Em um depoimento de 23 páginas, o então embaixador norte-americano no Brasil Charles Burke Elbrick (1908-1983), sequestrado em 1969 por militantes do MR-8 que atuavam na luta armada contra a ditadura militar, dá demonstrações inequívocas de simpatia por aqueles que o mantiveram em cativeiro por três dias.
O depoimento em inglês, batido à máquina e mantido com selo de “secreto” até 20 de abril deste ano, integra um lote de documentos inéditos compartilhado na semana passada pelo governo dos Estados Unidos com o Brasil durante a visita da presidente Dilma Rousseff à Casa Branca.
O sequestro do embaixador resultou na liberação de 15 presos políticos de esquerda. Em razão disso, o episódio é tido por historiadores como o maior feito da guerrilha armada urbana que combatia o regime militar.
No relato sobre o cárcere, Elbrick afirmou ter dito aos sequestradores “deplorar qualquer tipo de violência”. “Eles disseram pensar não haver esperança de solucionar problemas de forma pacífica neste país”, contou.
O diplomata citou diversas conversas com os “jovens”, “fanáticos inteligentes”, que o capturaram em setembro de 1969.
Em um desses diálogos, disse imaginar que ações armadas deveriam fazê-los perder pessoas do grupo. Ao que escutou: “Para cada um que a gente perde, ganhamos cem”.
Elbrick contou ter sido raptado em uma rua curta que conectava as ruas São Clemente e Voluntários da Pátria, no Rio, por volta das 15h do dia 4 de setembro de 1969. O carro que o levava foi interceptado por um Fusca azul, que trancou a passagem. “O motorista, é claro, parou o carro [com o embaixador]. E nesse momento várias pessoas com revólveres e pistolas cercaram o carro e abriram as portas. Dois deles tomaram o banco de trás comigo e dois deles entraram no banco dianteiro, colocando o motorista no meio deles”, narrou Elbrick.
“Os dois [sequestradores] no banco de trás me forçaram a ficar no piso do carro com as minhas mãos atrás da cabeça e disseram ‘Somos revolucionários brasileiros'”, descreveu o embaixador.
Após rodar alguns minutos, o carro estacionou em uma “área deserta”. E então disseram ao embaixador para “fechar seus olhos”.
“Bem, eu não sei o que eles tinham em mente e eu não fechei meus olhos. E eu comecei a resistir e lutar com um homem e forcei seu revólver para longe de mim quando então fui atingido na cabeça com o cabo de uma pistola. E fiquei atordoado e claro que eu estava sangrando consideravelmente e naquele momento me puxaram para fora do Cadillac”, contou Elbrick, no que parece ter sido o momento mais tenso do sequestro.
O embaixador foi colocado em outro veículo, que teria rodado cerca de 25 minutos até parar numa garagem. Os homens disseram para Elbrick caminhar e não olhar para os lados, caso contrário seria morto. Chegara ao local do seu cativeiro.
O americano foi questionado por um interlocutor não identificado no documento, que tomava o seu depoimento, sobre quantas pessoas estavam envolvidas na operação. Ele calculou em número de oito, mas alegou não poder reconhecê-los.
Divulgação – 1969 | ||
Guerrilheiros trocados pelo embaixador Elbrick; José Dirceu é o segundo em pé, da esq. para a dir. |
O interrogador (não fica claro se brasileiro ou americano) insistiu muito por detalhes dos sequestradores. Quis saber sobre traços dos olhos, cabelos e até das sobrancelhas. Mas todas as tentativas foram em vão. Elbrick disse não ter meios de identificar nenhum deles. O uso de máscaras dificultava, argumentou ele.
“Haveria alguma coisa não usual sobre olhos, o nariz e o cabelo, porções expostas que possam dar uma ideia da pessoa, ou da voz?”, questiona o investigador.
“Bem, não sei, mas é difícil dizer, mas eu não, eu não me lembro de nada muito especial sobre ninguém”, disse o embaixador.
“Eles eram inteligentes. Eu os classificaria de fanáticos inteligentes. Eles são dedicados, de acordo com o que me disseram, eram dedicados à revolução e me disseram que mesmo que demorasse 10, 20 ou 30 anos, a revolução iria ocorrer no Brasil”, disse Elbrick.
O embaixador pediu coisas para ler no cativeiro. Foi informado de que não poderia receber jornais. Chegaram às suas mãos algumas revistas e um livro em inglês chamado “Ho Chi Minh sobre a Revolução”, sobre o líder vietnamita.
Os militantes disseram a Elbrick que eram “revolucionários” e defendiam “reformas políticas e sociais”.
“Creio que isso não é novidade para ninguém, mas ao mesmo tempo eu fiquei impressionado pela dedicação deles, a disciplina, a aparente disciplina e habilidade. Agora essas pessoas estavam envolvidas em assaltos a banco e em várias coisas que você pode ler na imprensa”, disse o embaixador.
As horas passaram no cativeiro em meio a conversas sobre assaltos e perspectivas de futuro. “A comida não era a melhor mas eles se desculparam”, contou o embaixador.
No dia 6, Elbrick foi solto após a troca de reféns. Ele foi levado de olhos vendados a um carro que lhe pareceu um Fusca. Rodou por cerca de 15 minutos, até receber a ordem de sair do carro. Ele caminhou até a rua Conde do Bonfim e pegou um táxi, enfim em liberdade.
NATUZA NERY
RUBENS VALENTE