A primeira grande vergonha internacional praticada pela polícia política da ditadura civil militar, instaurada no Brasil em 1964, foi a prisão de nove chineses — jornalistas e altos funcionários integrantes da Missão Comercial Chinesa, que aqui estavam, desde 1961, a convite do presidente Jânio Quadros. A finalidade da missão era propiciar substancial expansão do comércio internacional do Brasil com a República Popular da China.
Entre os compromissos assumidos em Pequim por João Goulart, figurava a autorização para o estabelecimento no Brasil de uma representação comercial permanente da China, bem como a realização em nosso país de uma exposição comercial e industrial. Ambas as concessões foram feitas em termos de reciprocidade. Por conta deste acordo, aqui desembarcaram, entre dezembro de 1961 e janeiro de 1964, Wang Weizhen, Ju Qingdong, Wang Zhi, Wang Yaoting, Hou Fazeng, Song Guibao, Zhang Baosheng, Ma Yaozeng e Su Ziping. Eles se encontravam em território brasileiro legalmente, com vistos oficiais fornecidos pelo Itamaraty.
Nada disso impediu que fossem presos três dias após o golpe de 1964. A polícia política conduziu-os ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), onde foram torturados, fichados e interrogados.
Com
os chineses, foi apreendido o equivalente a 120 milhões de cruzeiros em moedas estrangeiras — até hoje depositados no Banco do Brasil — e vários bens e objetos domésticos. Foi feita uma perícia em documentos escritos à mão e em língua chinesa, o que resultou num laudo com tradução falsa daqueles papéis. O advogado Sobral Pinto conseguiu a nomeação de um tradutor de confiança e comprovou a farsa: o que os militares chamavam de “diário de atividades subversivas”, eram agendas nas quais os chineses anotavam os compromissos de trabalho, tais como reuniões em órgãos ou autoridades públicas brasileiras, com o objetivo de efetivar negociações sobre as possibilidades de intercâmbio comercial entre os dois países.
Apesar de tudo isso, foram acusados de serem “agentes e espiões do comunismo internacional”, e de terem ingressado no território brasileiro para subverter a ordem política e social estabelecida na Constituição de 1946, visando a instaurar aqui um regime comunista de inspiração chinesa.
A defesa produzida pelo Dr. Sobral Pinto, junto ao Superior Tribunal Militar (STM), provou que a prisão e julgamento dos chineses foram o pretexto usado pelos militares para demonstrar que o presidente João Goulart era comunista e, por isso, havia sido deposto. Até hoje os chineses continuam condenados a 10 anos de prisão e, no plano legal, expulsos do Brasil. Nunca o dinheiro apreendido foi devolvido ao governo da China.
.Com Eny Moreira, advogada e ex integrante da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro