Naquele início do mês de maio de 1970, enquanto o Cine Globo anunciava a estréia de Barbarella, com Jane Fonda, o Diretório local da Arena tomava posse e o Lions comemorava seu 10º aniversário com um jantar de gala no salão do Clube Aliança, uma voz possante ressoou pela cidade de Três Passos.
Era o advogado José Trindade, denunciando na Tribuna da Câmara Municipal e num evento no Rotary Clube, as prisões e torturas que estavam ocorrendo na cidade. “Estão acontecendo prisões ilegais de ilustres cidadãos de nossa cidade”.
Trindade denunciava em seus discursos as prisões que estavam sendo vítimas o dentista e vereador Reneu Mertz, e mais oitos outros presos políticos, entre eles Roberto De Fortini, Bruno Piola e Alberi Maffi. Todos eram acusados de atividades contrárias à ditadura militar.
Trindade foi preso e ao sair da prisão Trindade denunciou as torturas, os gritos que ele ouvia e comparou o terror vivido como as “noites de São Bartolomeu”.
Para torturar, havia chegado dias antes em Três Passos, o temível Coronel Paulo Malhães, conhecido no Rio de Janeiro , como “o carniceiro”. Malhães e sua equipe de torturadores ocuparam o 7º BPM, colocaram o Coronel Bonilla de molho e aplicaram suas técnicas de afogamento e choques elétricos.
Durante três dias,o jovem dentista Reneu Mertz, conhecido pelas suas ações humanitárias, foi torturado. Foi pendurado no “pau de arara, bateram em seu corpo, recebeu choques elétricos e afogamento. O objetivo era arrancar dele a confissão que era membro da Vanguarda Popular Revolucionária e um dos cabeças da Companhia Pesqueira, fachada da organização de resistência à ditadura.
Até o inexpressivo deputado estadual, Rubem Sheid, ligou para a Brigada acusando o Reneu Merz de ser uma dos cabeças da Operação Três Passos, ocorrida em 1965. Com isso, Sheid queria ficar bem com a ditadura e ao mesmo tempo se ver livre de seu adversário político.
Afinal, Reneu Mertz era o vereador mais votado na historia de Três Passos e tinha, com certeza um promissor futuro político.
A noite foi de São Bartomeu e os dias que seguiram à prisão foram de sofrimento para a família de Reneu Mertz. Todos os parentes tiveram suas casas invadidas e reviradas, os tios, o pai e os irmãos foram vigiados, ameaçados e torturados psicologicamente.
Cerca de um ano depois, Reneu foi libertado após ser julgado inocente. Saiu da prisão com cerca de 20 quilos, mais magro, surdo de um ouvido, hipertenso e traumatizado. Apesar de tudo, não abandonou a luta. Foi eleito prefeito de Três Passos com uma estrondosa votação.
Morreu em 1991, com a voz embargada, um nó na garganta, um aperto no peito, o trauma oriundo das torturas sofridas no cárcere deixou tamanhas seqüelas que o anistiado não conseguia falar sobre o assunto.
Segundo sua filha Clarissa, “a hipertensão e outros transtornos adquiridos na época em que esteve preso lhe causaram a morte, de forma precoce aos 50 anos, sem que o mesmo pudesse dizer publicamente “lutei pelo direitos mais básicos dos cidadãos brasileiros e me opus e ofereci resistência à ditadura, ao regime militar”.
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