela chegada tardia ao mercado internacional, como pelo grau menor de desenvolvimento das forças produtivas, as burguesias periféricas buscam compensar esse déficit com a superexploração do trabalho, uma combinação da mais-valia absoluta com a mais-valia relativa e com a intensificação na exploração da mão-de-obra. Por outro lado, radicaliza a separação entre a baixa e a alta esfera do consumo, privilegiando o mercado externo, o consumo suntuário e as encomendas estatais, deprimindo ainda mais o mercado interno.
A convergência desses fatores gera o processo de dependência que, ao contrário do catastrofismo que passou a caracterizar as teorias provenientes da Cepal ou sua versão de interdependência como saída para esse bloqueio, gera um desenvolvimento cada vez mais desigual e combinado, um desenvolvimento que só é possível aprofundando a dependência e com graus ainda maiores de desarticulações internas de toda ordem — econômicas, sociais, políticas e ideológicas.
Essa concepção, a que mais influência teve no continente sobre o tema, chegou a merecer um longo artigo de crítica da parte de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, publicado na Revista Mexicana de Sociologia (em seu número extraordinário de 1978), que contém também a resposta de Ruy Mauro Marini.
De volta ao Brasil, Ruy Mauro Marini , publicou artigos sobre a globalização e as novas formas da dependência num pequeno livro, já esgotado, da Editora Scritta.
Atuando como simpatizante do PDT e do PT, pertenceu aos quadros do primeiro governo Brizola, contribuiu para a formulação de vários programas de governo e análises de conjuntura do PDT, nunca se recusando a trocar reflexões sobre os desafios e as dificuldades da militância comprometida com a alternativa revolucionária do socialismo.
Ruy Mauro foi um dos raros homens deste país que tiveram a ousadia de pagar o preço pela coerência entre sua produção intelectual e sua prática política. Como Mariategui, marxista peruano, Rui Mauro sabia que nosso socialismo será uma construção heróica e não cópia de outras experiências.
Texto de Aurélio Fernandes