Os Atos Institucionais foram normas de natureza constitucional expedidas entre 1964 e 1969 pelos governos militares que se sucederam após a deposição de João Goulart em 31 de março de 1964. Ao todo foram promulgados 17 atos institucionais, que, regulamentados por 104 atos complementares, conferiram um alto grau de centralização à administração e à política do país.
A Revolução de 1964 e o AI-1
Com a derrubada do governo João Goulart, assumiu o poder em caráter provisório e dentro da fórmula constitucional o presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli. No entanto, os militares passaram a exercer o poder de fato, constituindo uma junta governativa formada pelos ministros militares — o vice-almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, da Aeronáutica, e o general Artur da Costa e Silva, da Guerra.
De acordo com o pensamento dos chefes golpistas, o movimento
político-militar não tivera por objetivo apenas a deposição de Goulart. Sua meta fundamental havia sido combater a “subversão e a corrupção”, bem como a “infiltração comunista” na administração pública, nos sindicatos, nos meios militares e em todos os setores da vida nacional.
No dia 9 de abril de 1964, a junta militar, representando o Comando Supremo da Revolução, baixou o primeiro ato institucional redigido por Francisco Campos. Editado sem número, o documento passaria a ser designado como AI-1 somente após a divulgação do segundo ato.
Composto de 11 artigos, o AI-1 era precedido de um preâmbulo onde se afirmava que, “a revolução, investida no exercício do Poder Constituinte, não procuraria legitimar-se através do Congresso, mas, ao contrário, o Congresso é que receberia através daquele ato sua legitimação. Além de conceder ao comando revolucionário as prerrogativas de cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que tivessem ‘atentado’ contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública”, o AI-1 determinava em seu artigo 2º que dentro de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para a presidência e vice-presidência da República. O mandato presidencial se estenderia até 31 de janeiro de 1966, data em que expiraria a vigência do próprio ato.
No dia 10 de abril, a junta militar divulgou a primeira lista dos atingidos pelo AI-1, composta de 102 nomes. Foram cassados os mandatos de 41 deputados federais e suspensos os direitos políticos de várias personalidades de destaque na vida nacional, entre as quais João Goulart, o ex-presidente Jânio Quadros, o secretário-geral do proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB) Luís Carlos Prestes, os governadores depostos Miguel Arrais, de Pernambuco, o deputado federal e ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, o desembargador Osni Duarte Pereira, o economista Celso Furtado, o embaixador Josué de Castro, o ministro deposto Abelardo Jurema, da Justiça, os ex-ministros Almino Afonso, do Trabalho, e Paulo de Tarso, da Educação, o presidente deposto da Superintendência da Política Agrária (Supra) João Pinheiro Neto, o reitor deposto da Universidade de Brasília Darci Ribeiro, o assessor de imprensa de Goulart Raul Riff, o jornalista Samuel Wainer e o presidente deposto da Petrobras, marechal Osvino Ferreira Alves. A extensa lista incluía ainda 29 líderes sindicais, alguns deles bastante conhecidos, como o presidente do então extinto Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), Clodsmith Riani, além de Hércules Correia, Dante Pellacani, Osvaldo Pacheco e Roberto Morena, 122 oficiais foram também expulsos das forças armadas.
No dia seguinte, o Congresso Nacional ratificou a escolha feita pelo Comando Supremo da Revolução, elegendo para a presidência da República o general Humberto de Alencar Castelo Branco, até então chefe do Estado-Maior do Exército e um dos principais articuladores da derrubada de Goulart. Para a vice-presidência foi eleito o civil José Maria Alkmin, deputado federal do Partido Social Democrático (PSD) e secretário de Finanças do governador de Minas Gerais, José de Magalhães Pinto, que pertencia à União Democrática Nacional (UDN) e fora um dos chefes civis do movimento.
No dia 14 de abril, o comando revolucionário divulgou nova lista de cassações, incluindo 67 civis e 24 oficiais das forças armadas, entre os quais os generais-de-brigada Argemiro de Assis Brasil, chefe do Gabinete Militar de Goulart, Luís Tavares da Cunha Melo e Nélson Werneck Sodré, e os almirantes Cândido de Aragão e Pedro Paulo de Araújo Suzano. Entre os civis incluíam-se deputados estaduais e federais além de intelectuais como Franklin de Oliveira e o editor Ênio Silveira.
