Espião conhecido como Zorro, braço direito de Lamarca, pode ter sido agente duplo
paraiba.com.br
Documentos encontrados no Arquivo Nacional, em Brasília, levantam a suspeita de que Gilberto Faria Lima, dado como desaparecido há 40 anos, um dos militantes da esquerda armada com mais ações no currículo, pode ter sido um agente duplo e estar vivo. Um relatório dos órgãos de informação militares liga Faria Lima ao uruguaio Alberto Octavio Conrado Avegno, apontado pelas comissões que investigam os anos de chumbo como maior espião infiltrado junto aos grupos de brasileiros exilados no Chile, Argentina e Uruguai.
Filho do diplomata brasileiro Otávio Conrado, o espião atuou de 1967 a 1980, infiltrou-se nas organizações de esquerda, conseguiu enganar personagens como Leonel Brizola, Miguel Arraes e o Almirante Cândido Aragão e, assim, entregou ao Centro de Informações da Marinha (Cenimar) e ao Itamaraty informações que resultaram em dezenas de prisões e mortes no Brasil e no exterior.
Numa operação que chamou de “Missão no Brasil”, relatada em 21 páginas, Conrado diz que o brasileiro foi o elo com os grupos de esquerda. “Fizemos o primeiro contato em São Paulo através do endereço fornecido por Gilberto Faria Lima”, conta Conrado, que usa o codinome de Johnson, embora na maioria dos informes listados num dossiê de 812 páginas se apresente como Altair.
Conrado recebia salário mensal dos órgãos de informação do regime militar para espionar. Antes de viajar para o Brasil, entre setembro e agosto de 1972, diz que esteve pessoalmente com Faria Lima, no Chile. Ele revela que, “seguindo as instruções de Carlos” (codinome de Faria Lima), encontrou-se com vários militantes do PCB em São Paulo e no Rio, usando como álibi cartas escritas por Faria Lima cujos originais estão anexados no dossiê.
Documentos traçam perfil dúbio de ‘Zorro’
Ex-guerrilheiro Gilberto Faria Lima teria atuado como militante da esquerda armada e como suposto colaborador da ditadura
Vasconcelo Quadros – iG São Paulo | 18/03/2013 06:00:00
O ex-guerrilheiro Gilberto Faria Lima teria mudado de lado em meados de 1970 ao ser detido por agentes do Centro de Informações da Marinha (Cenimar). É provável que, ao ser confrontado com a ficha quilométrica de ações armadas, tenha aceitado colaborar para escapar da tortura e de uma morte certa. Os documentos produzidos pelos órgãos de informação das Forças Armadas e pelo Dops paulista traçam um perfil dúbio de Zorro, como era conhecido. Em alguns informes o tratam como militante da esquerda armada e, em outros – os de caráter mais confidencial -, como suposto colaborador.
Documentos: Espião uruguaio pode desvendar mistério de agente duplo da ditadura
Zorro: ‘Evidências de traição eram muito fortes’, diz ex-companheiro
Um dos informes, com a tarja dos documentos secretos, emitido em 10 de julho de 1972, diz que Gilberto Faria Lima estava, à época, refugiado no Chile “com o nome de cobertura de ROBERTO REYS e que há quatro meses havia regressado ao Brasil por Montevidéu, Rivera e (Santana do) Livramento”. “Nome cobertura” é linguagem que os órgãos de informação oficial usam para camuflar a identidade de seus agentes ou espiões cooptados infiltrados em organizações.
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O papel do ex-guerrilheiro como traidor teria sido definido em meados de 1970 ao cair nas mãos de agentes
O segundo item do informe sugere que os arapongas brasileiros tiveram acesso a relatos verbais de Faria Lima: “Disse o marginado que ingressou no Brasil ‘tranquilamente’, mostrando, inclusive, carteira de identidade do Estado do Rio Grande do Sul”.
O documento segue informando que Zorro fez os primeiros contatos em Buenos Aires entre os brasileiros asilados no Chile e os “Montoneros”, na Argentina, e estava integrado ao grupo liderado por Joaquim Pires Cerveira, militar gaúcho que dirigiu outra organização de esquerda, a Frente Nacional de Libertação, e está desaparecido desde 1973.
Em outros dois trechos, o agente que produziu o informe descreve até detalhes físicos do ex-militante: “o marginado está muito diferente, fisicamente, pois engordou bastante”. Mais adiante volta a sugerir que Faria Lima fez alguma declaração verbal ao registrar que o ex-guerrilheiro “disse, também, que conheceu, na Argentina, a brasileira GUIOMAR SCHMIDT DE KLASKO, acusada de ter assassinado o industrial SALLUSTRO”. Referia-se ao assassinato de Oberdan Sallustro, morto em abril de 1972 peloExército Popular Revolucionário (ERP).
Embora sejam sempre de veracidade duvidosa, os informes descrevem a trajetória de Faria Lima no Chile e na Argentina com precisão reconhecida pela esquerda. Com os crimes atribuídos pelo regime é improvável que não fosse preso ao regressar clandestinamente. Ao contrário de outros casos, de mortes ou prisões, não há qualquer referência sobre qualquer ação da polícia ou dos agentes militares sobre Faria Lima nesse período.
No Chile e na Argentina, ele se entrosou com vários grupos de militantes e ativistas. Eram brasileiros que fugiram ou foram banidos pelo regime depois das negociações que resultaram na libertação de presos políticos em troca da vida de diplomatas estrangeiros sequestrados pela guerrilha no Rio e em São Paulo.
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Zorro chegou a ser condenado a pena de morte durante por assassinatos na ditadura
Faria Lima deixou o Brasil em 1971, quando já era suspeito de colaborar com os órgãos de repressão. O que não se sabia é que no Chile passou a ter contatos também com o espião uruguaio Alberto Conrado, principal araponga da Operação Condor, como era chamada a articulação entre as ditaduras do Cone-Sul para exterminar os movimentos subversivos. Conrado mora atualmente em Motevidéu e deve ser ouvido pela Comissão Nacional da Verdade.
As entidades que investigam os crimes da ditadura militar no Brasil ainda estão listando as prisões, execuções e desaparecimentos forçados que resultaram das delações. Não há nenhum documento com crédito dando conta de que foi preso, embora seu nome tenha sido citado pelo ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE) Marival Dias Chaves do Canto entre os sete militantes mortos na emboscada de Medianeira, ocorrida em 11 de julho de 1974 numa área rural do município paranaense.
Uma irmã de Zorro, Sonia Lima Bonelli, acredita que provavelmente o nome tenha sido dado como morto em Medianeira pela própria polícia para evitar retaliações da esquerda. Ela diz que a família recebeu uma carta do irmão em novembro de 1974 – portanto, depois do massacre -, mas não teve mais contatos com ele. Segundo Sônia, a família foi informada pela polícia, por meio de outra irmã, Rita, já falecida, que Giba, como era chamado em casa, teria feito um acordo com o Cenimar para sobreviver. “Se ele mudou mesmo de lado, deve ter tido suas razões. Isso não importa para nós. Queremos saber se ele está vivo”, diz Sônia.
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