https://pt.scribd.com/doc/249099271/Declaracoes-de-Mulheres2
Denuncia de torturas cometidas contra os presos políticos da Base Naval da Ilha das Flores.
Este documento saiu de forma clandestina do centro de tortura e publicado nos Estados Unidos.
O TORTURADOR OCULTO DA ILHA DAS FLÔRES
Pedro Porfírio
Todos os desafortunados que passaram pelas masmorras do CENIMAR e do DOPS do Rio de Janeiro nos anos sessenta e setenta provaram das porradas do “Dr. Cláudio”, um torturador sádico que parecia mais empenhado em infringir sofrimento do que em obter informações dos seus prisioneiros. Eu passei por suas mãos desde a minha prisão, em meu apartamento do Flamengo, na madrugada de 27 de junho de 1969, até o encerrar das sessões de torturas, na Ilha das Flores, em 16 de julho.
O “Dr. Cláudio” devia ter pouco mais de 1 metro e 60 e só por ser o mais baixo já se destacava da cabroeira feroz. Mas eram os seus óculos de fundo de garrafa que o marcavam entre suas vítimas, que o apelidaram de “Dr. Silvana”, aquele vilão dos quadrinhos do Capitão Marvel. Seus óculos e seu semblante de ódio, exprimindo o desejo oculto de eliminar um “subversivo” ali mesmo, na ilha bucólica de que fora morada de imigrantes, de preferência na casa 48, cenário preferido dos exercícios de porrada de que era protagonista.
Apesar do codinome, regra de disfarce dos torturadores naquele 1969 em que ainda não se usava o capuz, ele ou um colega sempre facilitavam sua identificação. Ele era nada mais, nada menos do que o inspetor Solimar, policial federal, disponibilizado ao CENIMAR, na turma do “Dr. Paulo”, identificado depois como o capitão de fragata João Alfredo Magalhães, apelidado por nós como o “CIA”, tal a sua erudição na arte da tortura.
Seu nome inteiro – Solimar Adilson Aragão – já constava dos primeiros documentos sobre sevícias. Apareceu no livro TORTURAS E TORTURADOS, de Márcio Moreira Alves, publicado em 1966, e em muitas outras papeladas, como o livro BRASIL NUNCA MAIS, o primeiro grande compêndio sobre torturas da lavra de um grupo reunido pela igreja católica.
Esse torturador covarde, como constatei ao deparar-me com ele na Rua da Carioca, em 2003, é um dos paradigmas das violências cruéis dos porões da ditadura.
Apesar de toda essa folha corrida, acredite, seu nome não consta da lista da Comissão Nacional de Verdade, o que mostra a forma atabalhoada e incompetente como se produziu essa peça midiática.
Ao invés dele, há nomes de militares que provavelmente nada tiveram com os centros de torturas, que funcionavam clandestinamente, em sua maioria, num ambiente em que um agente da repressão tinha mais poderes do que o oficial de carreira que prestava serviço na unidade.
Sem qualquer revanchismo de ordem pessoal, mas tendo o meu testemunho como corpo de delito, posso dizer que o relatório da Comissão da Verdade se perdeu em elucubrações (Como discutir o papel da PM), e virou uma peça de precária contribuição para as pesquisas históricas.
Não sei a quem esses doutores ouviram: provavelmente nenhum dos presos e torturados no escandaloso inquérito do primeiro MR-8, em 1969. Do contrário, teriam que apresentar o nome de Solimar Adilson Aragão, identificado por outras fontes como Solimão Moura Carneiro, também alcunhado de “Dr. Saca-Rolhas”.
Bom, como ressalva, peço aos distintos leitores dessas mal traçadas linhas que deem um olhada na tal lista da “Comissão da Verdade”. Será que algum bloqueio desses dias de calor tornou o “Dr. Silvana” oculto para mim?
Pedro Porfírio, jornalista bem posicionado políticamente e com uma invejável trajetória de lutas. No período da ditadura foi preso devido a sua militância na Resistência ao arbítrio instaurado no País.