No dia 15 de abril, Castelo Branco foi investido no poder presidencial, inaugurando uma série de governos militares no país. No dia 17 de julho, com a justificativa de que as medidas de reestruturação política e econômica adotadas ou por adotar não se poderiam concretizar no prazo de vigência do AI-1, o Congresso aprovou por maioria absoluta a prorrogação do mandato de Castelo Branco até 15 de março de 1967, adiando as eleições presidenciais para 3 de outubro de 1966. Esse adiamento desagradou os civis que haviam apoiado a revolução, os quais, sentindo-se alijados e frustrados em sua expectativa de participar das eleições no ano seguinte, passaram a críticos intransigentes do governo. Nesse grupo destacou-se Carlos Lacerda, governador do então estado da Guanabara e candidato virtual da UDN à presidência da República. Essa candidatura foi de fato confirmada na convenção nacional do partido, realizada no dia 8 de novembro de 1964.
Até o fim desse ano o governo prosseguiu em seus expurgos, não admitindo a defesa dos acusados. As listas sucessivas impuseram punições diversas a cerca de 3.500 pessoas — entre as quais o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que se exilou voluntariamente em Paris — enquanto centenas de inquéritos policial-militares (IPM) eram instaurados para apurar “as atividades comunistas no Brasil”.
O AI-2 e a extinção dos partidos
Segundo os termos do Código Eleitoral instituído pela Lei nº 4.737 promulgada em 15 de julho de 1965, os governadores em fim de mandato não poderiam pretender a reeleição no pleito marcado para 3 de outubro daquele ano. Em vista disso, tanto Carlos Lacerda como Magalhães Pinto empenharam-se em seus estados no apoio a candidatos udenistas, que foram entretanto derrotados. Na Guanabara, venceu o candidato da coligação entre o PSD e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Francisco Negrão de Lima, e em Minas Gerais foi eleito Israel Pinheiro, do PSD. Considerando essas vitórias uma ameaça para o governo, os setores mais radicais das forças armadas, conhecidos como “linha dura”, passaram a pressionar no sentido de um maior fechamento do regime.
No dia 6 de outubro de 1965, após longa reunião com os ministros Artur da Costa e Silva, da Guerra, Paulo Bosísio, da Marinha, Eduardo Gomes, da Aeronáutica, e Mílton Campos, da Justiça, o presidente Castelo Branco submeteu à aprovação do Congresso uma série de medidas visando reforçar ainda mais os poderes do Executivo, ampliar a jurisdição dos militares em matéria de “subversão e segurança nacional”, regulamentar rigidamente a “liberdade de expressão e de ação” dos cassados, abolir o tratamento jurídico especial àqueles que houvessem exercido mandato executivo e garantir o controle do Supremo Tribunal Federal (STF). Finalmente, foi prevista uma modificação essencial no sistema das eleições presidenciais, segundo a qual o presidente da República passaria a ser eleito pelo Congresso e não mais por sufrágio universal direto.
No dia 8 de outubro, acusando Castelo Branco de “traidor da revolução”, Carlos Lacerda rompeu publicamente com o presidente em discurso transmitido pela televisão. Influenciado pela “linha dura”, Lacerda apelou para que as forças armadas se colocassem “a serviço do povo”. Ao mesmo tempo, renunciou à sua candidatura à presidência. No dia 11, Mílton Campos demitiu-se do Ministério da Justiça sendo substituído interinamente por Luís Viana Filho.
Diante da crise que se aguçava entre os setores civis e militares da revolução, Castelo Branco realizou uma reunião com seus ministros militares, deliberando colocar em estado de alerta os efetivos das três armas nos estados de São Paulo, Guanabara e Minas Gerais.
Na manhã de 27 de outubro, finalmente o presidente anunciou a edição do Ato Institucional nº 2, cuja elaboração fora coordenada por Juraci Magalhães — ministro da Justiça desde 19 de outubro — e por Nehemias Gueiros.
Composto de 33 artigos, o AI-2 redefiniu de forma autoritária os termos do AI-1, estabelecendo a eleição indireta para a presidência da República, a dissolução de todos os partidos políticos então existentes, o aumento do número de ministros do STF de 11 para 16 — o que garantia ao governo a maioria nesse tribunal e obscurecia a distinção entre justiça ordinária e justiça revolucionária —, a reabertura do processo de punições dos adversários do regime e a impossibilidade de reeleição do presidente da República. Ainda segundo o documento, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, o presidente poderia decretar o estado de sítio por 180 dias sem consulta prévia ao Congresso, ordenar a intervenção federal nos estados, decretar o recesso do Congresso e demitir funcionários civis e militares “incompatíveis com a revolução”, além de emitir atos complementares e baixar decretos-leis sobre “assuntos de segurança nacional”.
