O Centro Popular de Cultura – CPC é criado em 1961, no Rio de Janeiro, ligado à União Nacional de Estudantes – UNE, e reúne artistas de distintas procedências: teatro, música, cinema, literatura, artes plásticas etc. O eixo do projeto do CPC se define pela tentativa de construção de uma “cultura nacional, popular e democrática”, por meio da conscientização das classes populares. A idéia norteadora do projeto diz respeito à noção de “arte popular revolucionária”, concebida como instrumento privilegiado da revolução social. A defesa do caráter coletivo e didático da obra de arte, e do papel engajado e militante do artista, impulsiona uma série de iniciativas: a encenação de peças de teatro em portas de fábricas, favelas e sindicatos; a publicação de cadernos de poesia vendidos a preços populares; a realização pioneira de filmes auto-financiados. O engajamento cepecista encontra-se sistematizado no Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura, de autoria do sociólogo Carlos Estevam Martins (1962), primeiro diretor do CPC. O documento postula o engajamento do artista frente ao quadro político e cultural do país no período e faz o diagnóstico da impossibilidade de uma arte popular fora da política. De acordo com o Anteprojeto, a arte do povo é “de ingênua consciência”, “desprovida de qualidade artística e de pretensões culturais”, não tem outra função, senão “a de satisfazer necessidades lúdicas e de ornamento”. Ao definir a arte como um dos instrumentos para a tomada do poder e o artista como aquele que assume um compromisso, ao lado do povo, o CPC defende um “laborioso esforço de adestramento à sintaxe das massas”, mas de modo a tirá-las de seu lugar de alienação e submissão.
A criação do CPC tem lugar no governo de João Goulart (1919 – 1976), em um contexto de forte mobilização política, com a expansão das organizações de trabalhadores, no campo e nas cidades. As classes médias – sobretudo intelectuais e estudantes – estão presentes nos partidos políticos (o Partido Comunista Brasileiro – PCB ocupa lugar de destaque no quadro cultural da época e atrai formadores de opinião, como jornalistas, artistas e profissionais liberais em geral) e em entidades como a própria UNE. A militância política e o engajamento cultural andam de mãos dadas: os temas do debate político ecoam diretamente nas produções artístico-culturais. Essa situação difere da “utopia desenvolvimentista” dos anos 1950, que estimula o diálogo cerrado das vanguardas artísticas – do concretismo, por exemplo – com a técnica, com a indústria e com o mercado. Segundo Carlos Estevam Martins, a idéia do CPC tem origem no interior do grupo paulistano Teatro de Arena, por ocasião de uma temporada no Rio de Janeiro das peças Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri (1934), e Chapetuba F.C., de Oduvaldo Vianna Filho (1936 – 1974). As insatisfações de alguns integrantes do Arena com o próprio grupo, que, apesar dos esforços, permanece um “teatro de classe média”, levam à montagem da peça de forte caráter didático A Mais Valia Vai Acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho e Chico de Assis, com música de Carlos Lyra (1939), encenada no Teatro da Faculdade Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro, em 1960. Da concepção da peça é convidado a participar Carlos Estevam, então sociólogo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, para que colabore com uma “explicação científica e didática da mais-valia”, conceito integrante da teoria marxista. O grupo aí reunido organiza, em seguida, um curso de filosofia com José Américo Pessanha, realizado em auditório cedido pela UNE. Os debates ao longo do curso dão forma à idéia do CPC, que se beneficia de outras experiências, sobretudo a do Movimento de Cultura Popular – MCP, fundado no Recife por Germano Coelho, Ariano Suassuna (1927), Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora (1924), Aloizio Falcão, Paulo Freire (1921 – 1997), Francisco Brennand (1927) e Luís Mendonça. O MCP, ligado à Secretaria de Educação do Município, desenvolve atividades em diversas áreas (mas sobretudo no campo teatral) a partir de um forte programa pedagógico que visa “a elevação do nível cultural do povo”.
A influência direta do MCP sobre a concepção do CPC pode ser notada na prevalência do teatro sobre as demais artes, no trabalho coletivo, na defesa do engajamento e da necessidade de conscientização do povo.
Entre dezembro de 1961 e dezembro de 1962, o CPC produz as peças Eles Não Usam Black-Tie e A Vez da Recusa, de Carlos Estevam; o filme Cinco Vezes Favela – que reúne Couro de Gato, de Joaquim Pedro de Andrade (1932 – 1988), Um Favelado, de Marcos Faria, Escola de Samba e Alegria de Viver, de Cacá Diegues (1940), Zé da Cachorra, de Miguel Borges e Pedreira São Diogo, de Leon Hirszman (1937) -; a coleção Cadernos do Povo e a série Violão de Rua, das quais participam Moacir Félix (1926), Geir Campos (1924 – 1999) e Ferreira Gullar (1930). Promove, ainda, cursos de teatro, cinema, artes visuais, filosofia e a UNE-Volante, excursão de três meses pelas capitais do país para contatos com as bases universitárias, operárias e camponesas. Posteriormente, o CPC fortalece a área de alfabetização de adultos e o setor de arquitetura, que funciona fundamentalmente para apoio das montagens teatrais. As oficinas de literatura de cordel contam com a participação de Félix de Athayde e de Ferreira Gullar. O projeto do teatro de rua, de Carlos Vereza (1939) e João das Neves (1935), assim como o teatro camponês, de Joel Barcelos, têm como objetivo levar a arte diretamente ao povo, pela encenação das peças nos locais de trabalho, moradia e lazer. O CPC promove ainda feiras de livros acompanhadas de shows de música – para os quais convidam os “sambistas do morro”, Zé Kéti (1921 – 1999), Nelson Cavaquinho (1910 – 1986) e Cartola (1908 – 1980) – que contam com a adesão de Vinícius de Moraes (1913 – 1980). A coleção Cadernos Brasileiros e a Revista Civilização Brasileira, editadas por Ênio Silveira (1925 – 1996), e História Nova, organizada por Nelson Werneck Sodré, sugerem a intensa colaboração entre os intelectuais do ISEB e do CPC. No campo das artes plásticas, de menor destaque que as demais, colaboram Júlio Vieira (1933 – 1999), Eurico Abreu (1933 – 1990), Delson Pitanga e Carlos Scliar (1920 – 2001).
(Fonte Itaú Cultural)