Dissertações e Teses

Estranhas catedrais: empreiteiras brasileiras de Ditadura

Quem diz que na Ditadura era melhor porque não havia corrupção? Com certeza aqueles que locupletavam com a corrupção. Esse foi um dos eixos de estudos pioneiros de Francisco Oliveira  (o roubo é livre!! ed. Tche), e é o eixo da pesquisa do professor Pedro Henrique Pereira Campos.

A premiada tese (aqui compartilhada) se tornou um livro também premiado! A seguir, entrevista do autor concedida à EdUFF, em 2015.

 

Entrevista com autor de “Estranhas catedrais”, vencedor do Jabuti 2015

Reprodução

Vencedor do Prêmio Jabuti 2015, com o livro “Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988” (Eduff, 2014), o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos falou à Eduff sobre a importância da premiação, seus projetos futuros e a necessidade de se discutir a proximidade entre as grandes empreiteiras brasileiras e o Estado, ampliada vertiginosamente com a ditadura militar. Nos próximos dias, chega às livrarias uma nova tiragem do livro, que conquistou o primeiro lugar na categoria “Economia, Administração, Negócios, Turismo, Hotelaria e Lazer”.

Na obra, o autor se vale do instrumental teórico do socialista Antonio Gramsci para chegar a camadas profundas da presença das empresas brasileiras de construção pesada na arquitetura do regime ditatorial vigente entre 1964 e 1988.

Eduff – O senhor acaba de ganhar o Prêmio Jabuti, provavelmente a mais popular e importante premiação literária do Brasil. Como recebeu a notícia do primeiro lugar na categoria “Economia, Administração, Negócios, Turismo, Hotelaria e Lazer”? O senhor esperava ser premiado?

Pedro Henrique Campos – Fiquei muito satisfeito com a honraria. Apesar de ter ficado pessoalmente muito feliz com a premiação, é importante pontuar que o trabalho de pesquisa que deu origem ao livro não foi exclusivo meu. Tratou-se de um esforço coletivo, com auxílio de vários colegas que me ajudaram na redação dessa tese de doutorado que se tornou livro. Assim, devo reconhecer a importância de várias pessoas que foram decisivas na construção das qualidades e pontos altos do livro. É importante lembrar a minha orientadora durante a pesquisa de doutorado, a professora Virgínia Fontes (PPGH/UFF), que tantas vezes corrigiu os rumos do meu estudo. Além disso, foram fundamentais os professores e colegas de laboratórios, da UFF, da UFRRJ e nos eventos científicos que eu pude frequentar. Sem todas as críticas, sugestões e ponderações realizadas por essas pessoas, o livro não teria chegado até aqui.

Por outro lado, é muito satisfatório que tenha sido premiado um livro que teve como origem uma tese de doutorado defendida em um programa de pós-graduação de uma universidade pública. Nesse momento em que ventos políticos vindos de Brasília ameaçam o caráter público da universidade e o ajuste fiscal do governo federal atinge justamente as áreas mais frágeis do orçamento, como saúde, educação e pesquisa, é um alento que uma tese tenha recebido o prêmio Jabuti. Há de se destacar que outros professores de universidades públicas ganharam premiações em outras categorias do Jabuti. Esperamos que isso sirva para sinalizar o bom trabalho que vem sendo realizado na academia brasileira e como ela deve ser preservada e até incentivada em seu caráter público, gratuito e de qualidade.

Eduff – Em “Estranhas catedrais”, o senhor afirma que a proximidade entre as grandes empreiteiras e o governo brasileiro remonta à ditadura militar. O que mudou para que viesse à tona o escândalo revelado pela operação da Polícia Federal?

Pedro Henrique Campos – O poder das empreiteiras brasileiras remonta a um período anterior ao golpe de Estado de 1964. Já na década de 1950, em especial nos anos Kubitschek (1956-1961), esses empresários eram poderosos e organizados, atuando de forma coletiva e política junto ao Estado e à sociedade. O que ocorre é que durante a ditadura o poder econômico e político desses empresários foi impulsionado de forma inédita e exponencial, fazendo com que eles controlassem grandes conglomerados extremamente poderosos. Esperamos que, com a divulgação do livro e a sua premiação, haja um alento sobre novas pesquisas envolvendo empresários e o Estado brasileiro, em especial no período da ditadura. Da mesma forma, esperamos que haja um esclarecimento da população brasileira, em especial em alguns setores, sobre como foram obscuros aqueles tempos de regime civil-militar, quando a tortura era política oficial do Estado brasileiro, que reprimia setores da sociedade com elevada violência. Muitos agentes parecem ter mantido práticas que derivam daquele período. Assim, esses empresários continuam realizando mecanismos como cartéis, pagamento de propinas e outras ilegalidades, o que não são novidades ou práticas recentes nesse setor, mas que remetem à ditadura e períodos anteriores da nossa história.

