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CHEFE DO DEPARTAMENTO DE CENSURA PROÍBE MÚSICA E MANDA FICHAR ARTISTA COMO SUBVERSIVO


Correspondências oficiais revelam o lado perverso de integrantes da censura: além de vetarem letras, denunciavam os artistas e os colegas a investigadores da máquina repressora
Há mais de 46 anos, em 16 de outubro de 1968, um funcionário público pago para analisar o veto da letra Dia de Gaça, de Sérgio Ricardo tinha ido longe demais. Além de proibir os versos da canção, classificou o artista como subversivo e o denunciou para que fosse fichado pela máquina da repressão. 
No ofício nº 393, de outubro de 1968,  o tenente-coronel Aloysio Muhlethaler de Souza, chefe do Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP), avisa: havia pedido providências ao delegado regional da Polícia Federal de São Paulo para fichar o cantor nos registros da Divisão de Ordem Política e Social (Dops) da corporação por conta da letra de Dia de graça. “Trata-se de uma letra altamente subversiva, nos moldes das que estão sendo produzidas em massa por grupos comunistas que vêm agindo no cinema, teatro, rádio e televisão”, escreveu Muhlethaler. “Aparentemente inocente, a letra referida lança o seu veneno, subrepticiamente, solapando o regime e as instituições. A música em pauta não será liberada pelo Serviço de Censura de Diversões Públicas”, continuou o censor.

Ter o nome registrado em um órgão da repressão significava dificuldades para qualquer brasileiro. Na época, por exemplo, empregadores cobravam de candidatos a determinados trabalhos um atestado ideológico, uma espécie de ficha limpa, na qual não deveriam constar atos subversivos. No caso de Sérgio Ricardo, pelo menos segundo a lógica do censor, esses atos subversivos estariam claramente demonstrados. Por causa de uma canção, os tentáculos da repressão deveriam se virar contra o compositor.

Sérgio Ricardo é o nome artístico de João Lutfi. Nascido em 1932, o músico fez carreira como locutor de rádio antes de virar compositor. Ainda nos anos 1960, fez parte do primeiro núcleo dos integrantes da Bossa Nova. Depois, passou a ser conhecido como autor de músicas de protesto ao regime militar. 

 DIA DA GRAÇA

Fez dia claro e eu saí pra rua
Pra ver a cidade diferente da normalidade
Nenhum militar de arma em punho
e nenhum estudante morreu
nem se ouviu a explosão da bomba habitual

Leva esta flor
Antes da bomba explodir
Antes que acabe este dia de alegria, meu amor

Enfim um dia bom dia, bom dia
Você que passa sorria, sorria
Dia da graça, Maria
Maria vem me dar a mão

Retoma o povo o seu lugar na praça
E de novo se falam as pessoas sem queixar da vida
Nenhuma notícia no jornal de guerra ou acidente
Nenhum inocente foi julgado e ninguém se matou

Leva esta flor
Antes de alguém se matar
Antes que acabe este dia de alegria, meu amor

Enfim um dia bom dia, bom dia
Você que passa sorria, sorria
Dia da graça, Maria
Maria vem me dar a mão

De novo o coração do paciente
batendo apaixonadamente pela enfermeira
enfim o astronauta conseguiu pousar em plena lua
nenhum guerrilheiro foi ferido ou morto no Vietnã

Leva esta flor
que o guerrilheiro deixou
Antes que acabe este dia de alegria, meu amor

Enfim um dia bom dia, bom dia
Você que passa sorria, sorria
Dia da graça, Maria
Maria vem me dar a mão

Há até lampejos de prosperidade
Funcionários e até mesmo operários ganham
novo aumento
O Brasil exportou toda banana e o café solúvel
No conto que eu canto pra mentir
de primeiro de abril

Leva esta flor
Que o mundo inteiro perdeu
Antes que acabe este dia de alegria, meu amor

Enfim um dia bom dia, bom dia
Você que passa sorria, sorria
Dia da graça, Maria
Maria vem me dar a mão

UnB Agência – Universidade de Brasília

 

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1 comentário

  1. Marcus Nagib Gadbem diz:

    Fui aluno dele em 1980 na UFJF . Era um simplório ou grande artista . Mas, de qq forma ” ralou ” conosco . Perguntamos a ele se foi dele o veto a Calabar , Rasga Coração e outros. Disse que era uma ditadura e obedecia ordens . Ficou desmoralizado .

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