No próprio dia 27 de outubro foi também expedido o Ato Complementar (AC) nº 1, relacionando as medidas e sanções a serem tomadas com respeito às pessoas privadas de seus direitos políticos, cujas atividades ou manifestações de natureza política passavam a ser qualificadas de “crimes”. No dia 1º de novembro, dois novos atos foram editados: o AC-2, contendo disposições transitórias que vigorariam até que se constituíssem os tribunais federais de primeira instância, e o AC-3, determinando as formalidades para a aplicação dos artigos que previam a suspensão das garantias constitucionais e dos direitos políticos. Ainda em cumprimento ao disposto no AI-2, em 20 de novembro foi expedido o AC-4, definindo as regras a serem seguidas na reorganização partidária. As limitações dessas regras permitiriam que se formassem apenas duas agremiações: de um lado, o partido governista Aliança Renovadora Nacional (Arena) e, de outro, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Embora não tenha cassado o mandato dos governadores oposicionistas eleitos, o AI-2 representou uma vitória da “linha dura”. Sua vigência só iria expirar em 15 de março de 1967, ao entrarem em vigor a nova Constituição e a nova Lei de Segurança Nacional.
O AI-3 e as eleições de 1967
Em 5 de fevereiro de 1966, o presidente Castelo Branco editou o Ato Institucional nº 3, estabelecendo eleições indiretas para governador e vice-governador e fixando o calendário eleitoral. Os governantes estaduais seriam eleitos em 3 de setembro de 1966, através de votação nominal, pela maioria dos membros das assembléias legislativas dos estados. Por outro lado, de acordo com o art. 4º, os prefeitos dos municípios das capitais passariam a ser nomeados pelos governadores estaduais, “mediante prévio assentimento das assembléias legislativas ao nome proposto”. Em 3 de outubro seriam realizadas as eleições para a presidência da República e por último, em 15 de novembro, seriam eleitos deputados federais e senadores. Estas últimas seriam as únicas eleições diretas.
Através desses dispositivos, promulgados por ser imperioso tomar medidas “a fim de evitar a frustrações dos superiores objetivos da revolução e a fim de preservar a tranqüilidade e a harmonia política e social do país”, Castelo Branco pretendia colocar nos postos-chaves estaduais e municipais homens que garantissem a continuidade do sistema implantado em 1964.
A cassação de mandatos nas assembléias estaduais, somada a outras formas de pressão política, permitiu que em setembro o governo federal elegesse 17 governadores estaduais. No dia 3 de outubro, o Congresso elegeu para a presidência da República o marechal Artur da Costa e Silva, ministro da Guerra do governo Castelo Branco e um dos signatários do AI-1 Para a vice-presidência foi eleito Pedro Aleixo, deputado federal por Minas Gerais da antiga UDN e na época filiado à Arena. Tanto nas eleições estaduais como na eleição presidencial, o MDB se absteve de votar em sinal de protesto.
Mesmo após a eleição de Costa e Silva, prosseguiram as cassações de oposicionistas com base no AI-2. No dia 12 de outubro, seis deputados do MDB — entre os quais Sebastião Pais de Almeida, do antigo PSD, e Doutel de Andrade, do antigo PTB — perderam seus mandatos. Os próprios líderes do Congresso, Auro de Moura Andrade e Adauto Lúcio Cardoso, reagiram a essas cassações, enquanto os punidos decidiam permanecer em Brasília. No dia 20 de outubro, Castelo Branco editou o AC-23 decretando o recesso parlamentar até 22 de novembro ou seja, até sete dias depois da realização das eleições legislativas. Às vésperas do pleito, mais de 20% dos deputados oposicionistas eleitos em 1962 haviam sido cassados.
Em 15 de novembro, as urnas receberam cerca de 7% de votos nulos e 14% de votos em branco. A Arena obteve um total de 277 cadeiras (quando antes das eleições possuía 254), enquanto o MDB teve sua bancada reduzida de 149 representantes para 132.
