Encontro dos Povos Indígenas no XINGU e Encontros das Entidade s P r e s e r v a c i o n i s t a s não Governamentais balançou o coreto da República dos Coronéis
RAONI EM TRÊS MOMENTOS DE LUTA
Memélia Moreira
Conheci o grande chefe #Raoni no dia 15 de maio de 1971, nas beiradas do majestoso Xingu quando ministros da ditadura e empresários do agronegócio – na época chamados apenas de fazendeiros – festejavam a invasão do Parque do Xingu, aquele que era chamado de “vitrine do indigenismo nacional.
Os dominadores estavam inaugurando a estrada BR-080, pomposamente chamada de “Brasília-Manaus”, que nunca chegou ao seu destno.
Raoni não escondia sua revolta. Tinha pouco mais de 40 anos e conversava com os jornalistas protestando contra a invasão de seu território. A estrada dos fazendeiros cortava o Parque do Xingu no seu limite Norte, entre os postos de Diauarum e Kretire.
De longe e indignado, Raoni olhava os invasores de sua terra e suas mulheres maquiadas, usando botas de cano alto, como se fossem cavalgar no Country Clube de São Paulo. Foi o momento da foto que aparece em primeiro lugar.
Nove anos depois, em 12 de agosto de 1980, os Kayapó e mais outras nações indígenas atacaram a fazenda Agropexim, nos limites do Posto Kretire, onde fica a aldeia de Raoni. Mataram onze trabalhadores.
Num avião da Funai de prefixo PP-FOI, embarquei com o então presidente da Fundação Nacional do Índio, Ademar Ribeiro da Silva para uma negociaçõa com os Kayapó.
Raoni ainda carregava a pintura de guerra. Mal conversamos e ele chegou perto de mim para dizer que os trabalhadores estavam fazendo muito barulho e “espantando a comida”. Ou seja, não havia caça. E era época de seca, com pouco peixe no Xingu.
Tirei a foto a uma pequena distância. Ademar Ribeiro está costas para a câmera. Raoni, no seu esplendor, falava brabo.
A negociação fracassou e voltei dois dias depois num avião “Minuano”, também da Funai, acompanhando Cláudio Villas-Boas que aí sim, conquistou resultados. Cláudio não me deixou descer do avião até acontecer o primeiro dialogo porque ele sempre foi muito protetor.
A cena que eu assisti foi impressionante. Cláudio desceu do avião (e eu não pude tirar fotos porque não havia ângulos favoráveis), deu um passo, calmo que só, tirou um pente do bolso e, tranquilamente, penteou os cabelos. Raoni e os demais guerreiros, pintados de urucum e genipapo, frutinha amarela por fora que produz uma tinta preta cercaram Claudio. Foi um cerco amoroso. Os índios o abraçaram e Cláudio autorizou minha saída do avião.
Foi uma longa tarde de lamentos sobre as invasões. .
Na terceira foto, Raoni está depilando minha sobrancelha. Sem pinça.
Calma! Não há salão de beleza no Kretire.
Raoni está tirando minha sobrancelha, fio por fio porque era um outro momento de guerra. E ele só permitiu que eu me sentasse à porta da Casa dos Homens (uma espécie de parlamento), sem minhas sobrancelhas. Não sobrou um fio.
Essa foto foi tirada durante uma das longas resistências xinguanas.
Em abril de 1984, 16 nações xinguanas se rebelaram contra os desmandos da Funai. A ditadura estava na UTI. E, então, funcionários da Funai viraram reféns. Entre esses funcionários, Claudio Romero, que era diretor do Parque do Xingu. Ele era o refém mais especial porque estava ao lado dos índios.
E as nações que vivem dentro do parque venceram a batalha. Derrubaram o presidente da Funai, Otávio Ferreira Lima, que mais parecia umaa Branca de Neve cercada de 27 coronéis (sim a Funai chegou a ter 27 coronéis em postos de comando) e conquistaram o direito de ter um índio para ser diretor do Parque Indígena.
Pensando nesses momentos, eu me sinto uma pessoa realmente privilegiada. Raoni e Cláudio Villas-Boas participaram da minha formação pessoal. Deixaram suas marcas na minha vida. E bem mais do que na minha vida. São figuras da História do Brasil. Homens da História da Resistência Brasileira. Da resistência dos dominados contra os dominadores.
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