O documento reúne uma série de comunicações internas do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE), por meio da Divisão de Segurança e Informações (DSI), entre dezembro de 1982 e julho de 1983, sobre a prisão, julgamento, denúncia de tortura, manifestações internacionais e expulsão do cantor português Sérgio Godinho. O caso teve repercussão diplomática entre Brasil e Portugal, sendo monitorado com atenção pelas embaixadas e consulados brasileiros.
Godinho foi preso no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, em 14 de novembro de 1982, quando pretendia retornar a Lisboa. A prisão ocorreu porque ele havia sido anteriormente expulso do Brasil em 1971, e seu nome constava no sistema da Polícia Federal. Na abordagem, os policiais alegaram ter encontrado 15 gramas de maconha em sua bagagem. Ele foi então preso por reingresso ilegal e porte de entorpecente. Godinho alegou inocência e, posteriormente, denunciou ter sido torturado com choques elétricos nas dependências da Polícia Federal.
Segundo informes internos (como o de 05/01/1983), a prisão gerou protestos públicos em Portugal, organizados por organizações políticas de juventude, partidos de esquerda e grupos culturais, com destaque para a União da Juventude Comunista Revolucionária. Moções de protesto foram encaminhadas ao Consulado-Geral do Brasil no Porto. Os manifestantes acusavam o regime militar brasileiro de “armação” e consideravam a prisão um ato de retaliação por Godinho ter participado de um evento da oposição (PMDB) no Brasil.
Consta no documento que o governo brasileiro, por meio da Embaixada em Lisboa, negou formalmente qualquer prática de maus-tratos ou sevícias. Declarações oficiais do ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, foram reproduzidas para afirmar que o caso estava “na esfera judicial”, e que a prisão havia sido legal, devido ao descumprimento da expulsão anterior.
A documentação inclui também telefones e comunicações entre autoridades brasileiras e portuguesas, mostrando a tentativa do Brasil de esclarecer e suavizar os efeitos diplomáticos. Há recortes dos jornais O Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo, que relataram detalhes da expulsão, como o decreto assinado pelo presidente João Figueiredo, publicado no Diário Oficial, determinando que Godinho fosse imediatamente retirado do país.
O cantor foi solto após 33 dias de prisão, mediante fiança de 80 mil cruzeiros, conforme consta em informe da DSI/MRE. Em entrevista à imprensa no Sindicato dos Músicos do Rio, antes de embarcar para Lisboa, Godinho declarou confiar na própria absolvição e prometeu que, uma vez inocentado, solicitaria a revogação do decreto de expulsão para poder retornar ao Brasil.
Em diversas declarações reproduzidas no documento, Godinho reiterou sua inocência, denunciou tortura e considerou a medida de expulsão como “provisória”. Disse ainda: “Quero e espero ser absolvido. Isso é importante para mim porque é a única maneira de reparar uma injustiça.” A documentação mostra também que sua esposa, Gabriela, foi alvo de ameaças por supostos agentes brasileiros em Lisboa, fato relatado na imprensa portuguesa e incluído nos informes enviados ao Brasil.
Além disso, o caso foi tratado por diplomatas como um “espinho nas relações luso-brasileiras”, com vários informes relatando o risco de desgaste político. Há inclusive um trecho em que se reconhece que “a insistência em justificar a posição brasileira publicamente” poderia alimentar ainda mais a oposição portuguesa.
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