A Constituição de 1967 e o AI-4
Desde meados de 1966, estava em preparo o projeto de uma nova constituição que deveria incorporar todos os elementos permanentes dos atos institucionais e complementares, bem como os diversos decretos e leis promulgados a partir de 1964 — só em seu último ano de governo, Castelo Branco promulgou cerca de 190 decretos e leis.
No dia 6 de dezembro de 1966, foi publicado o projeto de constituição redigido por Carlos Medeiros Silva, ministro da Justiça, e por Francisco Campos. Diante dos protestos suscitados pelo documento tanto na oposição como entre setores da Arena, no dia seguinte o governo decidiu editar o AI-4, convocando o Congresso em sessão extraordinária de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967 para discutir, votar e promulgar a nova Carta sob o regime de trabalho acelerado. Daquela data até a entrada em vigor da Constituição prevista para 15 de março de 1967 — o Executivo poderia legislar por decretos em tudo o que se referisse à segurança nacional, administração e finanças.
Em 24 de janeiro de 1967, sem que fosse considerada a maior parte das emendas propostas pelo Congresso, foi promulgada a nova Constituição. No dia seguinte, Castelo Branco expediu o Decreto-Lei nº 200, que introduziu alterações fundamentais na organização da administração federal.
No dia 15 de março, Costa e Silva tomou posse na presidência da República e a nova Constituição entrou em vigor. A Carta de 1967, considerada pelo presidente “moderna, viva e adequada”, formalizou as modificações por que passara a estrutura de poder a partir de 1964, até a consolidação do predomínio indiscutível do Executivo. Ainda assim, durante o governo Costa e Silva, a ordem constitucional continuaria a ser sacrificada à ordem institucional, ditada por uma legislação de exceção.
Ainda em 15 de março de 1967, foi baixado o Decreto-Lei nº 314, pelo qual entrou em vigor a nova Lei de Segurança Nacional. Tornando todos os cidadãos responsáveis pela segurança do país, a lei introduziu grande parte da doutrina da Escola Superior de Guerra (ESG) no ordenamento jurídico brasileiro e marcou profundamente o sistema político nacional.
O AI-5 e o fechamento do regime
No final de 1967 o ex-governador Carlos Lacerda — um dos líderes da Frente Ampla, movimento nacional de oposição civil ao regime militar que se vinha articulando desde meados de 1966 — iniciou uma campanha contra a política do governo Costa e Silva.
No início de 1968, ao mesmo tempo em que se intensificava a reação da “linha dura” à Frente Ampla, começaram a surgir conflitos políticos na área estudantil, que era apoiada por setores da classe média e da Igreja. Em resposta à mobilização oposicionista, o ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva, após uma reunião com os três ministros militares, baixou no dia 5 de abril a Portaria nº 177, proibindo as atividades da Frente Ampla sob a forma de manifestações, reuniões, comícios ou passeatas. Logo depois, o ministro do Trabalho Jarbas Passarinho declarou que a posse dos eleitos para a direção dos sindicatos estava condicionada à apresentação de um “atestado de ideologia”.
Enquanto o movimento estudantil era duramente reprimido, sofrendo ataques ostensivos de tropas de choque da Polícia Militar em conflitos de rua, em meados de julho ocorreu na cidade industrial de Osasco (SP) a primeira greve operária desde a ascensão dos militares.
Por essa época, o ministro do Exército Aurélio de Lira Tavares passou a insistir na necessidade de o governo “combater idéias subversivas” oferecendo para isso o apoio incondicional das forças armadas. No dia 16 de julho, em reunião do Conselho de Segurança Nacional, afirmou que existia no país “um processo bem adiantado de guerra revolucionária” que unia a oposição e o comunismo. Ao lado dos oficiais da “linha dura”, o Serviço Nacional de Informações (SNI), então chefiado pelo general Emílio Garrastazu Médici, passou também a exigir medidas repressivas mais radicais.
Em agosto, intensificou-se de fato a repressão. No dia 30 a Universidade Federal de Minas Gerais foi fechada e a Universidade de Brasília foi invadida pela Polícia Militar, o que repercutiu imediatamente no Congresso.
No dia 2 de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, pronunciou um veemente discurso na Câmara conclamando o povo a realizar um “boicote ao militarismo” e a não participar dos festejos comemorativos da Independência do Brasil no próximo 7 de setembro. O pronunciamento foi considerado pelos ministros militares ofensivo “aos brios e à dignidade das forças armadas”.
