Trata-se de um episódio ocorrido em Porto Alegre (RS) no ano de 1966. O personagem principal é Sargento Manoel Raimundo Soares, um dos lideres de um “Movimento Legalista”, que queria restituir o cargo ao presidente João Goulart, deposto pelos militares. Acusado de subversão, Raimundo fugiu do Rio de Janeiro para tentar escapar da prisão e da conseqüente tortura – e passou a viver na clandestinidade. Em março de 1966, foi preso pela Polícia do Exército em frente ao Auditório Araújo Viana, em Porto Alegre e levado para o DOPS, onde foi torturado por cerca de uma semana. Posteriormente foi transferido para a Ilha Presídio, no Rio Guaíba. No dia 13 de agosto, foi novamente levado para o DOPS. Aí seguiu torturado, desconhecendo-se a data exata da morte. O corpo foi encontrado no dia 24 de agosto
O Caso das Mãos Amarradas
Luiz Renato Pires de Almeida foi preso por “ligações com o esquema subversivo de Leonel Brizola” no dia 25 de fevereiro de 1966, Renato foi recolhido ao Departamento de Ordem Política e Social. Data deste período o depoimento prestado no dia 10 de março daquele ano. Ficaria 59 dias detido, entre o DOPS e a Ilha do Presídio, pequena ilha no meio do lago Guaíba que funcionou como depósito de pólvora do Exército, laboratório para o desenvolvimento de vacinas, depois prisão de segurança máxima até finalmente ser convertida em cárcere político na ditadura militar. No dia 7 de março, o irmão mais velho de Renato levou objetos de higiene e vestuário até lá.
O próprio Ary ajudaria o irmão a sair da prisão, possivelmente lançando mão das ligações do pai com a UDN para solicitar ajuda junto à Secretaria de Segurança.
Após sair da prisão, já no Rio de Janeiro, Renato escreve uma carta a Deni, provavelmente de setembro de 1966. Conta que está fazendo um curso para trabalhar como jornalista, trata do envio de dinheiro pela família e avisa que, naquele dia, não estava com vontade de fazer mais nada porque estava abalado com uma notícia que havia recebido.
“Os filhos da puta desses traidores da Pátria mataram, afogado e com as mãos amarradas atrás, o sargento Soares, que tanto tempo esteve preso comigo, e ao qual deixei roupas, aparelho de barba e outras coisas. O assassinato foi aí em Porto Alegre e mais ou menos sei quem deu esta ordem. Esses são os homens bons que estão no governo, que vão à missa aos domingos e que durante as madrugadas torturam seus semelhantes como se fossem animais, para depois matar da maneira mais covarde possível. Quanto mais sacrifício passarem os companheiros, mais disposição nós temos para enfrentar os traidores fascistas”, escreve.
O corpo do sargento Manoel Raimundo Soares, sargento do Exército com ideias nacionalistas e militância na organização dos suboficiais, foi encontrado boiando, com mãos e pés atados, nas águas do rio Jacuí no dia 24 de agosto de 1966. O episódio ficou conhecido como o “Caso das Mãos Amarradas”. Foi um dos primeiros casos de tortura e morte por parte dos órgãos de repressão sobre o qual se teve notícia na época.
Luiz Renato dividiu a cela com Raimundo Soares duas vezes. Depois de liberado, enviou uma carta ao jornal Última Hora relatando as idas e vindas do sargento das sessões de torturas e apontando como responsáveis os delegados José Morsch e Itamar Fernandes de Souza, carta esta que seria lida em sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa gaúcha que investigou o caso, no dia 12 de abril de 1967. O estudante também seria entrevistado pelo jornal, depois da publicação da carta.
O primeiro encontro entre Luiz Renato e Raimundo Soares aconteceu no dia 14 de março, em uma cela do DOPS, na rua Santa Luzia, três dias depois da prisão do sargento. Na véspera, Renato havia retornado da Ilha Presídio, onde ficou 19 dias sem ver a luz, sem tomar banho nem comer direito. Às 22 horas do dia 14 de março, conheceu o companheiro de cela. Os policiais deixaram uns trapos velhos na cela, que serviriam de cama, e logo em seguida o preso, só de cuecas, “rosto de nortista”, bigode preto e sinais de tortura no corpo, que se apresentou:
– Sou o Sargento Soares. Para minha honra, fui expurgado do Exército.
Levados à Ilha Presídio, os dois presos ficaram juntos por mais sete dias. Para aplacar o frio, já que não tinham cobertas, dividiam a mesma cama. Quando deixou a prisão, no dia 30 de março, Luiz Renato ouviu do companheiro: “No fim de tudo, nós vamos nos encontrar. Não somos os primeiros a sofrer torturas nem seremos os últimos. Se morrermos não seremos os primeiros nem os últimos. Isso faz parte da nossa luta”.
Publicado em http://apublica.org/2012/08/um-brasileiro-na-guerrilha-boliviana/
Memória é resistência, para que nunca mais traidores da pátria, criminosos torturadores e facistas se disfarcem de patriotas, defensores de deus e da família para enganar o povo.