Vicente Sylvestre era coronel da Polícia Militar quando foi torturado no DOI porque era comunista. Chefe do Estado-Maior do Policiamento do Interior, Sylvestre conheceu instrumentos de tortura como a cadeira do dragão, os choques elétricos e teve a cabeça chutada como uma bola.
“No feriado do dia 9 de julho de 1975, não houve aulas. Era quarta-feira, mas o ponto facultativo da Revolução Constitucionalista em São Paulo permitiu ao tenente-coronel Vicente Sylvestre trocar a sala de aula do Curso Superior de Polícia por uma ida trivial ao supermercado. O relógio marcava 3 da tarde quando o telefone tocou na residência da família, nos arredores do bairro do Butantã. Do outro lado da linha, o chefe da 2ª Seção da Polícia informou ao filho mais velho de Sylvestre que estavam a caminho: “Avise-o, aguardem”, disse antes de desligar.
Duas horas depois um oficial bateu à porta, dispensando a escolta armada para a prisão do seu colega de corporação, acusado de envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Sylvestre sabia que as ordens do comando do II Exército para que fosse levado ao QG da Polícia Militar não eram promissoras. E não foram.
Trancado sozinho num pequeno gabinete das instalações policiais, o tenente-coronel foi levado ao inferno do DOI-Codi paulistano três dias depois. Ali, durante três meses, sofreu espancamentos, choques elétricos e todo tipo de tortura imposta por oficiais do Exército, tornando-se um entre os milhares de policiais e militares perseguidos pelo regime.
Foi justamente essa a justificativa que manteve Sylvestre nos porões de tortura do 36º Distrito Policial em São Paulo, o DOI-Codi, da rua Tutoia. Baseado no Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, o tenente-coronel foi acusado pelo artigo 43, segundo o qual é crime “organizar ou tentar reorganizar de fato ou de direito, ainda que sob falso nome ou forma simulada, partido político ou associação, dissolvidos por força de disposição legal ou de decisão judicial, ou que exerça atividades prejudiciais ou perigosas à segurança nacional, ou fazê-lo funcionar, nas mesmas condições, quando legalmente suspenso”.
Na denúncia do Ministério Público, segundo Sylvestre, seus crimes foram apoiar campanha do vereador Carlos Gomes Machado, do Partido Comunista; fazer “proselitismo” no Clube Esportivo da Guarda Civil (na qual estava arregimentado antes de se tornar policial militar) e divulgar o conteúdo do jornal Voz Operária, proibido pelo governo.
“Afirmavam que eu tinha ligações com generais do Exército, generais comunistas, mas eu não tinha contato nenhum”, relembra Sylvestre. Como não ofereceu aos captores o que buscavam, Sylvestre foi submetido a meses de tortura junto com outros militares e civis. “Foi uma coisa monstruosa, me torturaram muito, fiquei em pau de arara, fui eletrocutado em uma cadeira chamada ‘cadeira do dragão’, chutaram minha cabeça tão forte que suspeitaram que haviam quebrado ossos do crânio”, relembra.
A saída do DOI-Codi ocorreu em dezembro de 1975, com Sylvestre transferido para a prisão da rua do Hipódromo, no bairro do Brás. A liberação definitiva ocorreu em maio de 1976, quando o tenente-coronel foi declarado informalmente um “morto-vivo” pela ditadura: isto é, não poderia mais atuar na polícia nem ter nenhum outro trabalho remunerado na iniciativa pública ou privada e sua mulher receberia uma pensão como se ele tivesse falecido.
A situação perdurou mesmo após 1979, quando Sylvestre foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar (STM) da acusação de tentar reorganizar o Partido Comunista. Nem mesmo a Lei da Anistia, de 1979, trouxe um desfecho rápido para o militar perseguido. Foi apenas em 1983 que a Justiça de São Paulo julgou procedente o pedido de anistia, e em 1984 o ex-tenente-coronel foi oficialmente reformado, o equivalente à aposentadoria para militares. A indenização da anistia, contudo, veio apenas em 2009, quando o Ministério da Justiça publicou a portaria deferindo o pedido de Sylvestre.
Por Bruno Fonseca para o portal GGN
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