No dia 12 de dezembro, a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos e contando com o concurso da própria Arena, o pedido de licença encaminhado pelo governo para processar Márcio Moreira Alves. Preferindo enfrentar a crise com uma alternativa autoritária, o governo editou, no dia 13 de dezembro, o AI-5, o mais drástico de todos os atos institucionais até então editados.
Relacionando diretamente sua edição com o incidente na Câmara — na verdade o discurso de Moreira Alves foi apenas um pretexto, já que as medidas relacionadas eram as mesmas defendidas pelos militares desde julho — o AI-5 autorizou o presidente da República, independente de qualquer apreciação judicial, a decretar o recesso do Congresso Nacional e de outros órgãos legislativos, a intervir nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, a cassar mandatos eletivos e a suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, a decretar o confisco de “bens de todos quantos tenham enriquecido ilicitamente” e a suspender a garantia de habeas-corpus. Ainda no dia 13 de dezembro, o AC-38 decretou o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado.
Logo após a edição do AI-5, foram presos diversos jornalistas e políticos que haviam manifestado sua oposição ao governo dentro ou fora do Congresso. Entre eles incluíram-se o ex-presidente Juscelino Kubitschek, e ex-governador Carlos Lacerda e vários deputados federais e estaduais da Arena ou do MDB.
No dia 30 de dezembro, foi divulgada a primeira lista de cassações posterior ao AI-5. Onze deputados federais — encabeçados por Márcio Moreira Alves, seguido de Hermano Alves e Renato Archer — tiveram seus mandatos cassados, enquanto Carlos Lacerda teve seus direitos políticos suspensos.
No dia 31 de dezembro, o presidente Costa e Silva dirigiu-se à nação através de uma cadeia de rádio e televisão afirmando que o AI-5 não fora “a melhor das soluções, mas sim a única” para combater a “ansiada restauração da aliança entre a corrupção e a subversão”. Declarou ainda o presidente: “Salvamos o nosso programa de governo e salvamos a democracia, voltando às origens do poder revolucionário.”
No dia 16 de janeiro de 1969, após uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, o governo divulgou uma lista contendo quatro tipos de punições: cassação de mandato, cassação de mandato com suspensão de direitos políticos, suspensão de direitos políticos e aposentadoria compulsória. Os 43 atingidos incluíam dois senadores — Aarão Steinbruck e João Abraão —, 35 deputados federais — entre os quais Osvaldo Lima Filho, Martins Rodrigues, Ivete Vargas, João Herculino e Antônio Cunha Bueno —, três ministros do STF — Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Vítor Nunes Leal — e um ministro do Superior Tribunal Militar (STM) — Peri Constant Bevilacqua.
Do AI-6 ao AI-17
O AI-5 deu origem, em etapas distintas, a mais 12 atos institucionais (todos editados por Costa e Silva e pela junta militar que o sucedeu), 59 atos complementares e oito emendas constitucionais, abrangendo todas as áreas da vida nacional. Tornando plena a legislação de exceção, os governos militares puderam assim usar rotineiramente o poder coercitivo como alternativa para superar os conflitos políticos.
O AI-6, editado em 1º de fevereiro de 1969, reduziu de 16 para 11 o número de ministros do STF. Além dos três ministros cassados pouco antes, foram aposentados Antônio Carlos Lafayette de Andrada e Antônio Gonçalves de Oliveira, que protestaram contra a exclusão dos primeiros. Os chamados “crimes contra a segurança nacional” passaram também a ser julgados pela Justiça Militar, ficando reduzidas as atribuições do Supremo.
No dia 7 de fevereiro, as cassações atingiram o próprio partido do governo: da lista de 33 punidos então divulgada, 11 parlamentares — entre os quais Rafael de Almeida Magalhães e Jorge Cúri — pertenciam à Arena. Do MDB foram cassados, entre outros, os deputados Aluísio Alves, Pedro Gondim e Cid Carvalho e os senadores Mário Martins e Artur Virgílio. No dia 16, nova lista de cassações foi publicada.
Editado no dia 26 de fevereiro, o AI-7 anulou o calendário eleitoral, suspendendo todas as eleições parciais para cargos executivos ou legislativos da União, dos estados, dos territórios e dos municípios até novembro de 1970. No dia 13 de março, nova lista de cassações foi divulgada.