Eduff – De que maneira o Golpe de 1964 foi decisivo para o estabelecimento ou mesmo fortalecimento das relações promíscuas entre as empresas de construção civil brasileiras e o Estado?

Pedro Henrique Campos – O golpe civil-militar de 1964 teve intensa participação empresarial, ao lado das ações de certo oficialato militar. Dentre os diversos setores empresariais, os empreiteiros de obras públicas tiveram uma atuação notável, tendo participação ativa na consecução dos fatos que deu fim ao regime democrático. Com o golpe e o gradual fechamento do regime, os empreiteiros e outros empresários passaram a ter cada vez mais acesso ao Estado e aos centros de poder, sendo agentes extremamente favorecidos pelas políticas estatais postas em prática ao longo da ditadura.

Eduff – De que modo essas empresas alteraram seus planos e estratégias de atuação para se manter próximas aos governos, mesmo após o processo de redemocratização?

Pedro Henrique Campos – As empreiteiras de obras públicas alcançaram um poder econômico e político impressionante ao longo do regime ditatorial. O setor cresceu muito ao longo do chamado “milagre” econômico e em toda a década de 1970. Ao final do regime, os grupos controlados por famílias como Mendes Júnior, Camargo (da Camargo Corrêa), Andrade e Gutierrez e Odebrecht não se restringiam a empreiteiras, sendo, porém, conglomerados econômicos, com atuação em diversos setores, além de desenvolverem obras no exterior, atuando como multinacionais. Assim, para manter esse porte e nível de desenvolvimento, as empresas do setor se adaptaram às novas condicionantes do regime pós-ditatorial, tendo atenções voltadas para as eleições, a dinâmica do parlamento e da imprensa, e não só às agências do poder Executivo, como era o costumeiro no auge do regime ditatorial.

Eduff – Deflagrada há quase dois anos, a Operação Lava-jato revelou o envolvimento de figuras importantes da política e das empreiteiras brasileiras no esquema de corrupção na Petrobras. A Lava-jato pode ser considerada um novo capítulo na história da relação entre empreiteiras e o Estado brasileiro?

Pedro Henrique Campos – A Operação Lava-jato realizou algo que eu nunca pensei que veria após estudar anos a fio o setor. Ela não só prendeu altos quadros dessas empresas, dadas como algumas das mais poderosas do Brasil, como também colocou atrás das grades os donos desses grandes grupos, como membros das famílias Odebrecht, Queiroz Galvão e outros. Assim, há um alto grau de ineditismo nos fatos ocorridos desde o início das investigações e da operação. No entanto, acho ainda prematuro apontar uma ruptura na relação estrutural entre empreiteiras e Estado no Brasil. O poder das empreiteiras no nosso país deve muito a como se dá a dinâmica política na nossa sociedade, como são financiadas as eleições, como se dá a dinâmica dos partidos na montagem dos governos de coalização, dentre outros fatores. Para que houvesse uma mudança nessa relação, seria necessária uma transformação radical na forma como se faz política no Brasil. Dessa forma, a decadência ou mesmo quebra das empresas mais poderosas hoje do setor e a sua substituição por empresas de menor porte ou estrangeiras não necessariamente porá fim a essa lógica. Seriam necessárias alterações de fundo e legais, como a revisão da Lei de Licitações, a proibição do financiamento de empresas nas eleições, um novo modelo para realização de obras públicas no país, dentre outras medidas e políticas.

Eduff – O senhor pretende escrever uma reedição atualizada de “Estranhas catedrais”?

Pedro Henrique Campos – Neste momento, estou engajado em dois projetos de pesquisa principais. Um primeiro é um esforço coletivo, coordenado por outros colegas e por mim, com o objetivo de analisar a trajetória das principais famílias da história do capitalismo brasileiro. Espero que esse projeto já esteja pronto no ano que vem e ele incluirá uma análise das famílias das grandes construtoras brasileiras. Além disso, outro projeto de pesquisa que eu hoje desenvolvo e que também pretendo transformar em livro é continuação da pesquisa que deu origem ao livro “Estranhas catedrais”. Trata-se de um estudo sobre as atividades internacionais dessas empresas, desde o período da ditadura até os dias atuais. Esse projeto opera como uma continuação da pesquisa que deu origem ao livro “Estranhas catedrais”.

Sobre o autor:
Pedro Henrique Pedrosa Campos é professor de Política Externa Brasileira, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Sua formação acadêmica está intimamente ligada à Universidade Federal Fluminense (UFF), onde concluiu a graduação em História (2004), o mestrado em História Social (2007) e doutorado em História (2012), além de ser membro do Laboratório de História Econômico-social da UFF.
Além de “Estranhas catedrais”, Campos também é autor de “Ensaios de História Econômico-social: séculos XIX e XX”, pela Eduff, e “Nos caminhos da acumulação: negócios e poder no abastecimento de carnes verdes para a cidade do Rio de Janeiro (1808-1835)”, pela editora Alameda.

 

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