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No fio da navalha. Minha vida na clandestinidade e o retorno ao Brasil

Depoimentos sobre a torturas, quase todos nós fizemos. Elas estão registradas na imprensa, em livros, vídeos e nos relatórios das CVs. Mas, são poucos os relatos sobre os atropelos e tensões vividas na clandestinidade. Então, me deu vontade de compartilhar a minha experiência. Corria o ano de 1979, e eu morava no interior da Argentina, vivendo em uma situação completamente inusitada. Documento de identidade argentino conseguido de forma irregular, e a família vivendo em total desacordo com as leis migratórias. Ou seja, nossa estadia de sete anos na Argentina era constantemente permeada por problemas de segurança.
Se antes, nos governos de Campora, Juan Perón e Izabel, a gente tinha todos os cuidados para não sermos localizados pelos serviços de informações do Brasil, a nossa situação complicou ainda mais com a ditadura militar, instalada na Argentina em março de 1976.
Todos os dias a Junta Militar, divulgava nos jornais, rádios e a TV, comunicados convocando os estrangeiros para se apresentarem na sede da Polícia Federal e fazerem o recadastramento. As barreiras policiais se intensificavam. Patrulhas do Exército e da Gendarmeria fechavam quarteirões e davam batidas de casa em casa.
Nós morávamos num bairro operário, e nossa fachada era boa. Família empresária no ramo de distribuição de bebidas e fábrica de soda de sifão. A rua onde moravamos era de chão batido, com esgoto correndo a céu aberto, e no bairro de baixa renda nós éramos considerados ricos. Tínhamos uma pick-up e até telefone.
Outra vantagem, é que nós éramos queridos por toda a vizinhança, que nos convidava para churrascos, almoços nas Festas Pátrias e até pra batizar as crianças.
Apesar desse cinturão de segurança, nós vivíamos atônitos, com medo, muito medo. Certa ocasião, acho que foi em 1978, uma patrulha da Gendarmeria entrou no pátio da empresa, Eunice foi atender com uma criança no colo e outras duas segurando a saia dela.
Como o espanhol da Eunice é perfeito, os gendarmes não se deram conta que nós éramos estrangeiros. Pediram os documentos, e ela disse que estavam comigo e que eu tinha ido ao banco. Com as crianças chorando, mais o movimento de caminhões e carroça no pátio, os gendarmes tomaram um refrigerante e foram embora, dizendo que iam voltar outro dia. Quando eu cheguei em casa, Eunice estava com o cabelo raspado e calmamente me contou o acontecido e o motivo de ter passado a navalha no couro cabeludo.
“Fiz promessa pra Nossa Senhora de Itati, pedindo que eles fossem embora”. disse ela.
Aquela foi a terceira vez que a Gendarmeria fazia “allanamiento” em nossa rua. Nas duas anteriores não chegou até o fundo. Nós morávamos no final de uma rua sem saída.
E assim, a gente viveu de susto em susto, e eu, em constante sobressalto, desde que, alguns levantamentos que eu havia feito para o ERP, da Delegacia de Investigación e da Penitenciária 7, onde estavam alguns presos políticos , cairam no Aeroporto da cidade de Resistência. (esse caso eu conto no livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos?”)
Eu tinha conhecimento dos perigos que nos rondavam. Depois do “Massacre de Margarita Belém” e do susto no Aeroporto, quando em tive de me desfazer dos relatórios e croquis de objetivos militares, locais de torturas e prisões, interrompi os contatos com Formosa, Corrientes, Chaco e nunca mais falei com os companheiros de Buenos Aires. Apesar desses cancelamentos, eu recebia algumas informações sobre as prisões, mortes e sequestros de crianças. Temia pela Eunice, as duas filhas e o filho. Os pequenos estavam com 5 anos e mais velha , nove anos.
Foi então, e graças a companheira Ema Cortez, que eu decidi sair do isolamento e entrar em contato com a família de Foz do Iguaçu. Mandei dizer que estava vivo e pedi pra minha sogra, obedecendo normas rígidas de segurança, ir nos visitar. Acompanhada pela companheira Ema Cortez, dona Flora chegou até “nosso santuário”. Fiquei sabendo por ela que no Brasil corria a notícia que eu havia morrido num tiroteio. Acho que foi coisa da repressão plantada em O Globo e no Jornal do Brasil, para que eu eu afrouxasse minha segurança.
Após esse primeiro contato, em seguida recebemos a visita de meu cunhado Eloy Brandt, de minha cunhada Arlete, de meu pai e de meu irmão José Amaro. Eles levaram a carta do advogado que está anexa no final desse texto. A proposta do doutor Mario Pinho, era pra eu me apresentar na Auditoria Militar, e segundo o advogado, após essa apresentação, eu estaria livre, pois a Lei do banimento havia sido revogada e a Anistia estava pra sair.
Não topei essa proposta e voltei pro Brasil dentro de meu esquema. Em maio de 1979, meu cunhado Eloy atravessou a fronteira comigo e a familia. Eunice a as crianças ficaram em Foz do Iguaçu e eu fui pro Rio de Janeiro. Passei os meses de junho e julho em São Pedro da Aldeia, em uma casa disponibilizada pelo meu irmão Evaldo. Em agosto fui pra Niterói e em seguida pra cidade do Rio, onde aguardei a publicação da Lei da Anistia no Diário Oficial.
A ajuda e proteção da família, do companheiro Milton Gaia Leite e das companheiras Iná Meirelles e @Ana Muller, foram fundamentais nesse meu retorno ao Brasil e a vida legal.
Aluizio Palmar

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