No dia 24 de abril, foi editado o AI-8, acelerando a reforma administrativa iniciada pelo Decreto-Lei nº 200. O novo ato delegou aos executivos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios de população superior a duzentos mil habitantes competência para implantar por decreto suas próprias reformas administrativas.
O AI-9, editado em 25 de abril, retomou o tema da reforma agrária, dispondo que “o presidente da República (poderia) delegar as atribuições para a desapropriação de imóveis rurais por interesse social, sendo-lhe privativa a declaração de zonas prioritárias”. Estabeleceu ainda que as indenizações por expropriações fossem pagas em tributos especiais da dívida pública, reembolsáveis em 20 anos e sujeitos à correção monetária. O decreto-lei que o acompanhou estipulou todavia que, em caso de desacordo sobre o valor das terras, a indenização fosse paga com base no valor cadastral das propriedades.
Em 29 de abril, nova lista veio a público. Foram aposentados 219 professores universitários e pesquisadores, entre os quais os físicos José Leite Lopes e Mário Schemberg, as historiadoras Eulália Lahmeyer Lobo e Maria Ieda Linhares, os cientistas sociais Florestan Fernandes, Otávio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Paulo Duarte, Emília Viotti da Costa, Paul Singer, Luís Pereira e Paula Beiguelman, além do historiador Caio Prado Júnior. O jornalista e escritor Antônio Calado teve seus direitos políticos suspensos e 15 deputados federais tanto da Arena como do MDB foram cassados.
No início de maio de 1969, portanto, o Congresso fora privado de quatro senadores e 95 deputados dos dois partidos, tendo o MDB perdido 40% de seus representantes.
Em 16 de maio foi editado o AI-10, determinando que a suspensão dos direitos políticos ou a cassação de mandatos eletivos federais, estaduais ou municipais com base no AI-1, AI-2, AI-5 e AI-6 acarretasse a perda de todos os cargos ou funções na administração direta ou indireta, bem como em instituições de ensino e pesquisa ou em organizações consideradas de interesse nacional. O presidente da República era também autorizado a estender essas sanções a pessoas punidas antes da edição do AI-5. O AI-10 causou grandes dificuldades para a pesquisa no Brasil.
Em fins de julho, foram atingidas com penalidades diversas cerca de quinhentas pessoas, entre membros do Congresso Nacional e das assembléias estaduais e municipais, jornalistas, militares, diplomatas, médicos, advogados e professores.
Editado em 14 de agosto, o AI-11 fixou um novo calendário eleitoral, marcando todas as eleições para uma data única, 15 de novembro de 1969, uniformizando assim o fim dos mandatos de todos os prefeitos, vice-prefeitos e vereadores. Apesar de controlado pelo governo, o processo eleitoral gerava uma tensão crescente entre os militares, provocada pelos que se opunham às próprias eleições. A posição da “linha dura” era reforçada pela atuação dos movimentos que combatiam a “ditadura militar” e desde o primeiro semestre haviam aderido à luta armada. A repressão se intensificou, sendo efetuadas numerosas prisões sob a acusação de envolvimento com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), dirigida pelo ex-capitão Carlos Lamarca. O governo desmantelou também o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e liquidou focos de guerrilhas.
Em meio a essa atmosfera tensa, no dia 26 de agosto o presidente Costa e Silva apresentou os primeiros sintomas de trombose cerebral. Com o agravamento de seu estado, no dia 30 de agosto o alto comando das forças armadas reuniu-se no Rio de Janeiro, resultando do encontro o AI-12, pelo qual uma junta constituída pelos ministros militares o general Aurélio Lira Tavares, do Exército, o brigadeiro Márcio de Sousa Melo, da Aeronáutica, e o almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha assumiu interinamente a presidência da República. Após a divulgação do AI-12 através de uma cadeia de televisão, foi lida ainda uma proclamação da junta militar, explicando que a gravidade da situação interna do país impedia a posse do vice-presidente Pedro Aleixo, sucessor natural de Costa e Silva nos termos da Constituição de 1967.
No dia 4 de setembro, o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick foi seqüestrado no Rio de Janeiro por um grupo clandestino de oposição que o manteve como refém, exigindo para sua soltura a libertação de 15 prisioneiros políticos e a divulgação de um comunicado manifestando seu “repúdio à ditadura militar”.
No dia seguinte, a junta militar reuniu-se com o general Carlos Alberto da Fontoura, chefe do SNI, os ministros José de Magalhães Pinto, das Relações Exteriores, e Luís Antônio da Gama e Silva, da Justiça, e o general Jaime Portela, chefe do Gabinete Militar da Presidência da República. No encontro, foi decidido que o governo cederia às exigências dos seqüestradores. No entanto, nesse mesmo dia a junta assinou mais dois atos institucionais: O AI-13 e o AI-14. Enquanto o primeiro instituía o “banimento do território nacional de pessoas perigosas para a segurança nacional”, o segundo, modificando o artigo 150 da Constituição de 1967, admitia a aplicação da pena de morte ou prisão perpétua em casos de “guerra externa, psicológica adversa, revolucionária ou subversiva”.
No dia 9, os 15 presos libertados e exilados no México foram banidos do território nacional. Foi também editado o AI-15, fixando a data das eleições nos municípios sob intervenção federal para 15 de novembro de 1970. Com isso, a maior parte das eleições já marcadas por Costa e Silva foi adiada.
No dia 16 de setembro, a junta militar emitiu nota oficial comunicando o afastamento definitivo de Costa e Silva e a constituição de uma junta de três generais para encaminhar a questão sucessória.
No dia 27 de setembro, foi publicado o Decreto-Lei nº 898, colocando em vigor uma nova Lei de Segurança Nacional, segundo a qual todo condenado à morte seria fuzilado se em 30 dias o presidente da República não comutasse a pena em prisão perpétua. O controle sobre a imprensa foi também intensificado, prevendo-se a prisão de jornalistas que divulgassem notícias “falsas ou tendenciosas” ou fatos verídicos “truncados ou desfigurados”. Paralelamente, nove deputados federais e o senador Pedro Ludovico Teixeira, pai do ex-governador de Goiás Mauro Borges, foram cassados, e efetuaram-se inúmeras detenções.
No dia 7 de outubro, a Secretaria de Imprensa da Presidência da República anunciou que o general Emílio Garrastazu Médici, comandante do III Exército, havia sido indicado para suceder ao presidente enfermo. Para vice-presidente fora indicado o almirante Rademaker.
No dia 14 de outubro, foi editado o AI-16, declarando vagos os cargos de presidente e vice-presidente da República — destituindo portanto Pedro Aleixo e marcando para o dia 25 próximo a eleição presidencial pelo Congresso, em sessão pública e por votação nominal. O ato fixava ainda o término do mandato do novo presidente em 15 de março de 1974, e prorrogava os mandatos das mesas da Câmara e do Senado até 31 de março de 1970.
Pelo AI-17, editado igualmente no dia 14 de outubro de 1969, a junta militar era autorizada a transferir para a reserva os militares que houvessem “atentado ou (viessem) a atentar, comprovadamente, contra a coesão das forças armadas”. Esse dispositivo revelava na verdade a oposição que o nome de Médici havia levantado em certos setores militares.
No dia 15 de outubro, o AC-72 e AC-73 reabriram o Congresso Nacional, convocando os parlamentares a se apresentarem em Brasília no dia 22 seguinte. No dia 17, a junta militar promulgou a Emenda Constitucional nº 1, incorporando dispositivos do AI-5 ao novo texto que se tomou conhecido como “A Constituição de 1969”.
Em 25 de outubro, Médici e Rademaker foram eleitos pelo Congresso por 293 votos. Houve 76 abstenções, correspondentes à bancada do MDB. O novo presidente tomou posse no dia 30 seguinte.
Conclusão
O AI-5 só foi revogado no final do governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1978), pela Emenda Constitucional nº 11, de dezembro de 1978. A despeito dessa medida, porém, os efeitos da legislação institucional não são passíveis de anulação, pois estão garantidos pelo artigo 181 da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, que considera “aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964, assim como:
I — os atos do governo federal com base nos atos institucionais e nos atos complementares e seus efeitos, bem como todos os atos dos ministros militares e seus efeitos, quando no exercício temporário da presidência da República, com base no AI-12, de 31 de agosto de 1969;
II — as resoluções fundadas em atos institucionais, das assembléias legislativas e câmaras municipais que hajam cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de governadores, deputados, prefeitos e vereadores, quando no exercício dos referidos cargos;
III — os atos de natureza legislativa expedidos com base nos atos institucionais e complementares indicados no item I.”
Vera Calicchio
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